A reveladora visita do FMI

Num movimento que expressa as grandes mudanças no cenário internacional, diretora-gerente do Fundo veio ao país, pediu recursos e fez declarações contrárias às políticas de “austeridade” da Europa

Por Delfim Netto, em Carta Capital

Quando o assunto é Fundo Monetário Internacional, as manchetes são sempre escandalosas. Isso acontece na mídia impressa em qualquer parte do mundo e hoje principalmente no universo virtual. Em geral não estimulam reações muito civilizadas, degenerando em protestos e pancadarias nas ruas. No Brasil não era muito diferente, até o início da “era Lula”.

A visita de Christine Lagarde, atual diretora-gerente do Fundo, obedeceu a um roteiro desprovido da carga emocional de antanho, mas nem por isso a imprensa economizou tinta: “FMI pede dinheiro ao Brasil”. Alguns títulos ainda acrescentaram: “…mas não leva”. Detalhes importantes foram deixados de lado pela maioria e só foram resgatados num relato do jornal Valor (4/12/11, C9), pelos competentes jornalistas Claudia Safatle, João Villaverde e Luciana Otoni.
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A senhora Lagarde foi a Brasília pedir a cooperação do Estado brasileiro para a solução de um grave problema internacional, aumentando a sua participação no capital do FMI. Isso tem caráter simbólico importante, pois é a demonstração que mudou a posição do Brasil no mundo, tanto sob a ótica da economia quanto no nível político. A questão do aporte de recursos já estava definida e também a sua contrapartida. O governo concorda em participar com 15 bilhões de dólares de sua reserva para aumentar o capital do FMI tão logo a direção do organismo defina como usará a sua própria reserva, de 390 bilhões de dólares, na ajuda às nações da Zona do Euro.

A diretora-gerente do Fundo foi recebida pela presidenta Dilma Rousseff e pelos ministros Guido Mantega e Alexandre Tombini, do Banco Central, após o que, no meu entendimento, fez o comentário mais importante dessa sua viagem: “Só a volta a uma política de crescimento pode resolver os problemas da dívida dos países europeus e dos Estados Unidos”. Disse não acreditar que o remédio – verdadeiro purgante – que está sendo dado aos países deficitários vá remover as dificuldades. Insistiu que a política de crescimento tem de ser coordenada entre os países membros e só poderá funcionar se essa coordenação se estender aos gastos de cada um.
As declarações de Christine Lagarde, em Brasília, abriram espaço para outra compreensão da magnitude do problema, com um diagnóstico mais abrangente. São um alerta aos demais países para as consequências do prolongamento da crise da dívida. Ela não veio aqui de “pires na mão”. Veio confirmar o reconhecimento de que o Brasil é um novo parceiro com quem se pode contar para ajudar na solução de problemas que exigem a cooperação mais estreita entre as nações.
É preciso entender a dimensão dessa mudança radical em nossas relações com o Fundo Monetário Internacional. O Brasil foi muito beneficiado pela expansão da economia mundial nos primeiros anos do século XXI e conseguiu aproveitar até 2008 esse crescimento para solucionar um problema que parecia insolúvel, que era o déficit permanente em conta corrente. O aumento dos preços das matérias-primas nos proporcionou saldos comerciais importantes e um superávit em conta corrente que permitiu fazer uma reserva que hoje está em 350 bilhões de dólares, o que nos deixa numa situação relativamente confortável.
Além disso, o Brasil foi premiado com a confirmação das importantes reservas petrolíferas do pré-sal, outro bônus que consolida nossa autonomia energética e nos dá tranquilidade na frente externa pelas próximas duas ou três décadas. O fato é que soubemos aproveitar as oportunidades que surgiram – ou que nós construímos – para acelerar o crescimento econômico e ao mesmo tempo investir no desenvolvimento social, reduzindo as desigualdades de renda pessoais e regionais. É isso que leva à compreensão de que o Brasil tem hoje uma posição no cenário mundial relativamente tranquila para enfrentar os problemas que constrangem o crescimento de tantos países na Eurolândia e na própria América.
Com o desaquecimento nas economias mais prósperas, encolhendo o volume do comércio internacional, e o aumento da insegurança nos mercados financeiros, certamente teremos um crescimento menor em 2011, porque o mundo crescerá menos, mas seguramente melhor do que a maioria dos países. Devemos terminar o ano com uma expansão de 3% do PIB (um pouco acima, dependendo do último trimestre), mas em condições de crescer mais de 3%, podendo chegar a 4% em 2012. O que ainda será substancialmente superior ao que se espera do crescimento da economia mundial.
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