?️ Pandemia devasta periferias. Que fazer?

Coronavírus já mata mais nas favelas. Morador de Itaquera, professor da Unifesp analisa: só com propostas radicais (e viáveis) e organização popular poderemos resistir à crise — e construir novo mundo solidário. Mas Estado precisará agir

Tiaraju Pablo D’Andrea em entrevista a Rôney Rodrigues, no Tibungo

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As periferias de São Paulo já concentram o maior número de mortes suspeitas de coronavírus, segundo dados divulgados pela Secretaria Municipal da Saúde. O sistema de Saúde público está à beira do colapso. Faltam hospitais, testes, campanhas e kits de higienização e prevenção. Os prometidos 600 reais da renda básica emergencial tardam. Enquanto isso, as contaminações aumentam, especialmente nessas áreas populosas, com habitações insalubres e sem saneamento básico. Milhares poderão morrer nas próximas semanas. Os governos sequer articulam planos emergenciais levando em conta a realidade das periferias e favelas. 

Agora que o vírus se propagou pelas periferias, militares, em diversos estados, checam a capacidade de cemitérios – e um colapso funerário, como o do Equador, é possibilidade real no Brasil. A pandemia extrapolará o extermínio da população empobrecida e negra das periferias. Mas será possível resistir? A autogestão das comunidades e as redes solidárias poderão mitigar essa catástrofe? Aumentará a repressão e o controle nos arrabaldes da metrópole sob justificativa do confinamento?

Nessa edição de Tibungo, conversamos com Tiaraju Pablo D’Andrea, professor da Universidade Federal de São Paulo no Campus Zona Leste e coordenador do Centro de Estudos Periféricos (CEP), que reúne moradores de bairros fora do centro de São Paulo que produzem conhecimento e incidir sobre a realidade onde vivem. No começo de abril, o CEP formulou 23 propostas instigantes e viáveis para combater o coronavírus nas periferias. Entre elas, congelar preços do botijão de gás e da cesta básica, suspensão dos aluguéis e contas de luz e água e a montagem urgente de hospitais de campanha nas escolas e terrenos ociosos da periferia.

Ações emergenciais, como essas e outras propostas, são cruciais para evitar que a pandemia devaste os arrabaldes das metrópoles, principalmente em um momento em que perfil das mortes por covid-19 parece ter mudado. Se antes era marcadamente de classe média e alta, pessoas que viajaram para fora do país e estiveram em contato com estrangeiros, agora são os moradores das periferias e favelas. 

Confira abaixo as medidas emergenciais propostas pelo CEP:

• Montagem urgente de hospitais de campanha nas escolas e terrenos ociosos das quebradas;

• Distribuição de água com a disponibilização de caminhões pipas para regiões que não tem saneamento básico;

• Distribuição gratuita de kits de higiene, limpeza e prevenção (álcool gel, álcool líquido, sabonetes, toalhas, escovas de dente, pastas de dente, máscaras);

• Suspensão da cobrança de contas de água e luz;

• Suspensão da cobrança de parcelas e juros de financiamentos em geral, incluindo as famílias com dívidas com a Caixa;

• Suspensão da cobrança aluguéis residenciais e comerciais;

• Congelamento do preço do botijão de gás e dos alimentos da cesta básica;

• Compra de itens de primeira necessidade dos comércios de bairro, por parte do poder público, para distribuição gratuita nas quebradas;

• Rápida liberação dos recursos da renda mínima para trabalhadores/as informais e desempregados;

• Manutenção da distribuição de merendas nas escolas nas regiões mais pobres;

• Campanha de conscientização mais amplas, com carros de som, músicas e vídeos que dialoguem com as quebradas;

• Não à policialização da situação, evitando o aumento do encarceramento;

• Não ao isolamento vertical. Nas periferias, diversas gerações da mesma família dividem a mesma casa ou o mesmo quintal com frequência. Quem tiver a obrigação de sair pra trabalhar, vai certamente trazer o vírus para casa;

• Reforço às medidas de proteção para quem trabalha em setores essenciais, como transportes, supermercados, feiras livres, farmácias, fábricas, abastecimento, entre outros;

• Transferência de pessoas que fazem parte dos grupos mais vulneráveis para quartos adequados de hotéis disponibilizados pelo poder público.

• Descentralização dos kits de testagem do centro para os bairros de periferia em UPAs e UBS, com orientação e insumos para o gerenciamento de casos menos graves. Essa medida evitaria também deslocamentos desnecessários;

• Ampliação da rede de wi-fi grátis nas periferias;

• Estabelecimento de fluxo para o abrigo de mulheres em situação de risco de morte com a desburocratização imediata do acesso às Casas-Abrigo para as mulheres, dispondo de um número público que disponha de vagas para o abrigo emergencial em caso de violência, além do acolhimento das demais demandas divulgadas em Nota pela Rede de Prevenção e Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da Zona Leste

• Não fechamento do atendimento no hospital de referência em aborto legal, tendo em vista que são procedimentos que não podem esperar e que devem sofrer um aumento de demanda durante o período de confinamento, junto com a violência doméstica;

• Não à diminuição da quantidade de trens e metrôs, evitando assim aglomeração no transporte de trabalhadores de serviços essenciais;

Como medidas para conter a crise, o Centro de Estudos Periféricos recomenda também:

• Taxação das grandes fortunas e vinculação desses recursos ao SUS;

• Suspensão imediata do pagamento dos juros da dívida pública;

• Fim do teto de gastos para saúde e educação;

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