Dois olhos, dois ouvidos e uma boca só: Fórum revive a função social da reportagem

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Segundo a teoria, a Comunicação acontece quando se consegue atingir no Outro aquilo que se almeja. Em meio à chuva de notícias, permanece a carência de pautas realmente significativas. A demanda por organização das mídias reaparece, mas desta vez, requer uma forma horizontal e democrática, capaz de ampliar horizontes aos novos espaços e atores da vida cotidiana – que surgem preenchendo necessidades, cobrindo lapsos sociais

por Marília Arantes

Questionando a força em moldes tradicionais da imprensa brasileira, as discussões do I Fórum de Mídia Livre, realizado entre os dias 14 e 15 de junho, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), voltaram-se às idéias capazes de re-ligar a Comunicação a sua função democrática e social: a percepção da realidade.

Estruturalmente, o problema volta- se à formação de educadores para a mídia livre. A Educação, fonte da crítica, continua a ser uma lacuna brasileira. Mas se liberdade e autonomia andam de mãos dadas, como fazer horizontal o acesso à informação numa sociedade de desigualdades, em que a ditadura da grande mídia caminha ao lado do conservadorismo?

Durante a quarta des-conferência do Fórum, acerca da ‘Formação para a Mídia Livre’, falou Evandro Vieira Ouriques, professor da Escola de Comunicação – ECO – da UFRJ: “a mídia só é livre quando a mente é livre”. Criticando o jargão “dar a voz” como resquício de paternalismo no Brasil, Ouriques mostrou que a questão está em “encontrar a voz” para que indivíduos e grupos possam falar por si, da sua realidade e experiência. A vontade de se representar é o motor de criação de uma mídia contra-hegemônica e as relações de confiança e generosidade tornam-se necessárias. Para ele, essas são “a base da construção horizontal de agregadores de transformação”.

Porém, de acordo com as discussões do Fórum, nota-se que a livre iniciativa ainda não se libertou do Estado. Esse tradicional companheiro dos Cidadãos Kane brasileiros ainda privilegia o quarto poder por meio de publicidade institucional e incentivos.

Mas o fato incrível, trazido pelo mundo digital e sociedade da informação, é que, de forma paralela, mesmo sem tomar o poder das mãos do Establishment, os midialivristas podem fazer das novas ferramentas de publicação colaborativas, suas formas de dizer e de serem escutados. Porém, esse “mercado” ainda precisa ser consolidado. No espaço livre de concessões, ativistas enfrentam a luta por acesso à informação. Nesse caso, o Estado ainda é imprescindível para que tal direito seja garantido.

Exemplo da política pública atual, o Programa Profuncionários do Ministério da Educação, busca por meio da implementação de servidores e equipamentos em escolas públicas, dar foco à educação básica e aos cursos de capacitação à comunidade. Tal iniciativa, associada a movimentos como o Educom, pode criar espaços para as rádios livres nas escolas, por exemplo. No entanto, embora seja inovador, o projeto peca pela falta de instrumentalização prática dos educadores e orientação dos alunos. Outro problema apontado é o da falta de continuidade do programa.

“Não há educação crítica sem leitura crítica da mídia e sem sua instrumentalização”, afirmou Zilda Ferreira, da Rede Edu-Comunicação. E acrescentou: “É preciso romper com o discurso autoritário que está impregnado, trazendo à tona a capacidade de ouvir, no seu mais profundo sentido”.

Enquanto isso, o paradoxo: rádios comunitárias continuam com estigma de pirataria. Protegidos pelas leis brasileiras de comunicação, os interesses da ANATEL e das rádios comerciais outorgam responsabilidade à Polícia Federal, para que se prossigam as batidas de apreensão a equipamentos. Com isso, os fazedores de mídia comunitária continuam sendo afrontados como se cometessem um “crime hediondo”.

Muitas vezes (e naturalmente), assistidas pelo tráfico nas favelas do Rio de Janeiro, rádios comunitárias em atividade podem contribuir para uma reportagem livre e isenta da visão tradicional. Dessa forma são retratadas as diversas gamas de realidade produzidas pela desigualdade no Brasil. O preconceito é míope, surdo e mudo.

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