Príncipe dos Sociólogos ou da Privataria?
Livro de Palmério Dória desmascara discurso “ético” de FHC ao revelar dimensões da compra de voto para emenda pró-reeleição
Por Leandro Fortes, na Carta Capital
Publicado 03/09/2013 às 22:55
Livro de Palmério Dória desmascara discurso “ético” de FHC ao revelar dimensões da compra de voto para emenda pró-reeleição
Por Leandro Fortes, na Carta Capital
A obra chegou às livrarias no sábado 31, mas antes mesmo de sua publicação causava desconforto no ninho tucano. Luiz Fernando Emediato, publisher da Geração Editorial, responsável pela edição, tem recebido recados. O último, poucos dias atrás, foi direto: um cacique do PSDB telefonou ao editor para pedir o cancelamento do livro e avisou que a legenda havia contratado um advogado para impedir a publicação, caso o apelo não fosse atendido.
Tanto alvoroço deve-se ao lançamento de O Príncipe da Privataria – A história secreta de como o Brasil perdeu seu patrimônio e Fernando Henrique Cardoso ganhou sua reeleição, do jornalista Palmério Dória. O título da obra faz alusão à alcunha de “príncipe dos sociólogos”, sugestão de amigos do ex-presidente, e ao termo privataria, menção ao processo de privatização comandado pelo PSDB nos anos 1990 e eternizado por outra obra da Geração Editorial, A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr.
Há razão para os temores dos aliados de FHC. Na obra, Dória reconstituiu um assunto que os tucanos prefeririam ver enterrado: a compra de votos no Congresso para a emenda da reeleição que favorecia o ex-presidente. E detalha o “golpe da barriga” que o deixou refém das Organizações Globo, em especial, e do resto da mídia durante seus dois mandatos.
E assim aconteceu. A denúncia foi analisada por uma única comissão de sindicância no Congresso, que apresentou um relatório contrário à instalação de uma CPI. O assunto foi enviado ao Ministério Público Federal (MPF), então sob o comando de Geraldo Brindeiro. O procurador fez jus ao apelido de “engavetador-geral”, nascido da sua reconhecida leniência em investigar casos de corrupção do governo FHC. O MP nunca instalou um processo de investigação, a mídia nunca demonstrou o furor investigatório que a notabilizaria nestes anos de administração do PT e o Congresso aprovou a emenda, apesar da fraude.
O Príncipe da Privataria tenta reconstituir os passos da história que levou uma repórter da TV Globo em Brasília, a catarinense Miriam Dutra, a um longo exílio de oito anos na Europa. Repleta de detalhes, a obra reconstituiu o marco zero dessa trama, “algum dia do primeiro trimestre de 1991”, quando o jornalista Rubem Azevedo Lima, ao caminhar por um dos corredores do Senado, ouviu gritos do gabinete do então senador Fernando Henrique Cardoso. “Rameira, ponha-se daqui pra fora!”, bradava o então parlamentar, segundo relato de Lima, ex-editorialista da Folha de S.Paulo, enquanto de lá saía a colega da TV Globo, trêmula e às lágrimas. A notícia de um suposto filho bastardo não era apenas um problema familiar, embora não fosse pouco o que o tucano enfrentaria nessa seara. A mulher traída era a socióloga Ruth Cardoso, respeitada no mundo acadêmico e político. O caso extraconjugal poderia atrapalhar os planos futuros do senador. Apesar de se apresentar como um “presidente acidental”, em um tom de desapego, FHC sempre se imaginou fadado ao protagonismo na vida nacional.
Escreve Dória: “Entra em cena um corpo de bombeiros formado por Sérgio Motta, José Serra e Alberico de Souza Cruz – os dois primeiros, cabeças do “projeto presidencial”; o último, diretor de jornalismo da Rede Globo e futuro padrinho da criança”. Motta e Serra bolaram o plano de exílio da jornalista, mas quem tornou possível a operação foi Souza Cruz, de atuação memorável na edição fraudulenta do debate entre Collor e Lula na tevê da família Marinho às vésperas do segundo turno. A edição amiga, comandada diretamente por Roberto Marinho, dono da emissora, e exibida em todos os telejornais do canal, levaria o “caçador de marajás” ao poder. Acusado de corrupção, Collor renunciaria ao mandato para evitar o impeachment.
Miriam Dutra e o bebê foram viver na Europa e o caminho político de FHC foi novamente desinterditado. Poucos anos depois, ele se tornaria ministro da Fazenda do governo de Itamar Franco, surfaria no sucesso do Plano Real, a ponto de renegar a importância do falecido ex-presidente na implementação da estabilidade monetária no País, e venceria a eleição de 1994 no primeiro turno.
Por muito tempo, apesar de o assunto circular nas principais rodas políticas de Norte a Sul, Leste e Oeste, imperou nos principais meios de comunicação um bloqueio a respeito do relacionamento entre o presidente e a repórter. Há um pressuposto não totalmente verdadeiro de que a mídia brasileira evita menções à vida particular dos políticos, ao contrário das práticas jornalísticas nos EUA e Reino Unido. Não totalmente verdadeiro, pois a regra volta e meia é ignorada quando se trata dos adversários dessa mesma mídia.
No fim, o esforço para proteger FHC mostrou-se patético. Só depois da morte de Ruth Cardoso, em 2008, o ex-presidente decidiu assumir a paternidade do filho da jornalista. Mas um teste de DNA, feito por pressão dos herdeiros do tucano, provou que a criança não era dele.
Dória entrevistou inúmeras personalidades, entre elas o ex-presidente da República, Itamar Franco, o ex-ministro e ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, e o senador Pedro Simon, do PMDB. Os três, por variadas razões, fizeram revelações polêmicas sobre FHC e o quadro político brasileiro. Há outras declarações pouco abonadoras da conduta do ex-presidente. A obra trata ainda do processo de privatização, da tentativa de venda da Petrobras e do plano de entrega da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil ao setor privado. “O livro mostra que FHC é um caso de crime continuado”, resume o autor.
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O livro O Príncipe da Privataria – A história secreta de como o Brasil perdeu seu patrimônio e Fernando Henrique Cardoso ganhou sua reeleição, já se encontra disponível, com desconto, em nossa livraria.
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