O desmonte da cultura paulista
Publicado 12/12/2011 às 19:38
Pelo menos para a cultura, o modelo de OS (Organização Social) está falido. Que o controle social se dê de outra forma. Será a única maneira de poupar a cultura paulista de esbirros autoritários, das suscetibilidades do universo cultural e do amadorismo de sucessivos secretários
Por Luis Nassif
Grupo de empresários paulistas financia programa de aprimoramento do ensino no estado, bancando consultoria da McKinsey.
Esse apoio só foi possível depois da entrada do governo Alckmin e da nomeação do Secretário Herman Voorwald. Na era Serra o governo tornou-ser totalmente impermeável a qualquer interação com a sociedade civil – até com empresários.
Mais que isso, o novo secretário conquistou a confiança dos empresários com ideias claras sobre educação, participação e formação dos alunos.
Faço essa introdução como contraponto ao que está acontecendo na área da Cultura.
O modelo de OS (Organização Social) foi completamente deturpado no setor. E o estilo Serra na prefeitura e no estado – ao contrário do que ocorreu na Saúde – seguiu a mais atrasada herança política brasileira: a terra arrasada sobre as estruturas já existentes.
Sob a inspiração de Cláudia Toni – que conquistou fama de terrível no meio cultural -, o primeiro Secretário de Cultura de Serra, João Sayad, desmontou a parte musical do estado. Não ficou pedra sobre pedra. Aliás, nem na Fundação Padre Anchieta, onde Toni teve a ousadia de demitir Julio Medaglia – uma notável unanimidade. Voltou atrás, depois, por decisão do governo do estado.
Outras pessoas a quem o estado devia enormes conquistas foram remoidas do cargo com humilhação. Foi assim com o maestro John Neschiling, da OSESP, com o maestro Neves, do Conservatório de Tatuí, Clodoaldo Medina, da Escola Livre de Música Tom Jobim.
Não apenas foram demitidos – alguns por carta, como Neves, que havia transformado Tatuí em referência nacional de música -, como, em muitos casos, recorreram-se a ataques sibilinos, insinuações sobre a seriedade das pessoas.
Procedeu-se à substituição das OSs sem nenhum critério. A Escola Livre de Música foi entregue à Universidade Santa Marcelina que, embora reputada, é concorrente. Ambas, a Tom Jobim e a Santa Marceliina, disputam o mesmo universo de alunos.
No início, Cláudia pretendia juntar todas as orquestras de São Paulo – Jazz Sinfônica, Orquestra Jovem – sob uma mesma formação. Embora filha do respeitado e querido maestro Oliver Toni, a ânsia da “refundação” era tamanha que sequer levou em consideração as diferenças de formação, estilo e gosto dos músicos de cada orquestra.
Essa loucura não prosperou, mas entregou-se a Jazz Sinfônica para a Organização Social de Cultura Associação Paulista de Amigos da Arte, que jamais teve experiência prévia na administração de orquestras.
A administração de orquestras exige formação especial e experiência prévia. Envolve egos, logística, viagens, programação. Abriu-se mão do principal gestor de orquestras do país, Clodoaldo, meramente pelo desejo da “refundação”.
Não apenas isso.
Foi encomendado um diagnóstico para quatro universidades, que dividiram a formação musical em inclusão social, formação técnica (do instrumentista) e formação superior (com orquestração, história da música etc). A primeira etapa seria do Projeto Guri (tirando da politização imposta na gestão Mendonça); a segunda, dos conservatórios; a terceira, das universidades.
Na prática, foi um desmonte. Pegou-se o notável Conservatório de Tatuí, que dava formação técnica aos alunos, e lotou-se o currículo com matérias teóricas próprias de curso superior. Nem cuidaram de analisar as expectativas dos alunos.
O resultado foi a redução significativa do número de alunos.
Agora, no seu curto interinato, Andréa Matarazzo planeja uma nova “refundação”. Pretende tirar as orquestras da Associação Paulista de Amigos da Arte e entregá-las ao Instituto Pensarte, que jamais administrou uma orquestra. Todo o tempo perdido no aprendizado da APAA é jogado fora, todos os músicos são despedidos, para serem recontratados por uma nova OS e começa-se tudo de novo.
O governador Alckmin, que conseguiu avançar na Educação, precisa voltar os olhos para a cultura do Estado.
Pelo menos para a cultura, o modelo de OS está falido. Dia desses conversei com um desanimado músico de orquestra paulista. A única coisa que pedem é uma estrutura que não atrapalhe, que dê conta da parte administrativa sem a descontinuidade dos últimos anos, nesse amadorismo da “refundação” permanente”.
Que o controle social se dê de outra forma. Cada orquestra volte a ter sua personalidade jurídica própria, submetida a um conselho de notáveis que representem os olhos da sociedade civil. Será a única maneira de poupar a cultura paulista de esbirros autoritários, das suscetibilidades do universo cultural e do amadorismo de sucessivos secretários.
é muito bom quando pessoas que conhecem o assunto podem esclarecer…Muito bom Evelyn Levy
Prezado Nassif, gostaria que você e seus leitores considerassem algumas questões referentes à organizações sociais na área the Cultura. Muitas das questões referidas acima poderiam ter acontecido caso essas instituições estivessem sob a administração direta: reestruturações, fusões, destituição de diretores (são cargos comissionados na administração direta). Entretanto, sendo gerenciadas por OSs, essas organizações passaram a poder contratar e comprar com a mesma flexibilidade que as organizações sob o direito privado, embora sejam supervisionadas, constantemente, pelo poder público. Isso significa que se tornou muito mais fácil contratar um bom músico, uma boa bailarina, que os concursos públicos, com sua preocupação de absoluta objetividade (que faz sentido em outros campos de atividade) não conseguem fazer. O controle público também tornou-se maior. As OSs permitem associar recursos privados aos recursos públicos de maneira transparente ampliando o alcance dessas instituições. Há mazelas que precisam ser superadas e que atribuo à novidade do modelo e a à relatividade imaturidade administrativa e gerencial das organizações the área the cultura. O republicanismo também tem que se fortalecer. Fico com seu último parágrafo: o fortalecimento e aperfeiçoamento do controle social.
Caro Nassif,
e este exemplo da área musical é apenas um dentre vários. A administração de toda a área cultural no estado de São Paulo está sujeita aos arbítrios políticos das nomeações que realocam não os amigos da cultura, mas sim os amigos do PSDB. Com tais arbítrios, muitas vezes trocam-se equipes inteiras de certas instituições sem que haja nenhuma justificativa razoável. Ou seja, o problema não atinge somente notáveis como o John Neschiling e outros, atinge a todos os trabalhadores da área cultural.
A rede de instituições culturais em São Paulo, mesmo que se possa acusar a falta de um projeto grande e de longo prazo por parte do governo estadual, não é nada pequena. Envolve as Oficinas, uma série de Museus com diversas especificidades, os Teatros, as Orquestras, mais recentemente as Fábricas de Cultura, entre outras. Enfim, é uma rede imensa na qual não se realiza concurso público, na qual não se existe algo como planos de carreira definidos, as categorias profissionais não são organizadas, na qual o investimento em qualidade e eficiência da gestão fica a cargo das características individuais de cada dirigente (isto quando há tais características). Parece haver um medo em relação ao que a ideia de funcionalismo público poderia representar na área cultural, em termos de desprestígio da gestão tucana. Fica a impressão de que há um medo de que o mesmo desgaste (justificado) que o governo tucano enfrenta em relação aos professores e profissionais da educação se repetisse na área cultural, e então, barra-se tal desgaste não constituindo de fato um setor público, optando-se pela precariedade de uma gestão que obedece à lógica do privado. Hoje o funcionário de uma instituição cultural no Estado de São Paulo não tem sequer condições de realizar um projeto de médio e longo prazo, pois pode se ver substituído a qualquer momento por uma nomeação que vem do alto escalão do governo. Não é especulação, é algo que tem acontecido com profissionais competentes em diversas instituições. Realizará tal projeto apenas se for um amigo influente de algum secretário ou mesmo do governador, e ainda assim com ressalvas em relação ao horizonte político. O curioso e digno de nota é que o então candidato José Serra, diante do “caso Erenice Guerra”, não se cansou de dizer durante o pleito de 2010 que “era um verdadeiro amante dos concursos públicos”, que se dependesse dele, haveria concurso para todas as áreas da gestão pública. Foi de fato o tributo que vício paga à virtude, esta declaração hipócrita do ex-governador.