Um guru para a extrema-direita na Europa?

Ex-estrategista-chefe de Trump, Steve Bannon, tem novo projeto: levar ao poder as forças xenófobas e fascistas do Velho Continente, acabando com suas rivalidades internas

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Por Eduardo Febbro, no Página 12 | Tradução: Wagner Fernandes de Azevedo (IHU)

A ultra-direita mundial prepara-se para tomar de assalto o Parlamento Europeu. As eleições de maio de 2019 para renovar o europarlamento mobilizam recentemente os papas globalizados da extrema-direita que buscam em Bruxelas expandir seus êxitos eleitorais por meio da criação, dentro do Parlamento, de um grande grupo composto por eurocéticos e cuja principal missão consiste em aniquilar a União Europeia por dentro. Já antes das eleições presidenciais nos Estados Unidos e da vitória de Donald Trump, seu estrategista-chefe, Steve Bannon, havia levado a cabo várias viagens exploratórias pelo Velho Continente com a intenção de formar um agrupamento internacional de extrema-direita. Agora, seu objetivo começou a se tornar realidade.

Bannon plantou sua bandeira na capital belga por meio de uma fundação, The Movement, com a qual pretende reunir todos os ultras que pululam na Europa. O lema com o qual Bannon se fez conhecer em Bruxelas foi tomado emprestado do poeta John Milton: “prefiro reinar no inferno a servir no paraíso”. Sua ambição enfrenta, entretanto, vários obstáculos, começando pelas profundas divisões entre os grupos de extrema-direita presentes no Parlamento Europeu e seguindo pelo sentido mesmo do projeto: a extrema-direita europeia abraça a causa do combate contra a imigração e a defesa do Estado-nação como antídotos aos organismos multilaterais – entre eles a própria União Europeia, que tem como uma de seus símbolos exatamente o Parlamento Europeu. A ideia motriz do modelo de Bannon, “a desconstrução do Estado administrativo”, não figura no catálogo das instituições do Velho Continente. O nacionalismo norte-americano não encontra correspondência na complexa geografia europeia.

Para Bannon, contudo, não faltarão adeptos a seu perfil de supremacista branco, machista, antissemita e homofóbico. A equipe do The Movement conta com umas dez pessoas encarregadas de respaldar a extrema-direita e partidos “populistas” durante a campanha eleitoral. Entre esses conselheiros há personagens já conhecidos como Raheem Kassam, ex-colaborador do britânico Nigel Farage. Até agora, a irrupção mais sonora do rei das fake news na Europa teve lugar no último março, quando Bannon assistiu ao congresso organizado pela então Frente Nacional francesa consagrado à sua refundação, isso é, à mudança do nome da Frente. Bannon interviu ali para vender a ideia segundo a qual “a vitória é possível” porque “nós somos cada dia mais fortes” e eles “cada dia mais fracos”. Também aprofundou nas retóricas desculpabilizadoras quando disse “se lutam pela liberdade, chamam-nos de xenófobos. Se lutam pelos seu país, chamam-nos de racistas. Mas os tempos dessas palavras asquerosas terminaram”. Desde então, o antigo estrategista de Trump passou a lavrar as terras do Velho Continente.

Ele mantém laços mais estreitos com os Democratas Suecos (neonazistas assumidos), Marine Le Pen na França, o Partido Popular de Mischaël Modrikamen e o Vlaams Belang na Bélgica, a ultradireita austríaca (FPÖ) e a italiana de Matteo Salvini. A Itália é para Bannon seu “bebê” predileto, a prova absoluta da vigência de suas ideias, ou seja, a possibilidade de que se forjem alianças entre as extremas-direitas genuínas e os movimentos populistas, porém pós-ideológicos como o italiano 5 Estrelas.

Por acaso pode Bannon repetir na Europa o que fez nos Estados Unidos? A maioria dos especialistas duvidam dele, sobretudo porque veem nas ambições do doutor fake news uma espécie de profissão desesperada por existir depois de que Trump o despediu e o portal que o fez famoso, Bretibart News, também o pusesse na rua. Alguns veem seus sonhos com os de um velho ator norte-americano que se muda para a Europa para interpretar personagens menores, porque em seu país não encontra trabalho.

Por outro lado, os grupos da extrema-direita europeia são como famílias em constante disputa. O ódio os une tanto quanto os separa.  Jean Yves Camus, um especialista francês sobre o tema da extrema-direita europeia, considera ridículas as pretensões de Bannon e seus aliados. Camus, considera que “graças ao seu dinheiro e à sua capacidade de lobista [Bannon] pode colher alguns resultados”. Mas o analista francês diz “confiar nas capacidades dos partidos democráticos da Europa em resistir. Os dirigentes europeus são lúcidos diante da situação e a responsabilidade que os incumbe nela. Todo esse problema deriva da má gestão da crise migratória”.

No Parlamento Europeu, por exemplo, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, de extrema direita, é membro do PPE (Partido Popular Europeu), onde também está a formação da chanceler alemã Angela Merkel. A Liga de Salvini integra ao grupo de Marine Le Pen. No Europarlamento existem três grupos distintos de “eurohostis” que não se aceitam entre si. O projeto político desses partidos é essencialmente antiimigrante e antimulticultural, porém em nenhum caso inclinado a processos amplos de privatização. Muito pelo contrário: a extrema-direita europeia advoga por um Estado-nação forte, capaz de proteger aos cidadãos dos estragos da globalização. Em julho de 2018, Salvini prometeu fazer das eleições europeias de maio de 2019 um tipo de referendo “entre a elite, o mundo das finanças e o mundo real do trabalho, entre uma Europa sem fronteiras, assediada por uma imigração de massas, e uma Europa que protege aos seus cidadãos”.

O equilíbrio no seio do Parlamento Europeu repousa ainda sobre a dinâmica de dois blocos: o dos sociais-democratas e o dos democratas cristãos. A cruzada da ultra-direita para romper esse esquema conta com o soldado Bannon como líder, com dispositivos muito bem treinados e muito dinheiro. Os meios de desinformação e intoxicação da ultra-direita norte-americana são poderosos. Sua eficácia foi provada ao longo da campanha a favor do Brexit na Grã-Bretanha e depois com a eleição de Donald Trump. Contudo, fracassaram na França quando tentaram fazer o mesmo com Le Pen. A líder ultradireitista francesa perdeu vergonhosamente o segundo turno das eleições presidências de 2017 frente a Emmanuel Macron. A visão nacionalista norte-americana, seu egoísmo devorador e sua indolência substantiva, encontrou, até agora, uma fronteira intransponível na Europa.

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