SP: Câmeras em fardas e os fatos distorcidos

Uso do equipamento, que o governador pretende eliminar, salvou vidas e gerou evidências de abuso policial. Porém, quando o objetivo é matar, sempre é burlado. É preciso construir uma política de Estado sobre o tema e avançar no controle externo da PM

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Por Jeniffer Mendonça, na Ponte

“Qual a efetividade das câmeras corporais na segurança do cidadão? Nenhuma.” Essa foi a resposta do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao jornalista Rodrigo Bocardi, da TV Globo, ao ser questionado sobre a continuidade do programa de câmeras nas fardas da Polícia Militar de São Paulo, nesta terça-feira (2/1).

Na entrevista, o apresentador insiste sobre o equipamento ter efeito na segurança do cidadão, o que Tarcísio rebate: “o cidadão hoje está sofrendo com roubo de celular. O cidadão está sofrendo com o crime patrimonial. O cidadão está sofrendo com sequestro relâmpago. O cidadão está sofrendo com os feminicídios. O cidadão está sofrendo com essa chaga que é o tráfico de drogas, que está acabando com a sociedade, que está destruindo os empregos. O cidadão está sofrendo com aquela quantidade de roubos no centro da cidade, em áreas nobres, nas regiões de trabalho. É isso que a gente precisa combater”.

A maioria das chamadas da imprensa fez coro ao jornalismo declaratório de que “Tarcísio diz que equipamento não oferece segurança ao cidadão”, o que acaba chancelando uma afirmação que não tem base em evidências e induz ao erro. Na Ponte, não deixamos de visibilizar pesquisas de entidades sérias. O estudo da FGV avaliou que, entre junho de 2021 e julho de 2022, os batalhões que usavam os aparelhos tiveram redução de 57% nas mortes praticadas pela PM em relação aos batalhões que não usavam. A pesquisa também identificou que houve mais registros de casos de violência doméstica, de tráfico de drogas e de porte de armas nas unidades que estavam com as câmeras durante o patrulhamento.

O levantamento também observou que o número de policiais mortos foi o menor em 31 anos. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública também demonstrou redução de 80% de mortes de adolescentes pelas polícias, além de diminuição de denúncias de corrupção policial. Por trás desses números existem pessoas e a questão que fica é: quem Tarcísio considera cidadão?

Por trás da fala há uma completa desumanização de quem morre e de quem mata em nome de uma segurança pública que não chegou para a maioria da população. A polícia acaba sendo muitas vezes a única presença do Estado em determinadas regiões, especialmente as periféricas, com um alvo muito bem definido. A polícia é a instância máxima do poder do Estado por deter a autorização da sociedade para matar se for necessário, e por isso deve ter uma fiscalização rigorosa, inclusive externa. 

As câmeras não apenas salvaram algumas vidas, mas geraram evidências de como protocolos básicos da PM, que não são publicizados, não são seguidos. Exemplos noticiados pela Ponte não faltam e, quando o objetivo é matar, encontram-se mecanismos para burlar os equipamentos. Isso não significa que o programa deve ser descontinuado ou sucateado como o próprio governador vem fazendo desde o início da gestão ao diminuir o orçamento que tinha sido previsto, fazer cortes do programa para pagamento de diárias para policiais trabalharem nas folgas, aumentando a sobrecarga de trabalho sem haver redução de índices.

O que vejo que falta muito nessa discussão, desde que passei a escrever sobre o programa, em 2020, é de regulamentação, transparência e fiscalização. Porque até o momento as câmeras nas fardas são um programa e não uma política de Estado. Na Assembleia Legislativa, localizei apenas um projeto de lei (1390/2023) que trata de metas de aquisição de câmeras, mas nenhuma iniciativa de regulamentação a respeito. O que os deputados estaduais estão fazendo sobre isso? 

Quando Tarcísio diz que os contratos estão sendo mantidos não significa continuidade e sim um alerta de que as câmeras estarão em funcionamento até 18 de julho de 2024. E isso tem razão de ser: o governador não pode acabar com um contrato sem prestar contas.

Por outro lado, é urgente a ampliação do Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp) do Ministério Público estadual (MPSP), que tem apenas dois promotores com atribuição na capital paulista. O grupo, criado a duras penas por causa da insistência de movimentos sociais, começou a trabalhar em 2023 e só passou a atuar na Baixada Santista por conta das 28 mortes perpetradas em uma operação vingança no Guarujá. O controle externo da atividade policial tem deixado muito a desejar para uma população que não pode mais esperar.

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