?️ Milícias digitais: é preciso chegar aos chefões
Remover conteúdos e contas, como fez STF, não impedirá “gabinetes do ódio” — e pode ferir direitos digitais. É preciso, antes, atacar os arquitetos das fake news, o que exigirá políticas públicas e transparência das corporações
Publicado 07/08/2020 às 21:33 - Atualizado 11/08/2020 às 13:08
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Rafael Zanatta em entrevista a Rôney Rodrigues, no Tibungo
As investigações sobre as redes de fake news chacoalha a política brasileira. No último mês, o Supremo Tribunal Federal bloqueou diversas contas de aliados do presidente Bolsonaro. A suspeita é que haveria um Gabinete do Ódio, fixado em Brasília, usando dinheiro público e contas falsas para difamar adversários políticos do presidente. Nada mais se sabe sobre o polêmico inquérito, que tramita em sigilo desde 2019, quando foi aberto pelo presidente do STF, o ministro Dias Toffoli, que indicou Alexandre de Moraes como relator.
Essa natureza sigilosa do inquérito, que impede saber a qualidade das provas já conseguidas na apuração, está gerando diversas controvérsias relacionadas à liberdade de expressão, a atuação do poder público sobre as corporações de internet e o precedente de o Judiciário adotar censura prévia durante uma investigação. Mas como criar mecanismos eficazes e transparentes para combater a produção de notícias falsas, principalmente elas são usadas, de forma massiva e coordenada, como estratégia para a ultradireita conquistar espaços de poder, anular debates de interesse público e perseguir dissidentes? O que (e como) cabe ao Estado regular? Qual o papel que cabe ao poder público, população e corporações de internet nesse debate?
Nessa edição do Tibungo, entrevistamos o advogado Rafael Zanatta, ativista pela Internet livre, coordenador de pesquisa do Data Privacy Brasil (entidade especializada em privacidade e proteção de dados) e membro da Lavits (Rede Latino-Americana de Estudos de Vigilância, Tecnologia e Sociedade).
“Pau que bate em Chico bate em Francisco”, é como Zanatta resume a atuação do STF no combate às fake news. Apesar de diversos setores da sociedade suporem, com base em inúmeros fatos e pesquisas, que Bolsonaro pode ter feito farto uso de notícias antes e depois das eleições, as instituições da República devem se ater às regras do jogo como postura democrática – se não, as consequências podem ser nefastas para a liberdade de expressão no Brasil. Esse modus operandi persecutório do STF, incisivo na remoção de conteúdos e sem transparência no processo, é preocupante, aponta o pesquisador – e vai contra o Marco Civil da Internet, que regula os direitos e deveres para quem usa a rede.
Para regular a questão, foi aprovado no Senado, e avanço em ritmo acelerado na Câmara, um projeto de lei, do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que propõe medidas de combate à propagação de notícias falsas. Porém, foca-se mais no WhatsApp, em tentativas de rastreabilidade dos disparos massivos, ao invés de compreender a complexidade desses crimes que, geralmente, são multiplataformas.
Mas como, então, combater as fake news? Primeiro, adverte Zanatta, é preciso diferenciar comportamento de conteúdo abusivo. Projetos de lei e inquéritos, como o do STF, devem focar nos chamados “comportamentos inautênticos”. Ou seja: para produzir, gerir e disparar conteúdo para milhares de pessoas, é necessário uma coordenação e muito dinheiro. Há disparos massivos em múltiplas plataformas. A gestão de várias contas fraudulentas. A contração de empresas obscuras de estratégia de marketing digital. Chegar aos arquitetos e financiadores das redes de fake news é mais importante que identificar e remover conteúdo falso e difamatório, o que colocaria um grande poder nas mãos de corporações de internet, por meio de algoritmos, e de juízes que podem não entender a complexidade e contextos da liberdade de expressão.
Confira isso e muito mais na entrevista!