Os cientistas contra monocultura do etanol

Após decreto que libera, sem limites, plantio de cana-de-açúcar na Amazônia, pesquisadores publicam carta na respeitada Nature, alertando para expansão da indústria do biocombustível na região. Eles alertam: ciclo de devastação vai explodir

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Por Cida Oliveira, na Rede Brasil Atual

O portal da prestigiada revista científica Nature publicou nesta terça-feira (7) carta dos pesquisadores Lucas Ferrante e Philip M. Fearnside, ambos do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), à comunidade científica, aos formuladores de políticas do Brasil e ao público em geral. Eles pedem medidas coordenadas contra o avanço da indústria de biocombustíveis de milho e de cana na região, que aumenta “a pressão já enorme pressão da pecuária, sojicultura, mineração e das barragens de hidrelétricas sobre a floresta tropical”.

Em 5 novembro, o presidente Jair Bolsonaro liberou o cultivo de cana-de-açúcar na Amazônia por meio do Decreto 10.084, que revogou o Decreto 6.961, de setembro de 2009. Assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o instrumento instituiu o zoneamento para o plantio da cana e as operações de financiamento ao setor sucroalcooleiro, que excluía a Amazônia Legal e o Pantanal.

Em novembro, Ferrante protocolou representação no Ministério Público Federal, pedindo investigação sobre crime de lesa-pátria praticado por Bolsonaro e os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Agricultura, Tereza Cristina.

Milharal na floresta

Além de canaviais, a região está vulnerável também ao aumento do cultivo de palma, que já é cultivada no oeste do Amazonas. No ano passado, foi inaugurada uma fábrica para o processamento do óleo de palma em Roraima.

O milho é outra ameaça.  No início de dezembro, a multinacional Millenium Bioenergia deu início a obras da usina de Bonfim, em Roraima,  a 550 quilômetros do Porto de Georgetown, na Guiana Inglesa, considerado estratégico para escoar a produção para o Atlântico. A companhia anunciou investimento de mais mais de R$ 1 bilhão na construção do complexo industrial de Bonfim, que terá mais de 270 quilômetros quadrados.

Está prevista ainda a construção de três usinas no Amazonas. As obras deverão começar nos próximos meses. A previsão é que comecem a operar no final de 2021, produzindo cerca de 600 mil litros de etanol por dia – assim como em Bonfim.

Além de etanol, serão produzidos ainda farelo de milho, gás dióxido de carbono alimentício engarrafado, bio-óleo comestível e o excedente empregado na geração de energia. Segundo o governo de Rondônia, as quatros usinas comandarão a maior cadeia produtiva de biocombustíveis da região Norte.

Como todas essas usinas usarão milho produzido na região, a expectativa é que os milharais e os canaviais tomem conta da paisagem amazônica. E impulsionem ciclos devastadores de desmatamento, como alertam Ferrante e Fearnside.

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