Airton Paschoa: Lula & cardume

O mar virando sertão, o abismo ali à frente… Mas ah, nossa eletrônica esquerda! Estará trocando a luta de classes pela luta de genes? Aprendendo bons modos? Ou sendo flagrada fazendo sinal da cruz? No mínimo. E é o máximo

Imagem: Pavel Égüez

fim da história

(crise climáxica)

esquerda subvertida

direita subversiva

refluxo

o sertão não vira mar mas

a esquerda

                    espuma

Zweigando

                Só gente abastada e gente aplastada.

                 Nem elite, capaz de pensar pr’além da casa-grande, nem povo, capaz de passar pr’além da senzala.

                 No abismo o país do futuro e a esquerda abismada.

esquerda

tão comportadinha

se abaixa sem

mostrar a calcinha

sinistro

parlamentar 

ou

pra lamentar?

pragmática

ou

pra ginástica?

eleitoral 

ou

L real?

com voto

ou

convertida?

oficial 

ou

orificial?

estratégica

ou

analgésica?

discreta

ou

sem estro?

democrática 

ou

medocrática?

moderna

ou

materna?

possível 

ou

passiva?

majoritária 

ou

maior otária

responsável 

ou

fiscal?

conciliadora

ou

conciliada?

[pagando e apagando]

                 Faço saber, a quantos interessar inda possa outro mundo possível mas improvável, que nossa eletrônica esquerda, fetichizada da mercadoria bienal, adora até a medula genuflexa a deusa Urna, esquecendo que ocorre também ser funerária, a pagã.

paz & amor

(perguntítima)

por que que

estadistas mundiais

líderes consumados

provados & comprovados

a um só e mesmo

tempo & templo

deus & o diabo

dia & noite

abraçados & abraçando

por que que

capazes & capatazes

ao médio oriente 

já já já

não disparam

já já já

botando juntos

sentando juntos

deitando juntos

mediando & acordando

por que que

semitas & semitas

infundindo—

—lh—es

por que que

paz & amor

[darwina]

                 Faço saber, a quem possa interessar, que passei a crer na metempsicose em vida. Não, não, não é mente em psicose, incréu. Há pessoas que expiram e continuam a respirar, mas algumas renascem ou reencarnam no próprio corpo morto-vivo. A experiência esotérica, cumulando-as de pontifícia católica e apostólica sapiência, entusiasma as eleitas a pregar a boa nova. Se no deserto, depende de cada camelo. Vamos à miragem. 

                 Uma grande amiga gaúcha, velha militante política desde os tempos de grêmio e internacional, veio ficando desencantada com a idade. Até aí nada de sobrenatural, quem não ficaria, vivendo no Brasil? Se alma pura e imaculada, então… Natural. Dentro do próprio Partido a que tanto amava, a quantas lutas intestinas, sem torcer muito o nariz, não terá sido obrigada a assistir a nobre alma! Há algum tempo, porém, pareceu recobrar ânimo e vinha visivelmente encantada com a divulgação no País das recentes descobertas pré-históricas da psicologia evolutiva, evolucionista, evolucionária e etctantices afãs. Em síntese precária, que a palafita teórica sobe a alturas cipoais, o homem é um animal cujo comportamento, em sua luta feroz pela sobrevivência, obedece a razões geneticamente determinadas há — sabe Darwin! milhões, milhares, muares de anos. Moral da pré-história: que utopia humana poderia resistir a tal natureza animal? Ou versa-vice: com tal natureza humana, que utopia estúpida…

                 Confesso que, calando embora, urrava em masmorra meu marxismo vulgar. Quantas vezes não ficamos pasmo ao ouvi-la trocando naturalmente a luta de classes pela luta de genes! Que a direita ulula com tanta ciência, é óbvio. Que isso espumasse contudo da boca de uma ativista autêntica, (em que pese a extinção) causava espécie. Da última vez que nos vimos, fraudadas minhas esperanças no governo Lula & cardume, tive todavia que dar a pata à palmatória:

                 — Cê tem razão, Davina. O homem é mesmo um animal…

[neoptcostalismo]

                 Faço saber, a quantos inquietar possa, que os evangélicos grassam e desgraçam por tudo que é canto, incluindo o campo político, de natureza controverso. Quem não reconhece, ao agarrar a palavra, em carne e osso encarniçado — o neoptcostal bíblico, perdão, típico? À menor crítica ao Partido e seu sacro império, reagem quais pastores da fé ultrajada, fuzilando de anátemas os refratários ao culto. Pastores, outrossim, pois, raivosos, periga avançarem os dog… mateiros.

                 Vez em vez me pergunto que reparo, hipótese remotíssima! ousariam apontar a sua mais ululante voz… O fato talvez de não botar prótese — no mínimo. E é o máximo.

Marinha

In memoriam

O vento, as ondas, o esquife, nada balança.

Só as cabeças, sim, sim, um grande homem…

Ressaca forte, e nada no globo balança, nem o quadro.

Estômago delicado, tapa a boca, os olhos, o nariz.

Foto, flores, jornal, tudo embrulha.

OBS.: A foto que embrulha data de 7 de agosto de 2003 e flagra Lula e Palocci, entre outros devotos, em torno do caixão de Roberto Marinho, fazendo o pelo-sinal, no instante exato e irônico do “em nome do Filho” — momento em que, na expressão escarninha de Paulo Arantes, a esquerda “beijou a cruz”… publicamente, complemento.

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