Para que os atuns não se reduzam a sushi

Combinando ativismo e alta tecnologia, grupos rebeldes enfrentam pesca ilegal no Mediterrâneo. Exemplo difunde-se entre defensores de leões, raposas e focas

Por Alex Chitty, na Vice

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Combinando ativismo e alta tecnologia, grupos rebeldes enfrentam pesca ilegal no Mediterrâneo. Exemplo difunde-se entre defensores de leões, raposas e focas

Por Alex Chitty, na Vice

Numa noite quente de julho de 2012, na ilha de Ugljan, no Mar Adriático da Croácia, dois ativistas deslizam para dentro d’água, perto de uma grande fazenda de pesca. Barcos de segurança patrulham o perímetro das grandes redes circulares, enquanto guardas posicionados numa colina próxima vigiam à noite. E por uma boa razão: os milhares de atuns azuis da fazenda, destinado às mesas dos restaurantes de sushi do Japão, valem milhões. Cada peixe desses é vendido rotineiramente por mais de $1.500 no atacado em Tóquio ou nas proximidades daqui. O atum croata é pego ainda jovem, sob uma lacuna na lei internacional, e vai para a “engorda” antes de chegar ao mercado.

Usando equipamento de mergulho tático, os mergulhares chegam à primeira rede, cortam três quartos de seu comprimento e soltamos atuns nas correntes marinhas. Os mergulhadores, então, nadam para outra rede, repetem o processo e vão embora. Os times de segurança acima não se dão conta de nada até o dia seguinte. Os ativistas, membros de um grupo chamado Black Fish, já estão longe. O ataque foi bastante similar a outro em setembro de 2010, quando mergulhadores do Black Fish libertaram golfinhos de redes similares perto de Taiji, Japão.

Um marinheiro se prepara para ir ao mar com cinco redes de 2,5 quilômetros de extensão em Sant’Agata de Militello, Sicília; 2,5 quilômetros é o limite legal, mas pescadores do Mar Mediterrâneo com frequência juntam várias redes para contornar a lei. Foto por Chris Grodotzki.

Desde as ações no Japão e na Croácia, o grupo se voltou para as redes derivantes – redes longas e finas suspensas por boias, geralmente colocadas nas rotas migratórias dos peixes. Proibidas em águas internacionais desde 1992, as redes mais longas, que podem se estender por mais de 80 quilômetros atrás de barcos pesqueiros industriais, são associadas à matança quase indiscriminada de vida marinha. A malha das redes chega a ter 10 centímetros, o que significa que peixes jovens são pegos antes de terem a chance de se reproduzir. Tartarugas marinhas, golfinhos e tubarões também ficam presos e, sendo pescas ilegais, são devolvidos ao mar, quase sempre mortalmente feridos.

Apesar de a proibição ter sido implementada a pedido da ONU, a prática continua. Do Oceano Índico ao norte do Pacífico, redes assim continuam sendo usadas e não existe uma autoridade real para monitorar seu uso ou levar à justiça quem descumpre a lei. No Mediterrâneo, seu uso geralmente é controlado por várias máfias, segundo o fundador do Black Fish, Wietse van der Werf: “O crime organizado e a corrupção são os grandes responsáveis pela continuação do uso dessas redes no Mediterrâneo. A máfia da Calábria é conhecida por realizar as maiores operações do tipo na Europa, juntamente com as maiores operações de tráfico de cocaína – basicamente uma coisa só”.

E eles são difíceis de serem capturados, disse Wietse. Quando inspetores da União Europeia aparecem, capitães corruptos recolhem suas redes aos pedaços, vão para o mar e estendem outras bandeiras em seus barcos, contornando as leis europeias simplesmente hasteando uma bandeira de alguma nação do norte da África. Alguns anos atrás, pescadores italianos receberam milhões para entregar suas redes derivantes e investir em equipamentos mais “sustentáveis” – no entanto, eles imediatamente usaram o dinheiro para comprar redes maiores e mais finas. Essas redes são armazenadas em países não pertencentes a União Europeia ou são ignoradas por oficiais italianos corruptos (pagos, ironicamente, com o dinheiro separado para as redes novas e menos danosas).

Um membro do Black Fish montando um drone fornecido pela ShadowView. Foto por Chris Grodotzki.

Então, os pescadores ilegais precisam ser pegos usando realmente as redes para que possam ser levados à justiça. E é por isso que o Black Fish começou a investir em drones. Com ajuda daShadowView, uma companhia sem fins lucrativos que fornece aeronaves não tripuladas a ONGs e outros grupos ativistas, eles começaram a monitorar portos em busca das redes ilegais. Recentemente, eles terminaram uma série de “inspeções portuárias” na Albânia e na Itália usando câmeras montadas em pequenos drones “quadricópteros” para reunir provas do alto.

Disfarçados de turistas, Wietse e sua equipe em geral passam despercebidos até que seu pequeno robô paire zumbindo sobre um monte de pescadores emputecidos. Em outros pontos, como a Líbia e a Tunísia, drones não são muito bem-vistos, então, o Black Fish usa câmeras escondidas e suas caras de turistas para andar pelos portos impunemente. O grupo ainda está analisando seus vídeos e fotos deste ano, mas já registraram vários navios da “lista negra”, cada um deles ligado à pesca ilegal no passado. Há algumas semanas, eles encontraram tartarugas marinhas mortas – “Algumas estão entre as espécies mais ameaçadas do mundo”, disse Wietse – presas em redes tunisianas.

Um membro do Black Fish anota os números de registro de barcos de pesca da lista negra da União Europeia. Foto por Chris Grodotzki.

No entanto, para pegar os aproximadamente 500 pescadores usuários das redes derivantes em ação, eles vão precisar de drones maiores e mais caros. No ano que vem, Wietse pretende conseguir naves não tripuladas grandes movidas à gasolina, com um alcance muito maior, para conseguir provar conclusivamente o uso de redes ilegais. “Quando os governos não fazem nada sobre um problema vital”, ele me disse, “voluntários com um pouco de tempo e dinheiro podem fazer a diferença”.

Também no próximo ano, o Black Fish planeja adquirir um navio da guarda costeira de segunda mão, para ser usado como plataforma de drones, e lanchas rápidas o suficiente para pegar os usuários de redes derivantes no flagra. Eles também têm planos para causar um incidente diplomático e chamar atenção para a questão: “Quando tivermos o barco”, Wietse me disse, “queremos colocar uma bandeira britânica nele e tentar fazer valer a lei em algum lugar próximo, digamos, a Espanha. Isso vai deixar os espanhóis putos e forçá-los a escolher um lado – pescadores ilegais ou a lei europeia. Com alguma sorte, isso criará um problema internacional e forçará os governos a reprimir os criminosos”.

Wietse critica ativistas da pesca famosos como Jamie Oliver e Hugh Fernley-Whittingstall, que apoiam um relaxamento das leis de pesca sobre peixes que são descartados como muito pequenos ou fora das cotas. Ele diz que a abordagem deles é só uma maneira de permitir que peixes jovens sejam pegos e vendidos ilegalmente. Ele também é cético quando se trata da chamada pesca “sustentável” no geral, o que ele diz ser “pesca destrutiva legitimada”, visando apenas aliviar um pouco a consciência dos compradores “éticos”.

O casco de uma tartaruga marinha de uma das espécies mais ameaçadas do mundoencontradon a Tunísia.

Quando não estão infernizando as tripulações dos barcos da máfia, o Black Fish está treinando times em mergulho e outras atividades para expandir o raio de ação da organização. Wietse liga seu plano aos primeiros dias das forças policiais, nos quais milícias privadas se organizavam em suas próprias áreas locais. Eles fizeram um filme com ajuda de voluntários e passam o inverno dando palestras e tentando levantar dinheiro para seu barco.

A sobrepesca não é o único alvo dos drones ativistas. A ShadowView está trabalhando com grupos de preservação da natureza para pegar caçadores em locais secretos da África do Sul; com o Sea Shepherd, filmando a matança ilegal de focas na costa da Namíbia, e com a League Against Cruel Sports no Reino Unido, filmando a caça ilegal de raposas. Manifestantes têm usado drones para espiar policiais há alguns anos e o preço deles continua caindo.

Mas para Wietse, o que não é de surpreender é que redes derivantes e sobrepesca continuem sendo o objetivo principal: “A morte nos mares é o pior problema ambiental que encaramos agora e usar redes derivantes é como destruir uma floresta para pegar alguns javalis – é loucura”. Felizmente, de acordo com ele, “Isso é também uma das coisas mais fáceis de resolver – mas o problema precisa ser abordado agora”.

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