Trapalhadas no Planalto

A articulação política de Lula derrapa. Dois ministérios relevantes mantêm vínculos perigosos com o bolsonarismo. Já a Casa Civil opera mal o poder interno. Em busca de uma autossuficiência estéril, pastas cegam-se aos desafios nacionais

Os ministros da Casa Civil, Rui Costa, das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e da SECOM, Paulo Pimenta, acompanhados dos líderes do Senado, senador Randolfe Rodrigues, e da Câmara, José Guimarães durante entrevista após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
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Por Luís Costa Pinto, no Brasil 247

Um funcionário terceirizado da Secretaria de Comunicação da Presidência da República tem acesso a toda a agenda de compromissos externos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e recebe missões como organizar entrevistas coletivas no exterior, ou, até, criar canais exclusivos de interlocução com formadores de opinião da mídia internacional por meio dos quais o Chefe de Governo brasileiro tenta obter apoio externo para suas pautas de transição energética, defesa do Meio Ambiente, combate às invasões de madeireiros e garimpeiros em terras indígenas e promoção da paz mundial. Esse mesmo funcionário, porém, mantém diálogo franco e aberto com Ricardo Salles, o deputado de extrema-direita do PL paulista que foi “ministro” do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro e caiu em razão de seu consórcio de interesses com madeireiros e garimpeiros que devastam a Amazônia. Além disso, Salles é o relator da “CPI do MST” criada pelos extremistas radicais da Câmara dos Deputados para tentar conter e assustar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Não há muro de contenção entre o que ouve, vê e articula no Palácio do Planalto comandado por Lula o funcionário contratado por uma empresa terceirizada, mas que também serviu de forma risonha e franca na trágica gestão de Bolsonaro.

Ouviu-se um rol tremendo de reclamações na base governista, sobretudo nas redes sociais, com reclamações de militantes do PT, do PSol, da Rede e do PCdoB quando o vice-presidente Geraldo Alckmin surgiu todo gabola numa foto ao lado do ex-ministro das Comunicações de Bolsonaro, Fábio Faria, que teve o comando da Secom durante os dois últimos anos de mandato do ex-presidente que deve se tornar inelegível e imprestável para a política nas próximas semanas, depois de julgamento do Tribunal Superior Eleitoral. Faria, que é genro do empresário Sílvio Santos e tem pretensões de herdar o comando do SBT, atualmente é vice-presidente de Relações Institucionais do banco BTG Pactual. Enquanto foi ministro de Jair Bolsonaro, o genro de Silvio Santos perfilava na linha de frente de perseguições políticas, publicitárias e midiáticas ao PT, a Lula, à esquerda em geral e a veículos de comunicação que fugiam ao controle de pauta imposto pelo bolsonarismo. A transição daquele Fábio Faria de fidelidade canina ao ex-presidente para esse Fábio Faria que se vende como “amplo” e posa ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin se deu na velocidade da luz de um frame de vídeo porque as assessorias de comunicação de todos eles estão entrelaçadas – desde o antigo Governo, até o atual; do vice e ministro Alckmin e do BTG. 

Há pouco mais de um mês, o ministro-chefe da Secom de Lula, Paulo Pimenta, esteve na redação do jornal Folha de S. Paulo para protestar contra uma campanha persecutória esdrúxula e injusta que vinha enfrentando por parte da publicação do banqueiro Luiz Frias. A base da campanha eram denúncias – vazias, falsas – de “irregularidades” na declaração de imposto de renda de Pimenta. As irregularidades jamais existiram e Paulo Pimenta sempre esteve com a razão. Contudo, convencido por terceiros de fora do Palácio e do PT de que deveria ampliar seu acesso aos veículos de mídia, Paulo Pimenta incorporou ao grupo que o acompanhou na blitz à Folha dois profissionais de “gestão de crise” e de comunicação do mercado de São Paulo que figuram na base da estrutura de comunicação política e de gestão do governador paulista Tarcísio de Freitas (PL), um dos maiores adversários políticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os nomes do rol de acompanhantes de Pimenta na visita ao jornal foram publicados numa coluna da diretoria da empresa. O ministro não sabia de quem se tratava – conheceu-os horas antes da visita. Desde então, a dupla foi agregada ao grupo de aconselhamento e de troca de ideias de quem aconselha Pimenta. Mais uma vez, não se estabeleceu muro de contenção às informações e às estratégias traçadas entre funcionários terceirizados – mesmo em se tratando de jogo político.

Entre a penúltima e a última reuniões do Comitê de Política Monetária do Banco Central, quando foi mantida a injustificável e depressora taxa básica de juros Selic de 13,75%, Roberto Campos Neto, presidente do BC, chamou uma reunião com três dealers de opinião e análise de pesquisas. Todos tinham cumprido o mesmo papel sob os períodos de Michel Temer e Jair Bolsonaro na presidência. A reunião foi marcada e acompanhada pela estrutura empresarial que presta serviços de comunicação terceirizados ao Palácio do Planalto e, por isso, tem acesso a todos os levantamentos de pesquisa encomendados pelo Governo e pelo PT. Esses levantamentos foram destrinchados naquela reunião, quando Campos Neto, um crítico ácido da linha desenvolvimentista e expansionista que o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, querem adotar, foi informado da aderência da opinião pública aos ataques do presidente e do ministro aos juros altos. Sem nenhum cuidado, informações do “cliente A” transitaram para o “cliente B” e auxiliaram no traçado de uma operação de contenção de danos à imagem de Campos Neto.

O Governo Federal, sob Lula, traçou como uma de suas estratégias centrais rever a privatização da Eletrobrás, empresa pública entregue ao controle da iniciativa privada sem que houvesse leilão e sequer discussão transparente do processo licitatório. Atuando em duas frentes – no Congresso e no Poder Judiciário – o Palácio do Planalto tenta retomar o controle da antiga estatal. O comando privado da Eletrobrás, por sua vez, preparou-se para uma batalha midiática em torno do tema e contratou para sua gestão de comunicação uma agência publicitária e uma empresa de administração de crise que se entrelaçam com a comunicação pública do próprio Palácio do Planalto e dos ministérios das Minas e Energia e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Novamente: não foi levantado um muro de contenção sanitária entre informações e interesses públicos e privados.

Por fim, para sair da coleção de ações ingênuas na comunicação de Governo que levam profunda confusão aos resultados pretendidos na área, o Governo atual começa a sentir os efeitos da falta de recursos para o setor. Atualmente, na gestão Lula, estão sendo pagas contas de comunicação e publicidade que ficaram atrasadas, como “restos a pagar”, do período de Jair Bolsonaro (quando Fábio Faria era o gestor da área). Exceto aquelas ações de mídia e comunicação executadas pela administração indireta – bancos públicos, estatais etc – acumulam-se os atrasos de pagamento às agências publicitárias e aos veículos de comunicação que veiculam a publicidade do Governo em curso. Os atrasos começam a entrar na faixa dos 120 a 150 dias e promovem um anticlima midiático que se converte em revés crescente para a imagem do presidente, de sua equipe e de suas prioridades de ação.

No último domingo, 11 de junho, o jornal O Globo publicou uma nota na coluna do repórter Lauro Jardim dando conta da “estratégia de advogados de alguns dos envolvidos” na Operação Hefesto (aquela que fez busca e apreensão nas casas do operador do presidente da Câmara, Arthur Lira) a fim de pedirem a transferência das investigações e da ação para o Supremo Tribunal Federal porque um deputado federal havia sido flagrado recebendo dinheiro em espécie dos entregadores de grana em espécie das franjas do poder operado por Lira. O deputado não detinha mandato quando foi flagrado pela operação, em monitoramento da Polícia Federal empreendido ainda no ano passado – sequer estava diplomado. O fato, por si só, desobriga a assunção do inquérito ao STF, como deseja a defesa de Arthur Lira, certa de que detém controle sobre ações que transitem nos tribunais superiores. A coluna do jornal carioca foi usada por um advogado do próprio Arthur Lira para difundir a tese com “sujeito indeterminado”, pois advogados de alguns investigados resistem a tirar o inquérito de Alagoas, onde ele se iniciou. 

Na mesma edição de O Globo a página 5, considerada a mais nobre dos domingos, expôs intrincada reportagem derrogando ações e estratégias do ministro-chefe da Articulação Política, Alexandre Padilha, e lançando luz e dando voz ao líder do Governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE), visto no Palácio do Planalto – e não só por Padilha – como um ventríloquo de Arthur Lira no Governo Federal antes de encarnar a difícil personagem de líder de Lula num Parlamento tomado pelo “centrão” político amorfo e pela extrema-direita. As duas pautas – a nota de Jardim e o embaraço político que detrata Padilha – não podem ser dissociadas e integram o conjunto de ações destinadas a preservar a ascendência de Lira sobre a agenda política nacional. Não há muro de contenção, também no Congresso, para os ataques aéreos e as minas deixadas pelos bolsonaristas nas trincheiras de articulação política do Governo Lula.

O ministro Alexandre Padilha não é interlocutor da confiança de Arthur Lira, e isso é um ponto positivo no currículo do ministro palaciano. O presidente Lula errou, ainda na fase de transição entre as administrações dele e do nefasto Jair Bolsonaro, quando admitiu (convencido, entre outros, por José Guimarães) estabelecer um canal preponderante de negociações com o Congresso nas figuras dos presidentes da Câmara e do Senado. Lula devia ter estabelecido que essa interlocução seria feita obrigatoriamente com os presidentes dos partidos e seus líderes. Operando da forma como operou, terminou por conferir superpoderes a Lira e ao senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Fabricado com material diferente (e melhor) que o do presidente da Câmara, o presidente do Senado sabe usar o poder com comedimento e o divide sobretudo com os senadores Jaques Wagner e Davi Alcolumbre. No caso de Alcolumbre, isso é um problema – entretanto, essa frente de análise não será abordada aqui, nem agora, porque os problemas advindos dela não convergem para explicar o furdúncio em que estão a Comunicação e a Articulação Política do Governo.

Há um mês, logo depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometer um escorregão de natureza política em discurso em Fortaleza (CE), quando lançava o programa de ampliação das escolas públicas que ofertam o horário integral para seus alunos, a assessoria do ministro da Cava Cilvil disparou um whatsapp para diversos jornalistas no qual o ministério se jactava de Rui Costa ter sido “confirmado” como “primeiro ministro” pelo presidente da República. Lula afirmou, ali, que Costa atuava como tal, um “primeiro ministro”, porque controlava os demais colegas de ministério “melhorando” até as demandas e pleitos que eles teriam para com a Presidência.

Nenhum Palácio ou Ministério de Brasília aceita que haja peso superior para um ministro em detrimento de outro, mesmo que isso ocorra com frequência em diversos governos e seja da natureza da operação de poder. No lugar de driblar a inconfidência inapropriada do chefe, por meio de sua assessoria, Rui Costa amplificou-a. O ato repercutiu entre outros assessores, de outras pastas, e chegou aos titulares delas – isso em nada contribuiu para a formação da “persona brasiliense” do ministro da Casa Civil, que a partir de então escorrega na língua sempre que tenta demonstrar ser apenas um “humilde servo de Lula” a organizar as demandas ministeriais. Há uma semana, discursando no interior da Bahia, Costa cometeu o bobo desatino de criticar a transferência da capital da República para Brasília – um tema superado há décadas. Ouviu provocações e críticas duras de dentro do próprio PT, mas demorou 72 horas até formalizar um pedido de desculpas envergonhado. O ministro da Casa Civil não pronunciou o conjunto de palavras “errei, bola para a frente” que sempre se espera nessas horas. Ele cicatriza as feridas ao indicar humildade, mesmo que disfarçada, de quem o pronuncia. Ao contrário, ficou como que empalado e empertigado pela própria língua.

A ingenuidade e a arrogância têm sido a marca registrada da trinca de ministros palacianos do presidente Lula – na Secom, na Articulação Política e na Casa Civil. Os titulares desses ministérios não podem crer que suas estratégias de atuação estão sempre certas e que o erro estaria na cabeça dos outros. Paulo Pimenta, Alexandre Padilha e Rui Costa são três dos melhores quadros políticos da atual safra do PT. Contudo, a autossuficiência estéril com que atuam não os permite ver nem a Esplanada dos Ministérios, nem o País, em 360º. Tampouco ajuda o conjunto do Governo ou o presidente Lula em especial. Mudanças são necessárias, nem que se dêem entre eles mesmos e na repartição ou redivisão de suas funções – desde que abram os olhos para os inimigos internos que existem, estão à espreita e têm pontes com a tragédia política e administrativa promovida por Jair Bolsonaro.

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