Novo capítulo do julgamento da Chacina de Osasco

Seis anos após o massacre de 23 jovens na periferia de SP, dois ex-policiais vão a júri popular. Em 2019, Justiça havia anulado condenações. Familiares das vítimas cobram indenização do Estado e organizam ato e vigília contra impunidade

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Por Beatriz Drague Ramos, na Ponte Jornalismo

Passados seis anos desde a chacina de Osasco, a maior já registrada nas ruas na história do estado de São Paulo, o ex-PM Victor Cristilder Silva Santos e o Guarda Civil Municipal (GCM) de Barueri Sérgio Manhanhã serão julgados em júri popular na próxima segunda-feira (22/2).

No dia do julgamento também será realizada uma vigília organizada pelas famílias das vítimas e organizações sociais, em frente ao Fórum de Osasco, a partir das 9h30. Dois dias antes, no sábado (20/2), os parentes devem se reunir em frente à Estação Osasco da CPTM, a partir das 14h. 

A audiência que deveria ter ocorrido em novembro de 2020 foi adiada após um pedido do advogado dos réus, João Carlos Campanini, que alegou estar com suspeita de coronavírus.

O crime deixou 23 mortos nas cidades de Osasco, Carapicuíba e Barueri, na Grande São Paulo, em agosto de 2015, sendo seis vítimas no dia 8 e 17 pessoas assassinadas na noite de 13 de agosto. Foi a maior chacina já registrada nas ruas do estado, mas não superando o Massacre do Carandiru, que deixou ao menos 111 mortos em 1992.

Oito das vítimas fatais estavam em um bar no bairro Munhoz Junior, em Osasco, quando os agentes de segurança pública chegaram ao local e dispararam contra os presentes. Outras 15 pessoas foram executadas em locais diferentes na mesma região.

Zilda Maria de Paula, mãe que perdeu o único filho, Fernando Luís de Paula, relata que a expectativa com o julgamento é alta. “A esperança é grande, não sabemos se vamos ganhar ou perder, com a Justiça que temos. Está na mão dos jurados, são eles quem decidem tudo”. Segundo ela, um pedido de indenização será feito neste ano, agora que grande parte dos agentes já foram condenados. “Vamos cobrar a indenização só agora, porque queríamos ter a certeza que foi o Estado que matou. Achamos melhor ter o julgamento e as provas”.  

A mãe de Fernando também alega que diversos parentes dos assassinados estão passando necessidades após a chacina, o que se agravou com a pandemia da Covid-19. “As outras mães estão passando muita necessidade com o coronavírus, as que ficaram com os netos principalmente. Nós apenas sobrevivemos, vivemos com essa recordação, não sai da nossa cabeça. Cada um ajuda no que pode, algumas ONGs nos ajudam com doações de cesta básica, produtos de higiene e limpeza. Por isso também vamos protestar na semana que vem”.

Segundo as investigações, os assassinatos foram praticados para vingar a morte do PM Admilson Pereira de Oliveira, em 8 de agosto de 2015, e do GCM de Barueri Jeferson Luiz Rodrigues da Silva, no dia 13 do mesmo mês. Em entrevista à Ponte em julho de 2019 o procurador Maurício Ribeiro Lopes, que representava o Ministério Público, explicou que mensagens de WhatsApp foram fundamentais para ligar os acusados.

Durante o julgamento de julho daquele ano, a acusação afirmou que o início e o fim dos ataques foram autorizados por meio de conversa entre o ex-PM e o GCM no aplicativo de mensagens. Na época, os desembargadores foram unânimes em validar a prova.

As apurações apontaram para três policiais militares como responsáveis pela chacina, Victor Cristilder, Fabrício Eleutério e Thiago Henklain, além do guarda civil Sérgio Manhanhã. Em um primeiro júri realizado em 22 de setembro de 2017, foram condenados os policiais militares Fabrício Eleutério e Thiago Henklain e o GCM Sérgio Manhanhã.

Em 2 de março de 2018 um outro julgamento aconteceu, nele Victor Cristilder Silva dos Santos foi condenado pelas execuções, com pena de 119 anos, 4 meses e 4 dias de prisão.

Com isso, os quatro agentes foram condenados e presos por crimes de constituição de milícia privada e homicídios consumados e tentados.

Já em agosto de 2019, o Tribunal de Justiça anulou as sentenças de 119 anos, 4 meses e 4 dias de Cristilder e a de 100 anos e 10 meses de Manhanhã, alegando que as provas usadas pela acusação são insuficientes para confirmar a sua participação na chacina. Apesar disso, os dois seguem presos em regime fechado. Também naquele ano, Cristilder, Eleutério e Henklain foram expulsos do quadro da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Acácio Augusto, professor no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo e coordenador do Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento (LASEnTec-Unifesp), lembra que o lote de munição usado na chacina na Grande SP em 2015 é o mesmo que matou a vereadora Marielle Franco, em 2018. “Isso revela um circuito desse armamento do Estado, que escoa para organizações milicianas. Os agentes foram identificados e são agentes do Estado, PMs e GCMs”.

Para ele isso mostra como há uma regularidade nesse tipo de execução. “Tanto em relação a quem pratica, como em relação a quem recebe. Os meninos executados a esmo são na maioria das vezes os jovens, negros e do sexo masculino”.

Na visão do professor da Unifesp, o movimento de Mães de Osasco, formado após a chacina, é uma resposta que vai além da simples reivindicação de justiça. “É a forma pela qual essas mães sobrevivem a essa tragédia, como elas reinventam a sua existência e fazem do que poderia ser um sofrimento privado uma questão pública. O problema não diz respeito somente a uma mãe que perdeu um filho, mas diz sobre uma sociedade que tolera esse tipo de coisa, esse movimento antinatural, de uma mãe enterrar seu filho”.

Agora a defesa dos ex-policiais busca a anulação das sentenças. De acordo com o advogado de Cristilder e Sérgio, João Carlos Campanini, os acusados são inocentes. “Eles não conheciam e nem tinham contato com os demais policiais. As provas testemunhais, periciais e documentais que contém fotos e vídeos comprovam que a versão da acusação é pura fantasia. A anulação em 2019 se deu após a demonstração da verdade baseada em todas as provas do processo, que só apontam para a inocência de ambos”, contesta.

O advogado ainda sustenta que Cristilder já foi absolvido no processo da chacina ocorrida em 8 de agosto. “Na grande chacina, a acusação afirma que Cristilder foi inserido na prova do crime por correlação balística entre a morte de uma vítima na pré-chacina e as mortes da grande chacina, pois a mesma arma teria sido usada nos dois crimes. Ocorre que em novembro do ano passado, Cristilder foi absolvido no júri popular por negativa de autoria, inclusive a pedido do próprio Ministério Público. Com essa absolvição, o efeito cascata aparece. Se ele não matou na pré-chacina, pela mesma balística, é impossível ter matado na grande chacina”, alega.

Procurado pela Ponte, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) não respondeu aos questionamentos enviados até a publicação desta reportagem.

Foram mortos em Osasco Rodrigo Lima da Silva, Joseval Amaral Silva, Deivison Lopes Ferreira, Eduardo Bernardino Cesar, Antônio Neves Neto, Letícia Hildebrand da Silva, Adalberto Brito da Costa, Thiago Marcos Damas, Presley Santos Gonçalves, Igor Oliveira, Manuel dos Santos, Fernando Luiz de Paula, Eduardo Oliveira Santos, Wilker Thiago Corrêa Osório, Leandro Pereira Assunção, Rafael Nunes de Oliveira, Jailton Vieira da Silva, Tiago Teixeira de Souza e Jonas dos Santos Soares. Wilker Thiago Correa Osório, Jailton Vieira da Silva, e Joseval Amaral da Silva foram mortos em Barueri, e Michael do Amaral Ribeiro foi assassinado em Carapicuíba.

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