SP: Raio X sobre desigualdade de gênero acadêmica
Índice revela: mulheres ocupam só 29% dos cargos titulares nas universidades públicas do estado. Maternidade é ponto de inflexão. Desigualdade chega ao topo da hierarquia: houve duas reitoras na Unifesp, apenas um na USP e Unesp e nenhuma na Unicamp
Publicado 12/05/2025 às 17:47

Por Fabrício Marques, na Pesquisa FAPESP
As mulheres são maioria no ambiente acadêmico do país – segundo dados do Ministério da Educação (MEC), elas eram no ano passado 55% dos estudantes de pós-graduação brasileiros. Depois que ingressam na carreira docente, contudo, muitas encontram obstáculos para ascender: quanto mais perto do topo, maior é a presença de homens, que seguem dominando cargos de prestígio e de liderança. Um relatório recém-lançado, o “Índex da igualdade de gênero nas universidades públicas do estado de São Paulo”, apresentou um diagnóstico robusto e atualizado sobre as barreiras à inclusão feminina na academia. O documento compara dados sobre a participação de homens e mulheres como pesquisadores e servidores das universidades de São Paulo (USP), estaduais de Campinas (Unicamp) e Paulista (Unesp), e as federais de São Paulo (Unifesp), de São Carlos (UFSCar) e do ABC (UFABC). No nível de professor doutor, que é o início da carreira, as mulheres são 44,8% dos docentes das seis instituições, mas o índice cai para 40,6% no degrau seguinte, o de professor associado, e para apenas 29,4% o de titular.
Esse cômputo geral é uma média que dilui as disparidades existentes entre as universidades. A Unifesp, que tem tradição na área da saúde, onde há mais mulheres, é a menos desigual de todas – as docentes são 51,1% do total e 48,2% dos titulares. No extremo oposto aparece a UFABC, que tem uma concentração maior de quadros em áreas que, segundo a tendência atual, são mais masculinas, como ciências exatas e algumas engenharias, e conta com apenas 32,7% de mulheres entre o conjunto de docentes e 18,8% entre professores titulares. Um outro dado eloquente do relatório é o que combina gênero e raça. O índice de negros e negras entre os professores dessas universidades é muito baixo e isso quase não varia entre os gêneros: entre os docentes homens há 1,2% de pretos e 4,4% de pardos e entre as mulheres 1,1% de pretas e 3,9% de pardas.
“O relatório é uma carta de gênero das universidades paulistas”, define uma das coordenadoras do “Índex”, a socióloga Maria Arminda do Nascimento Arruda, vice-reitora da USP, que destaca o valor do documento para reafirmar o compromisso das seis instituições em promover a equidade. A reitora da Unesp, a química Maysa Furlan, considera que ele será referência para balizar políticas de inclusão e monitorar seus efeitos no futuro. “Estamos criando uma memória sobre a participação das mulheres nas universidades paulistas que traz consciência sobre os problemas e permite olhar para as carreiras e pensar onde é possível avançar”, diz.

Já a economista Mônica Schröder, vice-reitora da UFABC, diz que o documento é um instrumento de reflexão para as universidades. “Ele nos oferece dados concretos que confirmam desafios que já conhecíamos e também nos ajudam a identificar aspectos que merecem atenção e esforços.” Segundo ela, os resultados estão levando a UFABC a fortalecer políticas que já vinham sendo implementadas, a exemplo da obrigatoriedade da diversidade em bancas de concurso e promoções seguindo critérios de gênero e raça, ou a criação de vagas docentes para campos de estudos de gênero e de relações étnico-raciais na universidade. A predominância masculina é uma herança da formação dos quadros docentes da UFABC, criada em 2010. “A partir daí, passamos a enfrentar um período desafiador de restrições orçamentárias, o que limita nossas oportunidades de contratação”, afirma. Schröder observa que, apesar disso, mulheres ocupam metade das pró-reitorias da instituição e muitas técnicas administrativas ascenderam a posições de liderança.
O “Índex” é o resultado da articulação de pesquisadoras que ocuparam, nos últimos quatro anos, os cargos executivos de reitora ou vice-reitora nas seis instituições. “A contingência de haver mulheres na alta gestão das seis universidades, todas lidando com os impactos da pandemia na produtividade acadêmica feminina, favoreceu a aproximação”, diz Maria de Jesus Dutra dos Reis, vice-reitora da UFSCar. O ponto de partida do trabalho do grupo foi uma reunião na USP, em 2022, entre Nascimento Arruda, que acabara de assumir a vice-reitoria da universidade, a coordenadora-geral da Unicamp (segundo posto na hierarquia), a infectologista Maria Luiza Moretti, e a pró-reitora de Pós-graduação, a cientista política Rachel Meneguello. “Durante a conversa, surgiu a discussão de por que mulheres chegam a vice-reitoras, mas o cargo de reitor é ocupado quase sempre por homens”, conta Nascimento Arruda, lembrando que, na USP, a exceção foi a gestão da reitora Suely Vilela, entre 2005 e 2009. Nesse encontro, surgiu a ideia de criar uma rede formada pelas gestoras das universidades, que se transformou no Fórum Paulista pela Igualdade de Gênero nas Carreiras Científicas e Acadêmicas.
Uma primeira dificuldade do fórum foi reunir dados comparativos. Logo se viu que as informações disponíveis conversavam pouco entre si. “As universidades estaduais têm um sistema de progressão na carreira diferente das federais e foi um grande desafio harmonizar os dados”, explica Moretti, da Unicamp. A etapa seguinte foi realizada por um grupo de 18 técnicos das instituições que passaram a compilar dados e produzir informações suplementares comuns a todas as instituições. A formação desse grupo de trabalho foi pactuada em 8 de março de 2024, durante o seminário Mulheres e Instituições, realizado pelo Fórum.

Sem surpresa, os dados mostraram que há certa proximidade no número de homens e mulheres em cargos técnicos e docentes no início da trajetória profissional, mas a balança pende de maneira vigorosa para o lado dos homens no topo da carreira. No caso da USP, elas são 42% dos professores doutores e apenas 29,4% dos titulares. É certo que essa proporção vem mudando: dos novos 196 professores titulares que a USP aprovou entre 2022 e 2024, 76 foram mulheres, chegando perto de 40% a proporção de docentes do sexo feminino que ascenderam ao nível mais alto da carreira no último triênio.
Nascimento Arruda observa que as mulheres progridem na carreira de forma mais tardia do que os homens e a maternidade é um ponto de inflexão. “Muitas pesquisadoras se tornam mães quando estão fazendo o doutorado”, diz. Entre 2001 e 2019, 2.180 alunas de pós-graduação da USP se licenciaram para ter filhos. Mas isso gera um impacto na produtividade acadêmica – elas momentaneamente param de publicar –, o que lhes cobra um preço. “Havia alguns programas de pós-graduação que tinham a prática de desligar alunas e pesquisadoras que se licenciavam na gravidez, para que as notas na avaliação da Capes não fossem comprometidas pela queda na sua produção. Na gestão do reitor Vahan Agopyan, uma portaria proibiu esse expediente”, recorda-se a vice-reitora.
Reis, da UFSCar, aponta uma mudança que permitiu o aumento de docentes do sexo feminino no topo da carreira – na universidade, 45,5% dos professores são mulheres, mas a proporção entre titulares é de 33,1%. “O MEC, até os anos 1990, adotava uma forte política de contenção de custos através da limitação do número de vagas disponibilizadas para concursos de titulares nas instituições federais de ensino superior. Havia poucos concursos e os homens costumavam sair em vantagem”, explica. “Nos anos 2000, o titular passou a fazer parte da progressão na carreira. Isso permitiu que qualquer docente, atingindo critérios de desempenho e produção, pudesse concorrer a titular e ajudou a mudar o perfil institucional, gerando uma maior equidade da distribuição por gênero.”

Os dados da Unesp apontam um quase equilíbrio de gênero entre os professores doutores (47% mulheres e 53% homens), mas há uma grande concentração masculina nos cargos mais altos: eles são 74,4% dos professores titulares. “Nas universidades estaduais, os docentes enfrentam um obstáculo para ascensão que não existe nas federais, o concurso para livre-docente”, diz a reitora Maysa Furlan. Entre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres, ela destaca o desafio de conciliar a atividade profissional com o cuidado da família. “Na pandemia, pesquisadores homens e mulheres tiveram que trabalhar em casa, mas o impacto na produção científica foi maior para elas, que assumiram a maior parte das responsabilidades domésticas.”
No caso da Unicamp, 43,2% dos professores doutores são mulheres e a proporção cai para 26,6% dos titulares. Moretti observa que, embora as áreas de exatas e engenharias tradicionalmente tenham mais homens entre alunos e docentes, a universidade tem várias unidades em que a presença feminina se destaca. Mas ela conta que atualmente apenas quatro mulheres ocupam cargos de direção nas 24 unidades da Unicamp e a universidade é a única estadual paulista que nunca teve uma mulher como reitora. Ela própria se candidatou ao cargo recentemente, mas sua chapa ficou em terceiro lugar. “A chapa vencedora é masculina e meu sucessor será um homem.” Ela atribui as dificuldades de reconhecimento das mulheres a preconceito. “O normal ainda é considerar que homens são mais bem preparados e não votar em mulheres”, diz.

A pneumologista Lia Azeredo Bittencourt, vice-reitora da Unifesp, afirma que a vocação inicial da universidade para a área da saúde permitiu um equilíbrio maior de gênero. “Além disso, dispomos já há um bom tempo de uma Pró-reitoria de Assuntos Estudantis e Políticas Afirmativas que cuida de assuntos relacionados à diversidade sexual e equidade de gênero”, diz. É a segunda vez que a universidade tem mulheres como reitora (a socióloga Raiane Assumpção) e vice-reitora e há predominância feminina nos cargos mais altos. “Mas isso acontece porque esses cargos, como vice e pró-reitores, são designados pela reitora. Quando se trata de um cargo de diretor escolhido pela comunidade, candidatos homens são frequentemente os mais votados”, afirma.
Em comum, as seis universidades vêm criando políticas para aumentar a inclusão de professores e professoras pretos e pardos – a reserva de vagas em concursos é uma delas. Nas federais, um expediente tem sido o de abrir processos seletivos para preencher certo número de vagas aglutinadas e sortear quais delas serão destinadas a candidatos negros. A Unicamp fará, neste ano, um concurso para preencher 24 vagas de docentes exclusivas para pretos e pardos. A USP também instituiu recentemente uma política que recomenda a reserva de uma a cada três vagas de docentes abertas para candidatos pretos e pardos – quando isso não for possível, esses candidatos terão bonificação na pontuação dos concursos. “A política de inclusão só agora começa a ser amplamente legislada na pós-graduação e sua concretização pode ser um dos caminhos profícuos para ampliar a diversidade entre os docentes das instituições de ensino superior”, diz Reis, da UFSCar.
Autoria feminina na Unicamp
Um estudo publicado na revista Cogent Education analisou a representação de gênero em publicações científicas da base de dados Scopus de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre 2019 e 2023 – nesse período, 58% das publicações tiveram autores da universidade do sexo masculino e 42% do feminino. As mulheres estavam à frente em estudos da área interdisciplinar (53% do total), em ciências da saúde e ciências da vida (51%) e eram minoria em ciências sociais (39%) e ciências físicas (33%). “Embora na subárea de física as mulheres só respondam por 27% da produção, observamos que o impacto, em citações, dos artigos delas é até um pouco maior do que o dos colegas do sexo masculino”, afirma Marilda Bottesi, assessora da Pró-reitoria de Pesquisa da Unicamp, autora principal do artigo. O trabalho também investigou se a taxa de aprovação de projetos de pesquisadores e pesquisadoras da Unicamp pela FAPESP poderia indicar um subfinanciamento das mulheres como causa da desigualdade de gênero na produção acadêmica da Universidade – e concluiu que essa hipótese não se confirmava.
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