Portugal: esquerda vence; Geringonça pode seguir

Socialistas, que governaram contra o neoliberalismo, obtêm vasta vitória. Bloco de Esquerda e PCP convidados a integrar coalizão no governo. Direita e centro recuam. Resultado atesta: é possível frear onda protofascista

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Por Francisco Javier Martín Del Barrio, no El País Brasil

O Partido Socialista (PS) de Portugal conseguiu, neste domingo, a “vitória expressiva” nas urnas que pedia o primeiro-ministro António Costa para reeditar seu Governo e ganhar mais força antes dos pactos com outros partidos políticos — a sigla ficou a seis cadeiras da maioria absoluta. Seu primeiro anúncio foi sua disposição de trabalhar para repetir a geringonça (acordos externos para formar o Governo) com o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, governando sozinho. “Os portugueses gostaram da geringonça, então o PS buscará renovar essa solução política”, disse o presidente na manhã desta segunda-feira, depois da divulgação dos resultados. A abstenção, de 45,5%, foi a mais alta da história nas eleições legislativas.

Os possíveis aliados já responderam. Catarina Martíns, líder do Bloco de Esquerda, afirmou que o grupo está disposto a um acordo, ainda que em votações específicas, principalmente as relativas a fortes investimentos em serviços públicos. Já o líder do PC, Jerónimo de Sousa, respondeu que, para eles, a fórmula da geringonça não será repetida porque eles querem um pacto com objetivos específicos. Entre eles, um aumento do salário mínimo dos 600 euros atuais para 850 euros por mês e um acréscimo salarial geral de 90 euros por mês (400 reais), além de retirar a reforma trabalhista imposta pela troika (credores de Portugal no momento do resgate: BCE, Comissão Europeia e FMI).

A contagem final deu ao PS 36,6% dos votos e 106 cadeiras (em 2015, a sigla obteve 32,3% dos votos, o que resultou em 86 cadeiras); em seguida, veio o centrista (PSD), com 27,9% e 77 assentos. A terceira força foi o Bloco de Esquerda, como ocorreu há quatro anos, com 9,7% e 19 deputados (10,2% e 19 cadeiras em 2015); o PC vem em seguida (em coalizão com Os Verdes), com 6,7% e 12 assentos (8,3% e 17); o CDS, de direita, obteve 4,2% e cinco lugares. A sexta força foi a sigla ambientalista PAN, com 3,3% e quatro cadeiras (1,4% e 1 em 2015).

Decepção na direita

O bloco da direita, que de 14 eleições legislativas ganhou seis, fez figuração. Sem possibilidade de ganhar, tanto o Centro Democrático Social (CDS) como o Partido Social Democrata (PSD) aproveitaram a campanha para sustentar seus líderes, Assunção Cristas e Rui Rio, e suas bases. Seu trabalho de oposição durante quatro anos se centrou em antecipar o caos e o desastre, e nada disso aconteceu, o que decepcionou sua militância que, além disso, perdeu o medo de votar em Costa.

Embora no início da noite de domingo, a porta-voz do PS tenha anunciado uma derrota histórica da direita, a diferença entre os dois blocos, ao final, foi reduzida para pouco menos de 20 pontos. A queda ocorreu principalmente no direitista CDS. Como resposta, seu líder, Assunçao Cristas, anunciou um congresso extraordinário do partido e sua renúncia à reeleição, depois de quatro anos liderando o partido.

PAN, a vitória de um novo ecologismo

Os ecologistas já caminham sozinhos. Desde 1987, o clássico partido ecologista Os Verdes participou das eleições através do Partido Comunista na Coalizão Democrática Unitária (CDU). Ainda que com liberdade de votos para votar contra as touradas enquanto o PC o fazia a favor, sempre estiveram nas sombras do PC nos trabalhos parlamentares.

Os Verdes e sua histórica líder, Heloísa Apolónia (deputada desde 1995), deixaram de ser a única bandeira ecologista da câmara em 2015 quando o PAN (Pessoas Animais Natureza) entrou com seu líder André Silva. Quatro anos depois o deputado com direito a falar um minuto conseguiu aumentar consideravelmente os votos e formar um grupo parlamentar. Graças, em parte, a uma exposição midiática nos debates dos líderes de lista, em que Os Verdes não aparecem, por estar sob a cobertura do PC.

Durante a campanha o PAN sofreu fortes críticas da direita e da esquerda, acusado de fundamentalismo ambiental. Entre suas medidas pedem a proibição da carne de vaca e do leite, algo que acabaria com a economia de, por exemplo, as Ilhas Açores. Por sua vez, Silva acusa Os Verdes de ser um ecologismo caduco e o PC de conservador.

Além da novidade de que o ambientalista PAN tenha conseguido um grupo parlamentar, as eleições incorporaram três novas forças políticas na Câmara: o populista de direita Chega —com quem Costa não dialogará, como anunciou—, que obteve 1,3% do total dos votos e um deputado; Iniciativa Liberal, 1,3% e um deputado; e a Esquerda Livre —divisão do Bloco— com 1,1% dos votos e um deputado. Pela primeira vez, 10 forças políticas estarão sentadas na Assembleia da República.

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