São Paulo: a volta das moradias ao Centro

Reforma de edifícios vazios e valorização de prédios mistos são inovações destacadas. Mas iniciativa precisa enfrentar cultura segregacionista e romper regras pró-mercado imobiliário

Por Raquel Rolnik, em seu blog

130301-Sampa

.

Reforma de edifícios vazios e valorização de prédios mistos são inovações destacadas. Mas iniciativa precisa enfrentar cultura segregacionista e romper regras pró-mercado imobiliário 

Por Raquel Rolnik, em seu blog

A imprensa paulistana noticiou ontem a assinatura de um protocolo de intenções entre a Prefeitura de São Paulo e o Governo do Estado para a produção de 20 mil moradias na região central da cidade, utilizando inclusive a reforma de edifícios vazios. O governo federal entrará no projeto com os financiamentos do Programa Minha Casa Minha Vida, e os governos estadual e municipal com recursos complementares para viabilizar essa produção.

Além de reformar imóveis abandonados ou sem uso, o projeto prevê a criação de imóveis mistos, através de PPPs (parcerias público-privadas), com comércio no térreo e moradia nos demais andares. De acordo com reportagem do Estadão, das 20 mil unidades, 12 mil devem ser destinadas a famílias que ganham até cinco salários mínimos. Também seria reservada uma cota aos movimentos sociais de moradia. Estão incluídos na área do projeto os bairros Santa Cecília, Barra Funda, Bom Retiro, Pari, Brás, Mooca, Belém, Cambuci, Liberdade e Bela Vista.

Sem dúvida a iniciativa é muito positiva e poderá beneficiar milhares de pessoas que trabalham na região central e hoje moram em locais distantes, gastando horas de deslocamento entre a casa e o trabalho. Mas há alguns desafios – nada simples – que precisam ser enfrentados para que a implementação dessa intenção declarada de fato dê certo.

Em primeiro lugar, embora tenha sido afirmado que 12 mil unidades serão destinadas à famílias com  renda entre 0 e 5 salário mínimos, é importantíssimo também determinar quantas unidades serão destinadas para famílias com renda de até 3 salários mínimos, já que é nessa faixa que há maior dificuldade de acesso à moradia. Na legislação de São Paulo, a chamada “Habitação de Interesse Social” (HIS), que inclui a faixa de renda de até 6 salários, deixa uma grande margem para que as famílias das faixas mais baixas – e, portanto, muito mais difíceis de atender – fiquem de fora. Por outro lado, a chamada “Habitação de Mercado Popular” (HMP) chega até 10 salários mínimos de renda familiar mensal, que, em função da valorização recente do salário mínimo, acaba sendo uma faixa que poderia ser facilmente atendida pelo mercado.

Portanto, uma revisão dessas definições é mais do que urgente para que possamos definir com clareza os percentuais para cada segmento, as misturas possíveis e o nível de subsídios necessários para cada uma das faixas. Particularmente importante é garantir um bom percentual para as faixas de 0 a 3 que, em São Paulo, estão totalmente excluídas da oferta atual. É preciso lembrar, aliás, que a melhor equação é sempre a mistura de diversas faixas de renda, incluindo famílias com renda de 0 a 3 salários, de 3 a 6 e até mais que 6 no mesmo empreendimento. Isso já ocorre em varias cidades do Canadá e dos Estados Unidos e, apesar de arrepiar a cultura segregacionista da produção imobiliária brasileira, é a equação mais sustentável sob todos os pontos de vista.

Outra questão importante é enfrentar os obstáculos que envolvem a reforma de prédios antigos, hoje inviabilizada inclusive em função dos códigos de obra e de segurança, que exigem padrões impossíveis de se atingir com algumas dimensões e características desses imóveis. É necessário, portanto, construir uma regulação específica voltada para a reforma e reabilitação de imóveis no âmbito deste programa. E um desafio correlato é conseguir fazer isso dentro das regras do programa Minha Casa, Minha Vida, que hoje tem normativos completamente baseados na construção de habitações novas, não contemplando as especificidades de uma reforma.

Enfim, não são poucos os desafios. Mas, considerando a necessidade de produção habitacional em áreas centrais da cidade de São Paulo, sem dúvida a parceria entre as três esferas de governo é muito positiva e bem-vinda. Vamos torcer pra dar certo.

Leia Também:

5 comentários para "São Paulo: a volta das moradias ao Centro"

  1. wilson disse:

    eu acho que o governo deve sim reformar esses predios, que estao devendo muito iptu, mas ao desapropria-los deve pagar a diferença aos seus verdadeiros proprietarios, porem acho errado dar imovel, acho que devem financia-los, e para os que nao podem pagar muito o governo deve reforma-los e aluga-los por um valor de aluguel pelo percentual do salario, mas por um tempo somente, e nesse periodo deve dar cursos de requalificaçao para que as pessoas possam arrumar empregos melhores, acho super errado a invasao de imoveis que tenho visto no centro de sp, inclusive dos sem terra no interior. No caso dos sem terra o governo deve arrendar terras do proprio governo e dar condiçoes para as familias que queiram plantar, pagando com a propria produçao.

  2. Como poderei me inscrever nesse programa? Estou velha e sem moradia… o centro velho de São Paulo me cairia como uma luva!

  3. Jean disse:

    Me mudei há seis meses para um edifício misto, com comércio nos 4 primeiros andares (galeria) e residências nos outros 16 andares, na República, centro de São Paulo. O prédio é antigo e eu ficaria feliz se conseguíssemos incentivos para uma reforma. Estou morando ao lado de onde trabalho, tenho acesso a metrô e corredores de ônibus e faço praticamente tudo a pé. Mercado, cinema, teatro, academia, lojas e restaurantes.
    Vejo muitos prédios abandonados e invadidos por pessoas de bem, trabalhadores em busca de uma moradia digna. Gosto de ver suas crianças correndo pelas ruas e praças, habitando e ocupando centro. Espero que esse grupo seja um dos mais beneficiados neste projeto. Viva o Centro e parabéns pela matéria.

  4. Finalmente coragem para se ocupar o estruturado centro como moradia decente. Pulgueiros sempre existiram, mesmo o Micha Casa Micha Vida nunca contemplando quem de fato não consegue por forças próprias se abrigar, esta oportunidade ´ímpar. Torço que as regras para reformas do projeto eleitoreiro federal finalmente lembrar que nem só de Deltas e Cachoeiras se fazem casas. As periferias não valem mais a pena, longe do trabalho, perto do desespero. Poluição menor, ocupação maior, civilidade.

  5. Geny Duarte disse:

    essa trans e tudo de bom e muito bem vinda gosto do centro e vai ficar muito bonito

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *