Um sistema político impermeável às mulheres?

Análise dos resultados eleitorais revela: número de prefeitas e vereadores continua irrisório. Nem a Primavera Feminista foi capaz de tornar Câmaras menos patriarcais

Por José Eustáquio Diniz Alves, no EcoDeabte

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Análise dos resultados eleitorais revela: número de prefeitas e vereadores continua irrisório. Nem a Primavera Feminista foi capaz de tornar Câmaras Municipais menos patriarcais

Por José Eustáquio Diniz Alves, no EcoDeabte

“O mundo precisa de justiça, não de caridade”

Mary Shelley

As mulheres brasileiras conquistaram diversas bandeiras feministas nas últimas seis décadas. Entre 1950 e 2010, a PEA feminina cresceu 16 vezes, enquanto a PEA masculina cresceu 3,6 vezes. As taxas de atividade masculinas caíram de 80,8% em 1950 para 67,1% em 2010, enquanto a taxa de atividade feminina passou de 13,6%, em 1950, para 48,9%, em 2010, segundo dados dos censos demográficos, do IBGE. Ou seja, as mulheres foram a locomotiva do crescimento do mercado de trabalho brasileiro e deram uma contribuição inestimável ao desenvolvimento do país. E o mais importante, foram as mulheres com maiores níveis educacionais que apresentaram as maiores taxas de atividade. Assim, houve um empoderamento feminino durante o bônus demográfico brasileiro e a maior inserção nas atividades produtivas das mulheres, cada vez mais qualificadas, ajudaram o progresso civilizacional do Brasil.

Mas estas tendências de longo prazo foram interrompidas, especialmente nos últimos 3 anos e o colapso do mercado de trabalho ameaça jogar por terra conquistas históricas. O problema é que a atual estagflação não parece ser conjuntural, mas estrutural. A PEC 241 (sem querer entrar fazer uma avaliação) é, para o bem ou para o mal, a demonstração que o Brasil enfrenta um grave problema fiscal e que haverá grandes dificuldades pela frente. A perda de oportunidade única (o bônus demográfico feminino) pode significar o início de um processo de desempoderamento das mulheres brasileiras. Esta situação que é geral, é ainda mais grave quando se considera as desigualdades de gênero nos espaços de poder.

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A revista Carta Capital publicou matéria de Tory Oliveira (10/10/2016) com o sugestivo título: “A primavera feminista chega às Câmaras”. A reportagem diz: “Na esteira da chamada primavera feminina e de discussões sobre a questão do assédio e da cultura do estupro, candidatas declaradamente feministas e com propostas focadas nos direitos das mulheres alavancaram votos para o PSOL em diversas cidades importantes, como as capitais Rio de Janeiro, São Paulo, Belém e Porto Alegre, além de cidades como Niterói (RJ) e Campinas (SP)”. Um exemplo é a vitória de Áurea Carolina, 32 anos, do PSOL. Mulher, que se define como negra e feminista. Ela foi a vereadora mais votada na capital mineira (17.420 votos), para uma Câmara que só tinha uma mulher na legislatura passada.

Mas será que podemos afirmar que as eleições de 2016 foram marcadas pela “primavera feminista”?

O gráfico acima mostra que houve um pequeno aumento no percentual de mulheres eleitas para as Câmaras de Vereadores, que passou de 7,4% em 1992, para 13,3% em 2012 e subiu ligeiramente para 13,5% em 2016. No ritmo das últimas 6 eleições – desde o surgimento da política de cotas – o crescimento foi de apenas 2,4% em 20 anos. Neste ritmo seriam necessários 300 anos para se atingir a paridade de gênero (50% para cada sexo) ao nível municipal.

Mas o mais preocupante foi o resultado para as prefeituras. O percentual de mulheres eleitas para o executivo municipal, que já era mais baixo do que o de vereadoras, caiu de 11,9% em 2012 para 11,6% em 2016. Ou seja, neste ritmo, jamais haverá paridade nas prefeituras. Uma única prefeitura de capita foi conquistada por mulher (Teresa Surita em Boa Vista, RR).

O baixo desempenho das mulheres nas eleições municipais não chega a surpreender, pois o Brasil possui uma das mais baixas taxas de participação feminina no parlamento. O gráfico abaixo mostra que a percentagem de mulheres eleitas para a Câmara de Deputados no Brasil subiu ligeiramente, passando de 6,6% em 1996, para 9,9% em 2016. Contudo, o aumento do número de deputadas federais aumentou em um ritmo mais elevado no mundo, depois da VI Conferência Mundial de Mulheres, ocorrida em Beijing, em 1995. As mulheres representavam 12% dos parlamentos (Lower ou Single House) em 1996 e subiram para 22,8% em 2016.

Portanto, o Brasil perdeu participação relativa e ficou para trás em relação ao resto do mundo. Em 1996, o Brasil ficava 5,4 pontos atrás do resto do mundo e esta diferença passou para 12,9 pontos percentuais em 2016. Assim, além do avanço brasileiro ser pequeno, ele ficou aquém do que acontecia nos outros países. Em 1996, o Brasil estava em 103º lugar no ranking da Inter-Parliamentary Union (IPU) e caiu para o 153º lugar em 2016 (num total de cerca de 190 países).

 

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Estes dados mostram que as mulheres brasileiras continuam excluídas dos espaços de poder e estão ficando para trás em relação aos avanços ocorridos no resto do mundo. Isto aconteceu particularmente nas prefeituras, mas também no número de mulheres no ministério federal. No governo Temer há apenas uma mulher ministra, marcando um governo claramente misógino e dominado pelos homens. Assim, confirmando as tendências dos últimos 3 anos, parece que há um processo de desempoderamento das mulheres brasileiras.

Olhando com mais atenção para os dados das Câmaras de Vereadores das capitais das UFs, observa-se que o avanço foi muito pequeno e diferenciado por regiões. A percentagem de mulheres nas 26 capitais era de 13% em 2008, caiu para 12,8% em 2012 e subiu levemente para 13,2% em 2016.

A maior queda ocorreu na Região Centro-Oeste onde as mulheres tinham 10,7% dos assentos em 2008 e o percentual caiu para 7,9% em 2016. Na região Norte teve uma pequena queda e no Sudeste passou de 14,8% em 2008, para 9,9% em 2012 e 14,2% em 2016. O maior ganho ocorreu na região Sul que passou de 11,1% em 2008 para 13,4% em 2016.

No Rio de Janeiro, a segunda maior cidade do país, o número de vereadoras era de 15 mulheres em 2018 (25% da Câmara), caiu para 8 vereadoras (15,7%) em 2012 e baixou ainda mais em 2016, para 7 vereadoras (13,7%).

A maior cidade do país, São Paulo, sempre teve uma grande exclusão de gênero na Câmara Municipal. O número de vereadoras em 2008 era de 5 (9,1%), passou para 6 vereadoras (10,9%) em 2012 e bateu o recorde de 11 vereadoras (20%) em 2016. A reportagem da Carta Capital diz: “Na capital paulista, a bancada feminina dobrou, passando de cinco para 11 mulheres eleitas em um universo de 55 parlamentares. Duas são declaradamente feministas: Juliana Cardoso (PT) e a estreante Sâmia Bomfim, 27 anos, primeira mulher vereadora do PSOL a ser eleita para a Câmara” (Oliveira, 10/10/2016).

Sem dúvida o aumento foi significativo. Mas há dois senões. O primeiro, é que com todo o avanço as mulheres paulistanas atingiram apenas 20% das cadeiras em 2016, não atingindo a meta de 30% colocada no espírito da política de cotas. Em segundo lugar, a bancada feminista continua amplamente minoritária, pois, das 11 mulheres que conquistaram vaga na Câmara, 7 são ligadas a igrejas evangélicas, com uma agenda não feminista.

O fato é que as mulheres brasileiras estão passando por um momento difícil, depois de 60 anos de conquistas históricas. A taxa de ocupação no mercado de trabalho diminuiu após 2014. O desemprego feminino disparou. Caiu o número de universitários brasileiros que concluem a faculdade, prejudicando os avanços femininos nos cursos superiores. O Brasil foi considerado o pior país da América do Sul em termos de oportunidades o desenvolvimento de meninas, de acordo com um relatório divulgado pela ONG Save the Children. Entre 144 nações avaliadas, o Brasil ocupa a 102ª posição do Índice de Oportunidades para Garotas. Em todo o continente americano, o país fica à frente apenas de Guatemala e Honduras no ranking que considera dados sobre o casamento infantil, gravidez na adolescência, mortalidade materna, representação das mulheres no Parlamento e conclusão do estudo secundário.

 

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Portanto, em vez de uma “primavera feminista” o que se vê no Brasil atual parece ser um processo de desempoderamento das mulheres. Esta reversão de expectativas é preocupante, pois a revolução de gênero ainda estava no meio do caminho e era preciso consolidar as conquistas e avançar. Mas o resultado das eleições municipais de 2016 apenas confirma que o Brasil está distante da equidade de gênero e ficando na lanterninha internacional dos indicadores de empoderamento feminino.

Referência:

ALVES, JED. O avanço das mulheres nas eleições de 2012 e o déficit democrático de gênero. Ecodebate, RJ, 04/03/2016

ALVES, JED. Ocupação e nível educacional: o desperdício do bônus demográfico feminino, Ecodebate, RJ, 04/03/2016

Oliveira, Tory. A primavera feminista chega às Câmaras, Revista Carta Capital, 10/10/2016

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]

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