Enel: Por trás dos apagões, lucros e cobiça

Só em SP, equipes para o atendimento emergencial foram reduzidas em 30%. Espera média saltou de seis para 15 horas. Subsidiárias foram terceirizadas e sistema de “comando e controle” foi extinto. Tarifas aumentaram. Não é hora do Estado assumir empresa novamente?

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No Hora do Povo

Dados divulgados neste final de semana mostram que, enquanto a região metropolitana de São Paulo sofre com seguidos apagões, a concessionária italiana de distribuição de energia, Enel, obteve um lucro de R$ 1,3 bilhão em 2023 só em São Paulo – globalmente a lucro da empresa italiana foi de 3,44 bilhões de euros em 2023. E, mesmo assim, ela ainda não pagou, até hoje, uma multa de R$ 165 milhões imposta pela agência reguladora pelo apagão ocorrido em novembro.

Apesar desses ganhos bilionários, esta semana a multinacional italiana deixou milhares de paulistanos sem energia elétrica por vários dias na região central da capital. Os apagões causaram prejuízos enormes para as pessoas, para o comércio – região da 25 de Março – e para todas as empresas localizadas na área. Os apagões da Enel – quase diários – não aliviaram nem a torre de controle de voo do aeroporto de Congonhas. Alguns dias antes do caos no centro, o aeroporto teve que suspender pousos e decolagens por mais de uma hora em decorrência de falta de energia.

A empresa italiana se beneficiou das privatizações e revendas das distribuidoras de energia elétrica e detém hoje a concessão em São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará.

Redução de quadros e degradação

Para o vice-diretor do Instituto de Energia da USP e ex-diretor da Petrobrás, professor Ildo Sauer, “há uma degradação geral do sistema elétrico que está sendo constatada pelos indicadores no Brasil inteiro e, de maneira pronunciada, em São Paulo e no Rio de Janeiro”.

“Os dirigentes das empresas são pressionados para aumentar os lucros e dividendos. Isso se consegue reduzindo custos porque as tarifas estão determinadas. Elas se alteram com a inflação de um determinado período e a alteração de produtividade. Quando a receita está fixa, reduz-se custos cortando na modernização, na redução dos quadros e na precarização”, afirmou o professor da USP.

“A população paga a conta de serviços de péssima qualidade porque a pressão sobre os dirigentes das empresas é a redução de custos para aumentar lucros e dividendos”, acrescentou.

Fim do sistema de comando e controle

Ildo falou à reportagem da “Band News São Paulo” na sexta-feira (22) sobre os problemas da Enel e associou a deterioração do setor elétrico ao fim do sistema de “comando e controle” que havia sobre as empresas antes das privatizações e da mudança de filosofia que privilegia a obtenção de lucros e dividendos em detrimento da qualidade do serviço. “Esta filosofia, de meados dos anos 90, fracassou. Nós precisamos reconhecer isso e mudar”, defendeu Ildo Sauer.

Ele explicou que com o sistema de comando e controle “as empresas eram obrigadas a mandar planos para o órgão controlador, que na época se chamava DNAE (Departamento Nacional de Águas e Energia), depois mudou para ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica)”. “Isto era aprovado previamente e se demonstrava que com aqueles investimentos e com aquele plano de manutenção, o sistema seria confiável e aquilo era traduzido em custos e os custos se transformavam em tarifas. Isso era o comando e controle”, disse.

Ildo Sauer destacou que “agora os dirigentes das empresas são pressionados a aumentar lucros e dividendos e fazem isso reduzindo custos”.

Não há investimentos em manutenção

“A ANEEL agora fiscaliza apenas financeira e economicamente as empresas. O privilégio ao desempenho financeiro fez com que as agências fossem criadas e se estruturassem para proteger o investimento e não o consumidor. Mais de 100 empresas de distribuição, entre pequenas, médias e grandes estão permanentemente dialogando com os técnicos reguladores, enquanto a população está ausente. Só alguns grupos – algumas universidades e órgãos de defesa do consumidor – vêm atuando com parcos recursos, para acompanhar e mostrar a de deterioração que acontece”, denunciou.

“A partir dos anos 90, seguiu-se o exemplo da Inglaterra e de alguns estados americanos. Nós passamos para o sistema de regulação por incentivos, onde este controle direto do fiscalizado não é mais feito”, explicou. Ele [o controle] agora é indireto. Alguns indicadores como duração equivalente, frequência equivalente de corte, tempo médio de atendimento de emergências são usados para acompanhar o desempenho”, acrescentou Ildo, destacando que esses indicadores pioraram “porque não se investe mais em prevenção e manutenção do sistema”.

Demora foi de 6 para 15 horas e emergências de 10 mil para 30 mil

“Dois indicadores básicos mostram o que está acontecendo. Primeiro, de 2019 para cá, nós tínhamos 10 mil emergências com falta de energia por ano, agora, isso passou para 30 mil, ou seja, aumentou três vezes neste período de 2019 até hoje. E o tempo médio de restabelecimento da energia, quando ela falta, passou de cerca de seis horas, o que já é muito, para 15 horas em média aqui em São Paulo, em números arredondados”, demonstrou Ildo Sauer, com dados da própria ANEEL.

”Esses dois indicadores apenas mostram que há um sintoma muito grave acontecendo de perda de confiabilidade do sistema de fornecimento de energia elétrica”, destacou.

“Não há mais investimentos em expansão da capacidade, em modernização e atualização tecnológica e também no aumento das equipes necessárias para fazer a manutenção e a prevenção, que é tecnologia, são as equipes para fazer a restauração de emergência. Evidente que essas emergências acontecem quando há mais stress. Dizem as estatísticas que só em São Paulo as equipes para atendimentos às emergências foram reduzidas em mais de 30%. É por isso que o tempo médio de atendimento, por exemplo, nos últimos cinco anos, passou de seis para quinze horas em média, o que é extraordinariamente alto”, apontou.

“Redução dos quadros e de empresas contratadas – porque é tudo terceirizado – faz com que o tempo de atendimento aumente. Insuficiência de equipes faz com que os atendimentos demorem”, denunciou Ildo.

Tarifas subiram e serviço piorou

“Esse tempo de correção não precisaria existir se as providências estruturais fossem tomadas. Significa que se tivéssemos uma rede adequadamente modernizada tecnologicamente, adequadamente expandida, para atender a carga máxima, que acontece geralmente em período de verão, se a manutenção preventiva fosse feita, essas emergências não aconteceriam. Passamos, na região metropolitana, de dez mil desligamentos por ano para trinta mil nos últimos cinco anos”, denunciou.

Ildo Sauer lembrou que “com as privatizações prometeu-se que as tarifas iam baixar e a qualidade ia aumentar”. “As tarifas, desde as reformas neoliberais, expandiram quase 200% acima da inflação e a qualidade tem se deteriorado. O Brasil precisa repensar o modelo, porque o país precisa de energia para melhorar a vida das pessoas, para a economia crescer e se reindustrializar. Isso que está acontecendo, que aconteceu no ano passado, e esses episódios de agora em São Paulo, mostram que essa estrutura será um empecilho à retomada do crescimento e à reindustrialização.

Assista a entrevista na íntegra:

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