PEC do Fundeb ameaça a permanência escolar

Texto será votado nesta semana e pode retirar obrigação do governo federal financiar programas de alimentação e transporte escolar, afetando mais de 40 milhões de estudantes. Estados e municípios terão que recorrer a Fundo, também ameaçado

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Por Cida de Oliveira, da Rede Brasil Atual

Considerado um dos melhores do mundo, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) atendeu, só em 2017, mais de 41 milhões de estudantes, com investimento de R$ 3,89 bilhões. No mesmo ano, o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate) – que faz toda diferença em um país onde nem todas as escolas estão onde deveriam estar, próximas dos alunos – beneficiou 4,54 milhões de alunos, com orçamento de R$ 592,90 milhões, segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

Estas ações, entre outras essenciais para o acesso, permanência e aprendizado de alunos da pré-escola ao ensino médio, correm sério risco de extinção caso seja aprovado o relatório que a deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) apresentou nesta terça-feira (18) à comissão especial da chamada PEC do Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Não foi votado devido ao pedido coletivo de vistas dos integrantes da comissão.

Em seu texto, tido como piorado por especialistas devido a pressões, a relatora atrela o Salário Educação, que financia esses programas, à complementação da União ao Fundeb. “O relatório realiza, na prática, uma maquiagem, fruto de reunião liderada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia”, alerta o comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação em posicionamento público divulgado esta semana.

Segundo o documento, se o texto tal como está for aprovado na comissão especial e passar no plenário da Câmara e depois no Senado, o governo federal ficará livre da responsabilidade com o financiamento adequado da Educação Básica (pré-escola ao ensino médio).

E não haverá outra saída aos gestores estaduais e municipais senão utilizar os recursos do próprio Fundeb para custear programas hoje financiados diretamente pelo Salário Educação, “neutralizando assim o potencial de ampliação da complementação ao Fundeb”. “Em outras palavras, as redes públicas permanecerão asfixiadas e os estudantes da educação básica pública continuarão sendo prejudicados”.

Desprezo

No entanto, não é apenas a “maquiagem” em relação à complementação do governo federal que a Campanha considera um obstáculo à conquista do direito da educação pública de qualidade. Há críticas quanto ao desprezo a metas do Plano Nacional de Educação, especialmente quanto à implementação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e Custo Aluno-Qualidade (CAQ), parâmetros instituídos no Plano Nacional de Educação para corrigir as desigualdades e determinar condições adequadas para oferta do ensino.

No entanto, o sistema CAQ vem enfrentando resistência no Congresso e no governo federal. “Não querem a constitucionalização do CAQ os Ministérios da Educação e da Economia do governo Bolsonaro, e a ONG ‘Todos’ Pela Educação’. Com isso, compõe-se uma aliança tácita contra a universalização de escolas públicas capazes de garantir o processo de ensino-aprendizagem’, destaca o documento.

Outra barreira é à proposta de remuneração por desempenho, fruto do lobby de parlamentares comprometidos com a “reforma empresarial da educação”. “Contudo, caso seja mantido esse mecanismo antipedagógico para distribuição de recursos do Fundeb, é preciso aprimorar a redação do substitutivo, vedando que redes públicas com maior arrecadação e, portanto, com maior capacidade de avançar nas avaliações de larga escala, não sejam ainda mais privilegiadas”, recomenda.

Prejuízo

Em vigor desde janeiro de 2007, o Fundeb expira em 31 de dezembro. Se não for renovado, o montante total de R$ 156 bi destinados pela União, estados e municípios à educação serão totalmente desorganizados na sua implementação. Ao mesmo tempo, 40 milhões de matrículas vão ficar descobertas, o que significa prejuízo enorme para o direito à educação.

“A gente considera que para ser bom, o Fundeb deve ser robusto, ter os recursos necessários para educação básica. Tem muita criança fora da creche, criança e adolescente fora da escola. E tem de viabilizar um padrão de qualidade capaz de dar condições aos professores de ensinar e aos alunos de aprender”, diz o coordenador geral da Campanha, Daniel Cara.

Esse Fundeb robusto, segundo ele, tem de respeitar a tradição de distribuição de recursos e ao mesmo tempo criar recursos equitativos para a sua distribuição: Um sistema híbrido que combine o que já vem sendo feito nos últimos 20 anos como estratégia de distribuição de recursos, que muitas redes se estruturaram com base nessa lógica, com novos mecanismos de distribuição. “Caso contrário, muitos municípios perderiam fontes de recursos, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Seria um caos para quem precisa de mais recursos.”

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