O pesticida proibido que contamina nossas águas

Corporação farmacêutica suíça exportou ao Brasil toneladas do profenofóz — um agrotóxico banido em seu país. Potente e perigoso, ele pode causar má formação cerebral – e foi encontrado especialmente nos reservatórios de SP e MG

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Por Igor Cardellini, no SWI Brasil

A multinacional Syngenta, com sede em Basileia, exportou 37 toneladas de profenofós para o Brasil em 2018. A ONG investigativa suíça Public Eye vê isso como um negócio “imoral” – esse inseticida, proibido na Suíça desde 2005, é amplamente utilizado no Brasil para o controle de pragas de cebolas, milho, soja, café, tomate, algodão, feijão, batata, entre outros.

A Public Eye publicou ontem seu relatório com base nos dados obtidos do Departamento Federal do Meio Ambiente. Se a venda deste produto no estrangeiro não for proibida, a ONG denuncia este “comércio imoral” e apela ao Parlamento para que “ponha fim a essas exportações tóxicas”.

“Este inseticida, que é usado principalmente nos campos de algodão, é extremamente prejudicial para os organismos aquáticos, aves e abelhas. É um neurotóxico poderoso (semelhante ao gás sarin) que pode afetar o desenvolvimento cerebral em humanos, especialmente em crianças”, disse Laurent Gaberell, chefe de agricultura e biodiversidade da Public Eye. No Brasil, o maior mercado da Syngenta, “resíduos de profenofós são encontrados na água potável de milhões de pessoas”.

A água envenenada do Brasil

Com base nos dados de 2018-2019 do programa de monitoramento de água do governo brasileiro, a Public Eye estima que em uma em cada dez amostras, os valores detectados são tais que a água em questão seria considerada imprópria para consumo na Suíça. Os estados de São Paulo e Minas Gerais são os mais afetados. Hoje, o mercado mundial de profenofós está estimado em 100 milhões de dólares. Estima-se que a Syngenta seja responsável por um quarto das vendas, segundo a Public Eye, usando dados produzidos pela empresa de pesquisa Phillips McDougall

“A Syngenta não concorda com as descobertas da Public Eye”, diz Victoria Morgan, chefe das relações com a imprensa. Segundo ela, a ONG, no contexto da iniciativa das multinacionais responsáveis em particular, “está a conduzir uma campanha política”. Ela também diz que no Brasil, “o sistema regulatório é robusto”.

Autorização explícita

O Conselho Federal considera “desproporcional proibir completamente a exportação de pesticidas que não são autorizados para o comércio na Suíça”. Outras medidas que “dificultam menos a liberdade econômica” podem ser tomadas, disse o Conselho em 2018, em resposta a uma moção da deputada federal Verde Lisa Mazzone (Genebra) para impedir a exportação de pesticidas não autorizados na Suíça.

No entanto, devido aos “graves problemas de saúde ou ambientais” que estes produtos podem causar, o governo decidiu alterar as portarias relativas a certos produtos químicos. O Conselho Federal elaborou e submeteu à consulta um anteprojeto que prevê, entre outras coisas, que a exportação de determinados pesticidas perigosos, proibidos na Suíça, não exigiria mais apenas a obrigação de informar, mas a autorização prévia explícita do país importador.

“Esta é uma forma de transferir o fardo para os países importadores, mostrando que eles aceitaram explicitamente a importação de produtos perigosos para o seu território. Não vai mudar nada, já que estes pesticidas são autorizados nos estados em questão”, diz Gaberell. Considerando essa medida insuficiente, a Public Eye aponta “a responsabilidade da Suíça de não expor as populações de outros países a produtos considerados perigosos demais para serem utilizados na Suíça”.

Como lembrete, em novembro passado, o Relator Especial da ONU Baskut Tuncak instou Berna a proibir a exportação de pesticidas e outras substâncias cuja utilização é proibida na Suíça, lembrando que os Estados têm o dever de evitar a exposição a substâncias perigosas, incluindo pesticidas. Um dever que se estende para além das suas fronteiras.

Em seu documento de posicionamento em junho passado, a Syngenta declarou que rejeitava a ideia de autorização explícita, que introduziria uma “desvantagem competitiva” para as empresas. Além disso, para a multinacional, a seleção de cinco substâncias (atrazina, diafenthiuron, methidation, paraquat e profenofós) a serem submetidas a essa autorização é “arbitrária” e baseada em fontes e relatórios não referenciados. O despacho do Conselho Federal sobre um pacote de portarias, cujo conteúdo ainda não é conhecido, será apresentado ao Parlamento na Primavera.

A população provavelmente votará este ano na iniciativa para as multinacionais responsáveis, uma vez que não se chegou a um acordo entre as duas câmaras. O projeto básico visa responsabilizar as empresas domiciliadas na Suíça pelo respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente de suas filiais, e permitir que as vítimas levem os casos aos tribunais suíços.

A festa dos pesticidas

De acordo com dados publicados pelo Ministério da Agricultura do Brasil em outubro passado, o número de agrotóxicos liberados no país em 2019 passou para 382 – 57 a mais do que na avaliação anterior.  

Quase metade dos princípios ativos de agrotóxicos liberados em território brasileiro são proibidos em países da União Europeia, conforme mostra o levantamento organizado por Gerson Teixeira, ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), publicado no fim de julho.

Nem todos os 497 princípios ativos autorizados no Brasil são passíveis de comparação com o quadro Europeu. Isso porque 65 deles referem-se a substâncias derivadas e outros 79 não estão classificados pelas agências de saúde de lá.

Dos 353 princípios que sobram, 194 também são liberados nos países da União Europeia, e 155 são proibidos (44% do total).

Entre as substâncias liberadas no Brasil, 22 (ou 14,2%) são completamente banidas na Europa. Outros quatro princípios ainda estão sob análise, de acordo com o levantamento.

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