As perspectivas do Brasil na Nova Rota da Seda

Em novembro, o país debaterá com a China adesão à parceria estratégica. Em ano de meio século das relações diplomáticas entre os países, Lula pede cooperação para além da exportação de commodities, com a troca tecnológica. A fala reverbera em Pequim

Foto: Ricardo Stuckert / PR
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Por Iara Vidal, na Revista Fórum

O Brasil quer conversar com a China para aderir à Iniciativa Cinturão e Rota, a Nova Rota da Seda. Nessa conversa, segundo o presidente Lula, o objetivo é saber em qual posição os brasileiros vão jogar. “Nós não queremos ser reserva, nós queremos ser titular”.

A afirmação com trocadilho com expressão do futebol foi feita pelo presidente brasileiro durante entrevista concedida a jornalistas estrangeiros no dia 22 de julho, em Brasília (DF). Essa fala repercutiu muito entre os chineses.

Lula informou ao grupo de correspondentes que se reuniram no Palácio do Planalto que participará da reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec) entre os dias 14 e 16 de novembro. Durante esse encontro, a China quer debater com o Brasil o ingresso do país à Nova Rota da Seda.

“A Apec é o Encontro dos Países do Pacífico. O Brasil nunca foi convidado, mas dessa vez eu fui convidado. Aí me disseram que a China quer discutir comigo a Rota da Seda. E eu quero discutir com a China a Rota da Seda. Eu quero saber aonde é que a gente entra, que posição nós vamos jogar, porque nós não queremos ser reserva, nós queremos ser titular”, disse Lula.

A Apec, sigla para Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, é um fórum que reúne 21 economias da região do Pacífico, com o objetivo de promover o livre comércio e a cooperação econômica. Foi estabelecida em 1989 para melhorar o crescimento econômico e a prosperidade na região, além de fortalecer a comunidade asiática e do Pacífico. Esta é a primeira vez que o Brasil foi convidado para o evento.

O grupo trabalha para quebrar barreiras comerciais na região da Ásia-Pacífico, criando mercados eficientes e reduzindo custos de comércio, o que é feito por meio do alinhamento regulatório e outras medidas. Também se dedica a facilitar o desenvolvimento econômico e a aumentar a integração econômica entre seus membros.

As reuniões da Apec, que ocorrem regularmente, são fundamentais para discutir estratégias e implementar acordos que promovam uma integração econômica mais profunda entre os países membros. A próxima reunião em Lima, capital do Peru, servirá como uma plataforma para essas discussões, focando em questões de comércio, investimento, sustentabilidade e cooperação econômica.

“Um golaço”, diz diplomacia chinesa

A fala de Lula atravessou o planeta e foi um dos assuntos da coletiva regular de imprensa realizada pelo Ministério das Relações Exteriores da China nesta quinta-feira (25), em Pequim.

Ao ser questionada pelo jornalista do jorrnal chinês Global Times sobre a fala de Lula, a porta-voz Mao Ning também recorreu a uma expressão do futebol para expressar o contentamento da China com a perspectiva do Brasil aderir à Nova Rota da Seda.

“O Brasil é o país do futebol. A China dá as boas-vindas ao Brasil para se juntar à família do Cinturão e Rota o mais rápido possível e espera pelos destaques do Brasil na cooperação do Cinturão e Rota”, afirmou.

Mao destacou ainda que China e Brasil são grandes países em desenvolvimento, economias emergentes importantes e parceiros estratégicos abrangentes um do outro. A China atribui grande importância à sua relação com o Brasil e essa relação sempre foi uma prioridade na diplomacia chinesa.

“A China está pronta para aproveitar o 50º aniversário das relações diplomáticas como uma oportunidade para trabalhar por uma maior sinergia entre a Iniciativa Cinturão e Rota e as estratégias de desenvolvimento do Brasil, como a Nova Indústria Brasil, e para uma cooperação prática de alto nível e alta qualidade em todos os aspectos entre os dois países, de modo a beneficiar melhor os dois povos e contribuir mais para o desenvolvimento e prosperidade do mundo”, finalizou a porta-voz.

O pesquisador brasileiro que mora em Pequim, Filipe Porto, compartilhou o vídeo legendado em português da declaração de Mao sobre a perspectiva de o Brasil aderir à Nova Rota da Seda.

Parceria estratégica ampliada

Lula conversa com jornalistas estrangeiros. Foto: Ricardo Stuckert

Durante encontro com os correspondentes estrangeiros nesta semana em Brasília, a primeira pergunta foi feita pelo representante da agência de notícias chinesa Xinhua, Chen Weihua.

Chen perguntou a Lula a avaliação dele sobre o desenvolvimento das relações China-Brasil durante esses 50 anos e as expectativas para a cooperação amistosa entre os dois países nos próximos 50 anos.

Lula destacou o meio século de relações diplomáticas e comerciais entre o Brasil e a China e antecipou que haverá uma grande celebração.

“Nós queremos fazer uma grande festa aqui no Brasil porque o presidente Xi Jinping vai vir em uma visita oficial e nós pretendemos discutir com os chineses uma nova parceria estratégica entre o Brasil e a China”, adiantou Lula.

O presidente brasileiro afirmou ainda que vai trabalhar por uma parceria estratégica sino-brasileira que envolva não apenas exportação de commodities, mas que também cooperação em ciência, tecnologia e a produção de chips e software, e que torne a relação Brasil-China “infinitamente maior” e mais próspera e que possa gerar empregos nos dois países.

“Eu estou muito otimista com essa visita do presidente Xi Jinping e estou muito otimista com a reunião do G20. A China é um grande parceiro do Brasil”, ressaltou Lula.

Atuação do Brasil pela China na OMC

Lula relembrou que durante o seu primeiro mandato presidencial (2003-2006) o seu governo reconheceu a China como economia de mercado, no cenário de ingresso do país asiático à Organização Mundial do Comércio (OMC).

“Não foi uma tarefa fácil aqui no Brasil porque muita gente não queria que eu reconhecesse a China como economia de mercado. E eu reconheci a China como economia de mercado porque eu queria colocar a China dentro da OMC. Eu não queria que ela ficasse agindo de forma paralela”, recordou.

A China ingressou na OMC no dia 11 de dezembro de 2001 e se tornou o 143º membro da organização. Naquela ocasião, a potência asiática concluía uma etapa importante no processo de reforma e abertura iniciado em 1978, sob a liderança de Deng Xiaoping.

Para Lula, a atitude do seu governo de apoiar a China na OMC foi acertada, pois trouxe o país para o centro das discussões. 

“Hoje, embora você possa dizer que a China é um país socialista, você possa dizer que a China é um país que tem um partido único, a verdade é que a China fez com que o capitalismo fosse utilizado em benefício de 1 bilhão e 400 milhões de pessoas. O crescimento da China é inegável. Ninguém pode reconhecer, pode não concordar, mas ninguém pode deixar de reconhecer o que a China fez nesses últimos 30 anos e 40 anos no mundo”, destacou o presidente.

Contra uma nova Guerra Fria

Lula ressaltou que a China é um parceiro que o Brasil valoriza e com o qual sempre terá uma relação privilegiada porque interessa estrategicamente aos dois países.

“Nós somos contra a nova Guerra Fria. Ou seja, nós queremos que haja liberdade comercial, haja liberdade diplomática entre os países e não queremos ninguém tentando controlar outros países”, explicou

O presidente traçou uma linha do tempo do progresso chinês no mercado internacional. Relembrou de nos anos 1980 muitos empresários dos EUA e da Europa, por exemplo, acharam que era importante fazer investimento na China para tirar proveito da mão de obra de salário muito baixo. Naquele período havia uma enxurrada de mercadorias chinesas à venda.

“O que a China fez? A China aprendeu a fazer. A China formou milhões de engenheiros, milhões de especialistas e a China passou a produzir melhor do que os países que estavam donos das empresas lá. E hoje a China produz tanto ou mais do que os outros países numa demonstração de que o Brasil tem que aprender. O Brasil pode aprender com a China. Como é que a China conseguiu em tão pouco tempo dar o salto de qualidade que deu na questão comercial?”, afirmou.

Desenvolvimento extraordinário da China

Lula fez uma provocação aos jornalistas estrangeiros durante a coletiva: escolher qualquer cidade da China para constatar o desenvolvimento e crescimento extraordinários alcançados pela potência asiática.

“Eu não sei se vocês já visitaram a China, mas quem for à China, qualquer cidade, escolha qualquer cidade que você vai ver que o desenvolvimento é extraordinário, o crescimento é extraordinário. Às vezes é até difícil da gente imaginar como é que conseguiram em tão pouco tempo fazer aquilo. Mas esse é um fato real”, contou.

Lula ressaltou que, nesse contexto de progresso da China, considera o país um parceiro essencial na luta para o crescimento econômico e para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil.

Aliança contra a pobreza e a fome

O jornalista da Xinhua questionou ainda Lula sobre o trabalho do Sul Global a partir do Brasil como sede da cúpula dos líderes do G20 deste ano e do lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza.

Com o Brasil na presidência do G20, o presidente Lula lançou nesta quarta-feira (24) a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa global para implementação de ações e políticas públicas para o combate à desigualdade social.

Lula destacou que a China é essencial para fazer um combate à fome e repetiu uma frase que sempre fala: “na hora que você coloca o pobre no orçamento, você está colocando a fome. E nós, em apenas um ano e seis meses, já tiramos 24 milhões de pessoas do mapa da fome. É possível fazer”, disse.

“A grande contribuição é cada país acabar com a fome no seu país. E depois, o que sobrar, todo mundo se junta para ser solidário e resolver o problema. É isso que eu espero que a gente tenha com a China, para que a gente possa fazer mais 50 anos ou 100 anos de relações altamente positivas”, finalizou Lula.

Em 25 de fevereiro de 2021, em plena pandemia da Covid-19, o governo chinês anunciou que a pobreza extrema havia sido abolida na China, um país de 1,4 bilhão de habitantes. Essa vitória histórica é o ápice de um que começou com a Revolução Chinesa de 1949. As primeiras décadas de construção socialista lançaram as bases que foram aprofundadas durante o período de reforma e abertura.

De acordo com o estudo Servir ao povo: a erradicação da pobreza extrema na China, produzido pelo Instituto Tricontinental, Durante esse tempo, 850 milhões de chineses foram retirados e se retiraram da pobreza; ou seja, 70% da redução total da pobreza no mundo ocorreu na China.

Na fase mais recente, que começou em 2013, o governo gastou 246 bilhões de dólares para construir 1,1 milhão de quilômetros de estradas rurais, levar acesso à internet a 98% dos vilarejos pobres do país, reformar casas para 25,68 milhões de pessoas e construir novas moradias para outras 9,6 milhões.

Desde 2013, milhões de pessoas, empresas estatais e privadas e amplos setores da sociedade foram mobilizados para garantir que – apesar da pandemia – os 98,99 milhões de pessoas restantes da China em 832 condados e 128 mil vilarejos saíssem da pobreza absoluta.

Confira aqui a íntegra da entrevista de Lula.

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