Os prédios históricos que derrubaram Geddel
Ministro deixa posto para tentar proteger Temer. Acusados de defender interesses de especulador imobiliário, eles bloqueariam a vista de Salvador para quatro construções notáveis. Conheça-as
Por João Paulo Charleaux, no Nexo
Publicado 25/11/2016 às 15:09
Ministro deixa posto para tentar proteger Temer. Acusados de defender interesses de especulador imobiliário, eles bloqueariam a vista de Salvador para quatro construções notáveis. Conheça-as
Por João Paulo Charleaux, no Nexo
O pivô da mais recente crise política enfrentada pelo presidente Michel Temer é um prédio de 31 andares e quase cem metros de altura, no qual o secretário de Governo, Geddel Vieira Lima, possui um apartamento avaliado em R$ 2,5 milhões, em Salvador.
O condomínio se chama “La Vue” (“a vista” em francês) e sua construção, tal como proposta na planta original, foi proibida pelo Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) justamente por não respeitar “a visibilidade e a ambiência” de pelo menos quatro patrimônios históricos baianos que datam dos séculos 16 e 17, e que estão situados próximo ao novo empreendimento.
Geddel fez pressão para obter a autorização para a construção do prédio, segundo relatou à “Folha de S.Paulo” o agora ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, que deixou a pasta na sexta-feira (18). Calero usou palavras como “maracutaia” e “corrupção” para descrever a iniciativa do colega de Esplanada dos Ministérios.
Segundo Calero, Geddel pressionava pela concessão da autorização do Iphan em Brasília, uma vez que já a tinha conseguido com o braço do órgão em Salvador. O órgão é subordinado à Cultura e, desde sua fundação, há 80 anos, tem como atribuição zelar pelo patrimônio histórico brasileiro. Geddel admite as conversas, mas nega que tenha feito pressão.
Nesta segunda-feira (21), a Comissão de Ética da Presidência da República instaurou um processo para avaliar se o ministro de Temer violou a legislação sobre conflito de interesse e usou seu cargo no governo para obter vantagem privada.
A comissão não tem poderes para retirar Geddel do cargo, mas um parecer nesse sentido causaria um grande constrangimento a Temer. Em caso de decisão contrária, o presidente teria de se opor aos membros do órgão para manter seu secretário na pasta, arcando com o desgaste de imagem e o custo político que a decisão causaria.
Desenvolvimento e preservação
A presidente do Iphan, Kátia Bogéa, divulgou uma mensagem aos funcionários do órgão no qual reiterou a decisão de se opor à construção do condomínio, em Salvador, tal como previsto na planta original.
Kátia Bogéa disse que essa não é a primeira e não será a única vez que argumentos são usados “em nome da crise e da criação de empregos” na construção civil para “acobertar os reais interesses por trás de empreendimentos do tipo”.
A presidente do órgão diz que o episódio revela uma “tentativa de fragilizar a atuação do Iphan” levantando “a falsa e velha dicotomia entre ‘desenvolvimento’ e ‘preservação’”.
Os donos do empreendimento só poderão seguir adiante caso apresentem uma nova planta, que “respeite a visibilidade e a ambiência” dos bens protegidos.
Abaixo, o Nexo localiza no mapa e no tempo algumas das características dos patrimônios que, segundo estudos do Iphan, seriam prejudicados com a construção da torre de 31 andares.
Um patrimônio integrado, com uma torre no meio
Os fortes de Santo Antônio, São Diogo e Santa Maria, que o Iphan tenta proteger, funcionavam “sob o regime de comando unificado”, num sistema de proteção da costa da Bahia contra o assédio de invasores – como aconteceu com os holandeses, que chegaram a tomar uma das fortificações em 1624.
As fortalezas protegiam toda a face sul de Salvador e formavam uma linha única, integrada ao desenho da costa. O condomínio no qual Geddel comprou seu apartamento fica bem no meio de duas dessas fortificações – as fortalezas de São Diogo e de Santa Maria, separadas por apenas 300 metros uma da outra.
A área da Barra está hoje repleta de edifícios, mas eles não se aproximam da altura total que o “La Vue” pretendia ter em sua planta original.
R$ 2,5 milhões – É o valor do apartamento que o secretário de Governo, Geddel Vieira Lima, possui no empreendimento La Vue
31 – É o número de andares previstos inicialmente para o Edifício La Vue sendo 23 deles para apartamentos, 2 de cobertura, 2 pavimentos ‘sociais’, 3 de garagem e 1 de subsolo
A “visibilidade” dos sítios arquitetônicos mencionados pela presidente do Iphan é uma característica inerente à função dos fortes, que serviam para vigiar e proteger a costa brasileira.
As igrejas também ocupavam lugar de destaque na geografia, sendo instaladas frequentemente nos pontos mais altos da geografia das cidades, sobre montes e penhas.
Outra característica mencionada pela presidente do Iphan é a “ambiência” e se refere ao fato de que esses patrimônios estão integrados a uma determinada paisagem e a um relevo geográfico que representou condição determinante para a escolha dos locais onde esses sítios foram instalados, séculos atrás.
Forte e Farol de Santo Antônio
O Farol de Santo Antônio, construído dentro do forte de mesmo nome, é hoje um dos maiores cartões postais de Salvador. A construção do forte teve início entre 1583 e 1587 – menos de cem anos após a chegada dos portugueses ao Brasil.
O local tinha a função de proteger Salvador, mas chegou a ser tomado por invasores holandeses, em 1624, que acabaram repelidos em um mês, após a chegada de reforço de tropas portuguesas.
Em 1696 o forte foi reformado, ganhando sua forma atual e o farol cilíndrico pelo qual é conhecido. Em 1974 foi instalado no local o Museu Náutico da Bahia, que funciona até hoje e é aberto à visitação pública.
Forte de Santa Maria
O Iphan diz que “não se sabe exatamente a data de construção deste forte”. O que se sabe é que durante a “segunda invasão holandesa em 1638, já existiam os três fortes da Barra (Santo Antônio, Santa Maria e São Diogo), sob o regime de comando unificado”.
A fortificação foi erguida em heptágono irregular – sete muralhas de pedra e cal, com reentrâncias não alinhadas -, num tipo de arquitetura militar italiana comum à época.
Em 1837, foi ocupada pelos participantes da Sabinada – nome dado ao movimento de revoltosos que se opunham ao Império e pretendiam fundar uma “República Bahiana”. O grupo, que acabou derrotado após um cerco a Salvador, em 1838, chegou a levar 12 peças de artilharia do Forte Santa Maria para usá-las contra tropas imperiais em outras partes da cidade.
Forte de São Diogo
O Forte de São Diogo começou a ser construído em 1609 e compunha o sistema de defesa da costa, juntamente com os fortes de Santo Antônio e de Santa Maria.
Ele é menor que os dois primeiros e possui como característica uma muralha arredondada, em vez das reentrâncias angulosas que caracterizam as fortalezas da época erguidas na mesma baía.
A fortaleza é integrada a outro patrimônio que faz parte do complexo, o Outeiro de Santo Antônio.
Outeiro de Santo Antônio
O nome “outeiro” se refere a um tipo de acidente geográfico semelhante a um monte ou uma penha, no alto do qual, muitas vezes, eram erguidas capelas ou igrejas. A de Santo Antônio, em Salvador, foi erguida nos últimos anos do século 17, quando teve início o primeiro assentamento com fins de colonização na região.
A construção principal é feita em pedra e cal, tendo duas torres laterais cujas coberturas, em forma de pirâmides, são revestidas de azulejos. Hoje, a Igreja de Santo Antônio está a cargo da ordem dos jesuítas.
Durante séculos, igrejas como essa ocupavam o ponto mais alto das vilas e cidades – característica realçada tanto pelo fato de estarem no alto de penhas e outeiros, quanto por suas torres, pronunciadas para o alto. Aos poucos, novas construções, muito mais altas e robustas, acabaram tirando essa perspectiva das igrejas históricas, ofuscando uma condição geográfica que era parte de sua identidade original.
La Vue
As imagens do site do empreendimento realçam a localização próxima aos patrimônios históricos. Não há qualquer advertência a respeito das autorizações pendentes no Iphan. O único aviso, em letras pequenas, é que “as condições de comercialização de cada unidade constam nos contratos a serem firmados com seus adquirentes”.
Com certeza o IPHAN local recebeu propina para aprovar o projeto, quem embargou foi o IPHAN nacional.