Samuel Pinheiro Guimarães e o desafio aos gigantes

Vale mergulhar no pensamento do diplomata, morto neste ano. Ele atualizou o projeto de desenvolvimento com justiça social para os desafios do século XXI. Contra as opressões do Norte, defendeu o potencial brasileiro – ativo e altivo – para integrar a América Latina

Foto: Reprodução/Rede Brasil Atual
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Por Magno Klein, no Insight Inteligência

As relações internacionais não ficaram de fora das grandes inflexões recentes da política brasileira. A agenda internacional, tradicionalmente vista como isolada do jogo político interno, vem crescentemente sendo envolvida no processo de politização por que passa o país ao ponto de que é possível afirmar que hoje também estão em disputa no cenário brasileiro diferentes visões de mundo. Após os anos iniciais do século XXI, marcados por uma postura brasileira de diferenciação frente aos países do Ocidente e de liderança de coalizões junto a países do Sul (como o Brics, o Ibas e a CPLP), os anos de governo Michel Temer e Jair Bolsonaro foram marcados por um engajamento passivo e subordinado aos interesses das nações ocidentais, em especial junto aos Estados Unidos. O início de 2024 vem sendo marcado pela discussão de qual é o papel do Brasil frente às grandes crises globais, como por exemplo os conflitos na Faixa de Gaza e na guerra entre Rússia e Ucrânia, além da luta contra o aquecimento global.  

Para a reflexão sobre a política externa brasileira no atual estágio caótico do sistema internacional, poucos foram tão influentes quanto o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, falecido no final de janeiro deste ano. Sua análise da posição do Brasil no contexto global é um legado intelectual significativo e o alçam ao patamar de um dos principais intérpretes da política externa brasileira das últimas décadas. Formado em direito e economia, sua carreira diplomática começou no início dos anos 1960, fazendo parte de uma geração inspirada pelos novos ares da Política Externa Independente (PEI), como assim foi denominado o período entre 1961 e 1964 dos governos Jânio Quadros e João Goulart sob as formulações dos chanceleres Afonso Arinos de Melo Franco, Araújo Castro e Santiago Dantas, e que propunha a universalização das parcerias internacionais do Brasil num contexto de expansão da influência dos países do Terceiro Mundo e do distensionamento da Guerra Fria. Dantas, nome lendário do trabalhismo e ideólogo do que definia como “desenvolvimentismo democrático”, foi inclusive paraninfo de formatura da turma de Samuel Pinheiro Guimarães, que várias vezes confirmou a influência da PEI em sua decisão de ingressar na carreira diplomática.  

Guimarães também foi professor da Universidade de Brasília e em outras instituições de ensino pelo país, mas veio mesmo a ter forte influência pública a partir dos cursos que ministrava no Instituto Rio Branco – instituição de formação dos quadros da diplomacia brasileira – e das intervenções públicas por meio de entrevistas, palestras, livros e artigos na imprensa, em especial a partir dos anos 1990. Como diplomata de carreira assumiu cargos de destaque na estrutura do Itamaraty, no geral relacionados a negociações comerciais e a formação dos novos quadros do ministério, tendo chefiado o Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais (Ipri) do Ministério das Relações Exteriores. 

Ganhou projeção nacional por suas críticas à possibilidade de formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e foi afastado da chefia do Ipri por dificultar as negociações brasileiras no tema durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Foi nesse contexto que publicou em 1999 seu mais influente livro, “Quinhentos Anos de Periferia”, no qual defendia uma postura altiva do Brasil nas relações internacionais. De 2003 a 2009, foi secretário-geral do Itamaraty, segundo cargo na hierarquia diplomática. Ao longo de sua gestão, compôs com Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia o principal grupo formulador da área de política externa junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2006, devido às ideias expressas no livro “Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes”, foi eleito intelectual do ano pela União Brasileira de Escritores. No livro, abordou os grandes problemas nacionais enfrentados para transformar o país em uma potência, defendendo que a política externa deve ter reflexos no plano interno. 

A mudança em 2009 para a liderança da Secretaria de Assuntos Estratégicos, pasta da administração federal com status de ministério, onde havia tido como chefe anterior Mangabeira Unger, ocorreu no contexto de sua aposentadoria compulsória do Itamaraty quando completou 70 anos. Guimarães ocupou esse cargo até o fim do mandato do presidente Lula. A partir de 2011, foi convidado a ocupar um novo cargo, criado na burocracia do Mercosul como alto representante-geral do bloco econômico, do qual renunciou em 2012, alegando em entrevistas que ressentia a falta de apoio político dos países-membros para a implementação de projetos.  

Filiado à longa tradição de pensadores de esquerda latino-americanos influenciados pelo pensamento da Cepal e da teoria da dependência, Guimarães possuía uma perspectiva própria e original para o país no século XXI, defendendo a percepção do Brasil como uma nação poderosa e com capacidade de se tornar uma grande potência global. Seu legado, baseado na defesa de uma política industrial, postura altiva frente às grandes nações ocidentais, como os Estados Unidos, e de alianças estratégicas com os vizinhos da América do Sul, pode ser vislumbrado para além do âmbito intelectual nas ações internacionais do governo brasileiro quando ocupou o cargo de secretário-geral do Itamaraty (2003-2009). 

Estruturas hegemônicas de poder 

 O sistema internacional vem passando por transformações profundas e uma nova ordem ainda não se estabeleceu. É um novo momento, marcado pela despolarização, sem que nenhuma potência ainda seja capaz de fazer frente aos Estados Unidos. Deu-se fim ao alinhamento automático do período da Guerra Fria e hoje haveria a formação de coalizões ad hoc. Um mundo em que o poder se concentra, mas que permite a entrada de novos atores no centro do poder, marcado assim por uma “altíssima instabilidade e em processo de acelerada mutação” (GUIMARÃES, 2006, p. 318). Samuel Pinheiro Guimarães pensou a política mundial nesse momento de transição e incerteza. Seu olhar tinha proximidade ao entendimento realista das relações internacionais, nítida na crença de que o objetivo primordial da política exterior de um Estado deve ser “a defesa e a promoção dos interesses nacionais, sem ilusões quanto à amizade de outros Estados ou quanto a supostas tendências benévolas do sistema internacional” (GUIMARÃES, 2006, p. 246). O embaixador possuía muito presente em seu discurso a caracterização de um mundo baseado no “arbítrio e violência”, pela “concentração de poder de toda ordem” e pelo desrespeito ao direito internacional (GUIMARÃES, 2006, p. 439).  

Herdeiro da tradição latino-americana dos pensadores da Cepal e da teoria da dependência, Samuel Pinheiro Guimarães enxergava o mundo envolto em relações centro-periferia. No centro do poder, poucas potências controlariam grande parte da produção mundial, do comércio e da capacidade tecnológica e científica, além de deterem o controle sobre as principais decisões políticas mundiais. Essas grandes potências se confrontariam com uma miríade de pequenos Estados e com um reduzido número de grandes Estados da periferia, com território, população e estoques de capital acumulado significativos e com relevância regional, de que são exemplos o Brasil, a Argentina e a África do Sul.  

Sua análise percebia um complexo relacionamento entre unipolaridade e multipolaridade. Por um lado, apontava a emergência de novos polos de poder, em especial econômicos, com maior participação da União Europeia, Rússia, Japão, Índia e China. Por outro lado, afirmava que o período atual é marcado pela concentração de poder nas esferas política, militar, tecnológica e mesmo econômica, somada à consolidação daquilo que define como as estruturas hegemônicas de poder. Esse conceito, em diálogo com a ideia de hegemonia consagrada por Antonio Gramsci, buscava abordar as relações de poder no sistema internacional sem ter que lidar com as intermináveis discussões sobre se o sistema hoje seria unipolar ou multipolar ou se existiria uma única potência hegemônica. Os países que não fariam parte do centro do poder seriam subjugados pelas grandes potências por meio de uma crescente normatização internacional, que constrangeria a capacidade de ação dos Estados da periferia, como o Brasil, por meio de organismos como o Conselho de Segurança da ONU, a Otan, a AIEA, a OMC e o FMI.  

Nessa percepção, em que a normatização é uma ameaça, a Organização das Nações Unidas teria papel crucial e se encaminharia para se tornar um organismo mundial, “o embrião de um Estado Mundial”, controlado pelas estruturas hegemônicas e tendo as potências em seu centro, no controle da comunidade internacional. Se tais potências atingirem uma harmonia de visão, haveria o risco de o caráter discriminatório ser perpetuado. Por esse processo, se estaria buscando a “reconstrução de sistemas metrópole-colônia em que a essência da relação é não poder ter a colônia armas, nem moeda, nem autoridades nem políticas próprias, e onde o estrangeiro goza de privilégios em relação ao nacional” (GUIMARÃES, 2006, p. 319). A “desaparição” na prática da Assembleia Geral da ONU e o ganho de poder obtido pelo Conselho de Segurança nas últimas décadas seriam, para ele, comprovações desse entendimento. 

Brasil potência  

Quão alto pode sonhar a sociedade brasileira em sua estratégia de inserção internacional? Como demonstram as pesquisas de Amaury de Souza e Míriam Gomes Saraiva, desde pelo menos os anos 1990, duas correntes de pensamento oferecem respostas diferentes a essa indagação. A corrente liberal, com grande influência durante o governo Fernando Henrique Cardoso, tem como premissa a ideia de que o país não conta com excedentes de poder e por isso a prioridade brasileira deveria ser pela busca por credibilidade no sistema internacional. Esse entendimento está muito presente na imprensa hegemônica e também conta com representantes na burocracia estatal, como em alas do Itamaraty.  

O outro grupo é contrário à agenda liberalizante e teve grande influência durante os governos do PT. Alguns o definem como “autonomista”, às vezes são chamados de “nacionalistas”, corrente da qual Samuel Pinheiro Guimarães foi um dos maiores expoentes. Para esse grupo, o país deveria ser capaz de articular um projeto nacional autônomo, baseado em políticas ativas de desenvolvimento, em que a adesão a regimes internacionais ou a liberalização comercial não são prioridades. Esse grupo afirma que, nas primeiras décadas do século XXI, o mundo ainda é dominado por poucos. Elite da qual o Brasil não faz parte. Mas, para Samuel Pinheiro Guimarães, esse mundo começaria a abrir a possibilidade para a ascensão de novos atores internacionais, e, facilitado por características internas do país, o Brasil poderia então buscar por seu lugar no clube daqueles que definem a ordem internacional em busca de seus próprios interesses. Em sua visão, o Brasil é subdesenvolvido economicamente, militarmente vulnerável, com grandes disparidades sociais, dependente tecnologicamente e periférico politicamente. Ainda assim, é um dos grandes Estados periféricos, países cuja subalternidade é balanceada por atributos de poder como grande população, território extenso e relativa estrutura industrial e mercado interno, que lhes permitiriam sonhar com a possibilidade de se desvencilhar da periferia e da submissão aos Estados centrais. Seria do interesse desses Estados estabelecer alianças em prol do fortalecimento de uma ordem internacional multipolar, capaz de permiti-los acessar as estruturas hegemônicas de poder.  

Samuel Pinheiro Guimarães explicava essa divisão de entendimentos na sociedade brasileira como uma disputa entre os “paladinos da dependência”, como define nomes como Roberto Campos e Fernando Henrique Cardoso, e os “patriotas”, corrente a que fariam parte nomes como Barão de Mauá, Getúlio Vargas e ele próprio. Sua oposição era claramente contra programas políticos liberais, cujas preocupações centrais estariam na construção e defesa do sistema democrático formal, baseado na divisão dos poderes, em eleições livres e regulares, na proteção dos direitos civis e políticos individuais e pela liberdade econômica. Ele apontava que, para o grupo liberal, o sistema internacional seria formado por Estados iguais, de poder semelhante, que tendem à cooperação, desde que neles prevaleça a democracia. Estados poderosos não exerceriam seu poder em proveito próprio, mas sim para o bem da humanidade, sem oprimir os mais fracos. Esse grupo defenderia para o Brasil a cooperação com todos os Estados, se antecipar nos processos de paz e desarmamento, não desafiar as grandes potências, não procurar exercer nenhum tipo de protagonismo em razão da escassez de poder do Brasil e aceitar as regras do sistema internacional que seria “imparcial e benéfico em relação a todos os Estados que se comportem de forma civilizada” (GUIMARÃES, 2006, p. 55-56). Esse grupo de pensamento teria predominado nos anos 1990 no direcionamento político e econômico da América do Sul, que nos anos 2000 teria que lidar com o resultado de uma política de abandono do projeto de desenvolvimento nacional autônomo substituído por uma estratégia de inserção competitiva que teria se revelado ser apenas “subordinada à globalização e a pseudomodernidade, em especial do consumo” (GUIMARÃES, 2006, p. 183). 

O lado certo dessa disputa entre nacionalistas e liberais, na visão de Guimarães, seria defender a industrialização e reduzir a dependência em relação às grandes potências, diversificando as parcerias no exterior. Não haveria espaço para uma inserção internacional baseada em vantagens comparativas e supervalorização da estabilidade monetária ou com uma visão do país como um ator secundário, com “escassez de poder e inferioridade cultural” (GUIMARÃES, 2006, p. 345-346). A importância desse debate reforça a atualidade da divisão entre os que defendem se alinhar aos países centrais (no geral, os Estados Unidos) e os que querem manter uma postura autônoma diante delas, dicotomia que marca a história da política externa brasileira pelo menos desde os anos 1960.  

O projeto de política externa proposto por Samuel Pinheiro Guimarães assume um tom otimista frente às possibilidades brasileiras, apesar dos desafios gigantes, em aproveitar as brechas no sistema internacional para alguns novos atores alcançarem o centro do poder. Para ele, vulnerabilidades externas e disparidades internas se relacionam e por isso propõe que a política externa seja a ponta de lança de uma proposta política de desenvolvimento para o país, tanto econômica quanto politicamente. Entendendo que o auxílio externo para alcançar esse objetivo é limitado, caberia ao próprio país buscar pelos meios de alcançar seus objetivos estratégicos.  

O momento atual seria decisivo para o Brasil: ou realiza seu potencial ou se incorpora de forma subordinada ao sistema econômico e político norte-americano. Para Guimarães, o Brasil poderia desenvolver uma forma inovadora de inserção internacional, pois teria grandes potencialidades na economia, em sua sociedade e em seu Estado, não podendo ser comparado com Estados de limitações territoriais, populacionais ou com baixa diversidade de produção, como seriam os casos de Chile, Cingapura, Portugal ou Grécia. Essas mesmas potencialidades explicariam as aspirações e estratégias das grandes potências desenvolvidas em relação ao Brasil, principalmente em relação a seu desarmamento militar e à “integração subordinada de sua economia” (GUIMARÃES, 2006, p. 203). O agente ideal para o desenvolvimento dessas potencialidades seria o Estado nacional brasileiro, que deteria o poder e a competência legal para executar tais políticas e por isso sua desconfiança frente a restrições de origem externa da atuação do Estado, como por normas internacionais que dificultem a implantação de tais políticas.  

Essa possibilidade de ascensão à condição de grande potência não deveria ser considerada uma utopia, mas um objetivo nacional necessário. Sua não realização corresponderia ao fracasso em enfrentar aqueles desafios com que se defronta o país e, por isso, aceleraria seu ingresso em um período de grande instabilidade (e até mesmo de eventuais conflitos internos), de fragilização democrática e de “crescente ingerência externa na sociedade brasileira que podem, em extremo, levar a tensões pela fragmentação territorial e política do Brasil” (GUIMARÃES, 2006, p. 265-6). 

É por essa importância para o futuro do país, que a política externa não poderia ter como principais focos objetivos “idealistas, desinteressados e transnacionais”, como a promoção da paz mundial pelo desarmamento unilateral, a cooperação internacional, o “progresso espiritual da humanidade” e a defesa dos direitos humanos, a construção de uma economia global eficiente, a inserção do Brasil na economia globalizada, a colaboração na luta contra as novas ameaças globais. Tais objetivos, muitas vezes dissimulam, com sua linguagem humanitária e altruísta, “as ações táticas das grandes potências em defesa de seus próprios interesses estratégicos” (GUIMARÃES, 2006, p. 266). 

As relações internacionais contemporâneas estariam marcadas por processos de “normatização”, com aspectos positivos e negativos – ele chama a atenção mais para a segunda possibilidade – e que ocorreriam nas principais esferas do sistema internacional: a política, a econômica e a militar. No geral, as normas internacionais são definidas por ele como uma grande ameaça para o Brasil. Não deveriam ser aceitas quando atrapalhem a capacidade do país em reduzir as desigualdades, de eliminar as vulnerabilidades e de realizar seu potencial (GUIMARÃES, 2006, p. 297). Seria preferível não aceitar normas a aceitar e racionalizar os resultados de negociações internacionais, principalmente porque nesse processo se poderia identificar a tentativa de retornar à condição pré-1917, ou seja, “a reconstrução de sistemas metrópole-colônia em que a essência da relação é não poder ter a colônia armas, nem moeda, nem autoridades nem políticas próprias, e onde o estrangeiro goza de privilégios em relação ao nacional” (GUIMARÃES, 2006, p. 319). É por isso que em várias oportunidades afirmou que a adesão ao TNP, em julho de 1998, teria sido o mais grave erro da diplomacia brasileira contemporânea.  

Em um cenário que seria marcado por várias características adversas para o Brasil é que se teria de definir uma estratégia realista de inserção internacional para o país, construída e executada a partir do que identifica como os três desafios da sociedade brasileira: a redução das extremas disparidades sociais, a eliminação das crônicas vulnerabilidades externas e a realização acelerada do seu potencial. As vulnerabilidades externas seriam de natureza econômica, política, tecnológica, militar e cultural. A última é a que para ele deveria ser a mais destacada. “A consciência colonizada expressa-se em uma atitude mental timorata e subserviente que alimenta sentimentos de impotência na população, ao atribuir as mazelas brasileiras à escassez de poder do Brasil, à incompetência brasileira, ao nosso caipirismo, ao arcaísmo social, à xenofobia, enfim, à nossa inferioridade como sociedade” (GUIMARÃES, 2006, p. 225-226). Essa vulnerabilidade estaria ligada à crescente hegemonia cultural estrangeira na sociedade brasileira. É devida em parte a essa vulnerabilidade de natureza ideológica a noção de alguns grupos internos de que o Brasil é um país sem grandes poderes ou potencialidades. 

As grandes potências fariam o possível para que o desenvolvimento político, militar e econômico dos grandes Estados da periferia não afete seus interesses locais, regionais e mundiais. E mais: elas tentariam controlar a capacidade dos Estados periféricos de superar seu “subdesenvolvimento e dependência”, além de estimular movimentos que desestabilizem sua integridade, como o estímulo a rivalidades regionais, raciais e religiosas, em que elas existam. Tentam impedir sua capacidade de articulação, nos planos regionais e internacionais, capazes de fazer os Estados resistirem a sua ação e pressão. 

Nos últimos anos, em suas falas públicas, o embaixador abordava a crise da hegemonia do PT a partir de possíveis influências dos Estados Unidos em temas como a Operação Lava-Jato e a abertura do setor de petróleo. Guimarães acreditava que os Estados Unidos teriam intenção de desestabilizar qualquer governo na região que pudesse atrapalhar seus objetivos estratégicos. Assim, lançava suspeitas de sabotagem e apoio a grupos oposicionistas com vistas à desestabilização dos governos do PT.  

Em 2009, Samuel Pinheiro Guimarães assumiu a função de ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Uma das responsabilidades atribuídas a ele era desenvolver o projeto Brasil 2022 – um plano ambicioso delineando as metas que o país deveria alcançar até o bicentenário da Independência. O Brasil idealizado nesse projeto seria caracterizado por vigorosa atividade econômica e com autonomia internacional. As metas no projeto eram ousadas (como zerar o déficit habitacional) e se perderam no contexto de derrubada de Dilma Rousseff.  

Estados Unidos, potência rival? 

É com os Estados Unidos a mais importante relação bilateral da diplomacia brasileira. Desde a influência no imaginário dos movimentos nativistas do período colonial, passando pelo fato de ser o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil, os Estados Unidos tiveram presença fundamental na história diplomática brasileira. Nessa agenda, Samuel Pinheiro Guimarães deixou uma marca importante, incluindo sua atuação como agente governamental. Em documentos confidenciais da embaixada americana no Brasil vazados em 2010 no contexto do Wikileaks, afirmava-se que Samuel causava “sérios problemas” para a relação entre os dois países. “Ele odeia os Estados Unidos”, teria dito reservadamente Nelson Jobim, então ministro de Dilma Rousseff, a um diplomata americano. Publicamente, sua imagem ficou marcada como de um negociador irascível em temas relacionados ao Ocidente, em especial com os Estados Unidos, a quem definia como o grande desafio brasileiro. Ele argumentava que os Estados Unidos desde a independência se esforçam por garantir sua hegemonia sobre todo o hemisfério ocidental e mantêm uma política ativa para evitar a emergência e articulação de potências regionais capazes de contestar sua liderança. Na região, o Brasil seria o único rival possível ao poder “imperial” dos Estados Unidos. O princípio básico que rege o relacionamento entre os dois países seria de que o  governo brasileiro não tem nenhuma razão para se submeter à hegemonia americana. Não tem o direito de exercer uma política de submissão, ainda que disfarçada, pois uma política externa independente, firme e serena não será punida nem econômica nem muito menos militarmente pelos Estados Unidos, que respeitam mais os Estados que se respeitam do que aqueles Estados que se submetem espontaneamente à sua hegemonia (GUIMARÃES, 2006, p. 268). 

Mesmo organismos multilaterais, que num primeiro momento poderiam indicar uma tendência de democratização na política internacional, são percebidos pelo embaixador como espaços de exercício do poder estadunidense. Por isso, enfaticamente Guimarães aponta que a perpetuação de uma organização internacional como a ONU seria um dos objetivos centrais da política norte-americana desde o fim da Segunda Guerra Mundial. “Para a política exterior americana, as Nações Unidas (e qualquer outro organismo internacional) são uma criatura sua e de nenhuma forma um organismo que tivesse resultado de decisão soberana, livre e consensual da comunidade internacional” (GUIMARÃES, 1999. p. 86). Essas organizações só seriam úteis enquanto convenientes. Assim, um dos princípios centrais da estratégia dos Estados Unidos seria desrespeitar as normas ou retirar-se desses organismos sempre que eles contrariassem os desígnios de sua política externa. Além disso, o país não se constrange quando, em defesa de sua influência e de seus interesses políticos e econômicos, se vê impelido a intervir na política interna de outros países.  

Samuel Pinheiro Guimarães também ficou nacionalmente conhecido pela postura firme que adotou durante o governo FHC no contexto das negociações para criação da Área de Livre Comércio das Américas: [D]o ponto de vista do comércio exterior, a Alca significaria um provável aumento do déficit com os Estados Unidos e uma redução das exportações brasileiras para a América do Sul, com o resultado final de um aumento do déficit global da balança comercial brasileira (GUIMARÃES, 1999. p. 122). 

A Alca seria um grande risco para o Brasil e afetaria a autonomia da política econômica brasileira. Para Guimarães, a Alca seria um projeto norte-americano com o objetivo de “incorporar, de forma subordinada, a economia brasileira à economia dos Estados Unidos e, em consequência, reduzir a possibilidade de atuação política autônoma do Brasil na esfera internacional” (GUIMARÃES, 2002. p. 24). Inúmeras vezes, definiu a Alca como, na prática, um acordo entre Brasil e Estados Unidos, por serem as duas maiores economias da região. O embaixador empreendeu uma verdadeira campanha contra a iniciativa e foi perseguido pelo governo Fernando Henrique Cardoso, sendo afastado em 2001 da função de presidente do Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais, um centro de estudos estratégicos do Itamaraty, após descumprir uma portaria interna vetando a divulgação de opiniões de funcionários do Itamaraty sem autorização da chefia. A assim conhecida “lei da mordaça” marcou a gestão Celso Lafer à frente do Itamaraty e expunha publicamente a forte divergência interna frente ao acordo comercial. No início de 2003, nos primeiros momentos do governo Lula, o projeto do bloco econômico seria enterrado.  

Para o embaixador, as recentes negociações ao redor de uma área de livre comércio entre Mercosul e União Europeia seriam então uma alternativa mais alvissareira para o Brasil? Não, afirmou em suas últimas intervenções públicas. Acordos comerciais com potências consolidadas teriam o risco de constituir pactos de tipo neocolonial. Para ele, as mesmas vantagens oferecidas ao Mercosul seriam logo concedidas a outros parceiros, como Estados Unidos e China, o que seria o fim da possibilidade de uma política industrial para a América do Sul.  

Sua proposta de distanciamento estratégico dos Estados Unidos foi materializada nos dois primeiros mandatos do governo Lula (2003-2010) em ações como o não apoio à invasão do Iraque em 2003, o pleito por uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, a criação do Fórum dos Brics, a participação nas negociações por um acordo nuclear do Irã ou no conflito árabe-israelense. Eventos que no geral mostravam distância estratégica, ainda que sem antagonismos radicais, frente aos Estados Unidos.  

Em suas posições sobre o relacionamento com os Estados Unidos, se destaca a grande diferença do que percebia como riscos e vantagens da crescente aproximação brasileira junto à China. Potência em ascensão no sistema internacional, a China é o principal parceiro comercial do Brasil com um perfil bastante desigual na balança comercial (comprando mais produtos primários e vendendo mais manufaturados). Ainda assim, a maior proximidade junto ao país asiático traria mais vantagens do que riscos, pois seria uma possível fonte de investimentos na indústria e um aliado na causa pela desconcentração do poder internacional, além da China não ter tradição de intervenção em assuntos domésticos de nações sul-americanas. Por isso, os desafios norte-americano e chinês para o Brasil seriam de natureza diferente. Além disso, as perspectivas para o curto e médio prazo para a política mundial poderiam até indicar o surgimento de novos polos de poder, mas não vislumbram uma redução significativa do poder norte-americano, afirmava Samuel Pinheiro Guimarães. No centro do sistema, os Estados Unidos continuarão ditando a agenda internacional e tentarão organizar a sua região geográfica mais próxima, o hemisfério ocidental. 

Integração regional 

Uma alternativa para o Brasil ao projeto da Alca seria o investimento na expansão do Mercosul, porque a América do Sul seria a região-chave e a base para a estratégia internacional do Brasil. Caberia ao país exercer uma liderança “não hegemônica”, em parceria com os Estados da região – em especial a Argentina – e compensando disparidades entre seus membros, o que daria à região uma grande capacidade de projeção de poder. Próximo do presidente venezuelano Hugo Chávez, Guimarães também contribuiu para a agenda da integração como alto representante-geral do Mercosul em um momento em que já refluía a “onda rosa”, como ficou conhecida a maré de governos de esquerda e centro-esquerda nos anos 2000 na América do Sul. Colocando em prática seu entendimento, foi um dos principais responsáveis pela instauração do Focem (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul), uma espécie de financiamento em infraestrutura oferecido pelo Brasil e que buscava compensar Uruguai e Paraguai das assimetrias dentro do bloco. A integração brasileira com sua região era central na sua visão de mundo, ainda que com frequência precisasse negar acusações de subimperialismo por parte do Brasil, algumas vezes sob o argumento de que o país não teria capacidade de poder equivalente às grandes potências, nem ambições de interferir na política doméstica dos vizinhos.  

Em sua visão estruturalista, assim como os interesses estratégicos brasileiros eram divergentes das potências consolidadas, também seriam convergentes com os demais países periféricos, a quem interessaria a emergência de uma ordem internacional multipolar capaz de alterar a correlação de forças e conter impulsos unilateralistas na cena internacional. Regionalmente, nenhum país seria mais importante do que a Argentina, o vizinho mais poderoso do Brasil, com quem deveria-se estabelecer uma estratégia de desenvolvimento econômico integrado. Uma aliança entre Brasil e Argentina afetaria as relações de poder na América Latina e colocaria em xeque a hegemonia norte-americana no subcontinente. A parceria estratégica com a Argentina sofreu reveses com as crises econômicas e políticas por que os dois países atravessaram nos últimos anos e nem de longe se conseguiu alcançar as metas ambicionadas por Samuel Pinheiro Guimarães. 

Conclusão 

Samuel Pinheiro Guimarães faz parte de uma linhagem de pensadores que abordam as possibilidades do Brasil em superar o subdesenvolvimento através da diferenciação de seus objetivos estratégicos em relação ao lado desenvolvido do mundo e a partir de um projeto nacional que associe o interno e o externo. Sua visão global estava inserida em uma preocupação constante com os problemas sociais brasileiros – apontados no âmbito da educação, da cultura, da disparidade social, da concentração de poder etc. A política externa seria capaz de contribuir significativamente com a solução desses problemas e mesmo ações internas seriam dependentes da reformulação da postura internacional adotada pelo país. 

Tradutor do pensamento nacional-desenvolvimentista brasileiro para o século XXI, em suas aulas como professor na formação dos diplomatas brasileiros abordava nomes como Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Ricardo Bielschowsky e Raúl Prebisch. Intelectuais mais recentes e associados à defesa de maior intervenção do Estado na economia, como o economista sul-coreano Ha-Joon Chang, também eram frequentemente citados. Sua visão de mundo hoje poderia ser definida como filiada ao pensamento pós-liberal. Tal expressão, usada por Amaury de Souza para definir uma corrente específica de opinião de política externa, refere-se a uma postura favorável ao intervencionismo do Estado e refratária à economia de mercado e à liberdade de comércio. Um pensamento brasileiro pós-liberal também já foi sugerido por Emir Sader, que o define pela defesa do fortalecimento da esfera pública, da regulação estatal, da integração regional e por maior ênfase na redemocratização da sociedade. Tal movimento se oporia à primazia do período neoliberal dos anos 1990, que legou uma realidade onde o capitalismo se mostra frágil e falho, mas ainda a única alternativa viável. Sader completa: “A intelectualidade precisa ser chamada para repensar esse período, que traz elementos de problemáticas antigas atualizadas, como recursos naturais, a questão indígena, o nacionalismo. E questões novas de desmercantilização, de esfera pública e de criação de uma sociedade pós-neoliberal” (SADER, 2007).  

Suas análises sobre as disputas políticas domésticas refletem os dilemas e contradições do atual programa político da esquerda brasileira e da difícil tentativa de conciliação dos interesses de múltiplos movimentos progressistas no país. Ao mesmo tempo em que seus escritos falam da importância de movimentos sociais pressionarem o governo, em várias intervenções públicas verbalizou incômodo com pleitos ambientalistas contrários a grandes obras de infraestrutura, como as hidrelétricas na Amazônia. Já se declarou contrário à destinação dos recursos do pré-sal para a área social, pois acreditava que o desenvolvimento econômico daria as bases para enfrentar os desafios sociais de maneira estrutural. As causas que às vezes são definidas como identitárias seriam relevantes socialmente, pois enfrentariam opressões históricas, como no caso das mulheres, negros e indígenas, mas teriam como ponto fraco realizar uma luta mais “individualista”, com menos foco nas estruturas de opressão verdadeiramente coletivas. 

Além disso, sua crítica às agendas de valores na política externa pode ser contraposta ao esforço nos dois primeiros governos Lula de fazer do Brasil um empreendedor normativo em temas internacionais em áreas como direitos humanos e desenvolvimento sustentável. Como colaborar na construção de normas e instituições internacionais sem aceitar as regras estabelecidas? Guimarães não elaborou muito sobre isso. De qualquer maneira, suas declarações públicas apontavam os riscos do multilateralismo sem notar que o Brasil é um ator relevante nesse âmbito.  

Guimarães foi um intelectual de grande ascendência dentro de importantes núcleos acadêmicos, dentro de parte da esquerda e mesmo entre os militares. Já foi definido pela imprensa como o “mais petista” dos diplomatas da burocracia do Itamaraty e defendeu publicamente José Dirceu no contexto das denúncias do escândalo do mensalão. A amplitude da sua influência é diretamente proporcional à relevância de um programa de corte nacionalista para a inserção internacional do Brasil para os dias de hoje. Em seu pensamento, é visível a influência do estudo de Hélio Jaguaribe a respeito do nacionalismo brasileiro. Em seu influente livro de 1958, Jaguaribe criticava o chamado “modelo de aliado especial” que os governos Getúlio Vargas e Eurico Dutra adotaram na relação com os Estados Unidos com expectativas de algum reconhecimento ou recompensa pela participação na II Guerra Mundial. Comentava Jaguaribe: 

… o nacionalismo político reivindica para o país uma posição de maior autonomia, em face dos Estados Unidos e das grandes potências europeias e se inclina para uma linha neutralista, em relação ao conflito norte-americano-soviético. Exprime, pois, uma tomada de consciência dos interesses próprios do Brasil, no âmbito das outras nações; e das massas populares, no âmbito interno do país, e constitui uma exigência de acatamento da soberania popular e da nacional” (JAGUARIBE, 1958, p. 32).i    

A atuação de Samuel Pinheiro Guimarães como intelectual orgânico, burocrata e formulador da política externa tiveram forte influência nas decisões da política externa autopraclamada “ativa e altiva” do governo Lula (2003-2010). O embaixador costumava tecer elogios à política externa “diretamente orientada” pelo presidente Lula e executada pelo ministro Celso Amorim, cujo âmbito econômico seria “claramente desenvolvimentista” e que “procurou desenvolver uma estratégia multipolar, de afirmação de soberania, de construção paciente e pertinaz de um bloco sul-americano não hegemônico e de redução das disparidades, das vulnerabilidades e de realização do potencial dos países do Terceiro Mundo (e do Brasil)” (GUIMARÃES, 2006, p. 432). A política externa do governo Lula teria reorientado com “serenidade e firmeza a atuação do Brasil, no sentido de maior independência, de maior autorrespeito, de melhor defesa dos interesses do Brasil” (GUIMARÃES, 2006, p. 439). Apesar de muitas vezes ser visto como um radical, apoiou as ações do governo brasileiro que estabeleceram uma “relação franca de cooperação” e “respeito mútuo”, mas também de “divergência serena”, quando necessária, com os Estados Unidos.  

Em seu período como membro do governo Lula, quando esteve por sete anos ao lado de Celso Amorim na liderança do Ministério das Relações Exteriores, o país deu uma forte guinada rumo à diversificação das parcerias internacionais, com alianças com países do Sul e outras potências em desenvolvimento, em especial com a América Latina. Novas frentes de cooperação foram estimuladas no Mercosul para além de trocas comerciais, a Unasul foi instituída, e a Celac fundada em 2010. Movimentos que levaram à redução da importância da OEA (organismo multilateral identificado com os interesses dos Estados Unidos). De qualquer modo, a análise detida do pensamento de Guimarães não é mais do que um atalho para compreender o conjunto da política externa de um governo, em que se avolumam ainda muitos outros fatores responsáveis pelo que foi realizado, dito e almejado.  

Nos últimos anos, já aposentado do Itamaraty e longe de cargos no governo, continuou com sua rotina como intelectual público com comentários e reflexões sobre as relações internacionais do país. Vinha criticando fortemente o viés liberal e “alinhado ao Império Americano” dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, assim como alertado para os riscos da conclusão do acordo de livre comércio do Mercosul com a União Europeia. Assistiu ao início do mandato do novo governo Lula em 2023 já com reduzida participação em eventos públicos. Em 29 de janeiro, Samuel Pinheiro Guimarães morreu aos 84 anos em Brasília. Seu corpo foi velado no Itamaraty.  

Magno Klein é historiador, professor do curso de Relações Internacionais da UNILAB-BA e autor do livro “Por uma política externa soberana: San Tiago Dantas, Samuel Pinheiro Guimarães e a inserção internacional do Brasil” (Prismas, 2016).

Nota de rodapé

1. Em entrevistas recentes, Samuel Pinheiro Guimarães afirmou que só teve contato com o livro de Hélio Jaguaribe muito depois de construir sua reflexão; ainda assim, é inegável que a filiação a uma proposta de política externa nacionalista os aproxima.

Bibliografia

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios brasileiros na era dos gigantes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. 

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Quinhentos anos de periferia: contribuição ao estudo da política internacional. Rio de Janeiro-Porto Alegre: Contraponto-UFRGS, 2002. 

JAGUARIBE, Hélio. O nacionalismo na atualidade brasileira. Rio de Janeiro: Iseb, 1958. 

SADER, Emir. América Latina Pós-liberal: Entrevista de Ricardo Azevedo com Emir Sader. Revista Teoria e Debate, nº 74. 2007. pp. 22-27. 

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