Agroecologia: uma nova proposta a Lula

Camponeses apresentam um Plano Nacional para reorientar a produção de alimentos no país. Propõem orçamento robusto para fortalecer redes cooperativas. Incentivos à assistência técnica. E ações efetivas no combate à crise climática e fome

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Por Cristiane Sampaio, no Brasil de Fato

A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) apresentou na terça-feira (19) ao governo Lula um conjunto de propostas voltadas à construção do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) 2024-2027, instrumento que deve orientar a rota do Estado brasileiro na área pelos próximos anos. A organização sugere ações relacionadas aos temas da emergência climática, do combate à fome, da promoção da saúde e medidas que associem todas essas abordagens, de forma a promover o bem comum no país.

As propostas foram apresentadas durante a reunião de retomada da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), instância de participação da sociedade civil no âmbito do governo e cujo objetivo é acompanhar a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), que foi revisada pela gestão no ano passado, 11 anos após sua criação. A ideia é que as sugestões da ANA sejam apreciadas pela Cnapo. A organização pede que o governo Lula priorize o tema a partir de uma perspectiva de combate à fome.

“E a gente acredita que combater a fome não é só dar qualquer comida, qualquer alimento, como ultraprocessados. A produção de alimentos precisa ser de uma alimentação saudável, na quantidade certa, na qualidade ideal. A agroecologia se propõe a produzir o que a gente chama de ‘comida de verdade’ porque são alimentos naturais, que preservam a vida, a natureza e a vida das pessoas, então, é uma forma de combater a fome imediatamente”, afirma a cientista social Sarah Luiza Moreira, integrante do Grupo de Trabalho (GT) de Mulheres da ANA e suplente da Cnapo.

Uma das demandas da organização é que o governo designe orçamento próprio voltado a políticas do setor para o próximo quadriênio. “Orçamento para a área de agroecologia significa inovar na hora de desenhar as políticas públicas, porque muitas vezes você tem políticas que têm nominalmente a ideia de agroecologia, mas trazem uma concepção muito convencional. Não adianta você colocar um rótulo de agroecológico. Na prática, isso significa [que queremos] orçamentos que fortaleçam a capacidade de organização dos movimentos, das redes, das organizações nos territórios”, sublinha o engenheiro agrônomo Paulo Petersen, representante da ANA na Cnapo.

O segmento de defesa da agroecologia trava uma disputa político-ideológica com o agronegócio, geralmente mais voltado para produções em larga escala e com mercados consumidores de longa distância. A ANA defende que, para incentivar o primeiro, é preciso estimular diferentes iniciativas. “É fortalecer os sistemas alimentares de base territorial que aproximem a produção do consumo, é construir um outro tipo de economia, com circuitos curtos de comercialização, com uma produção baseada na biodiversidade, e isso depende de atores nos territórios. Então, uma política de agroecologia é aquela que tem o Estado junto com a sociedade construindo sistemas agroalimentares mais localizados, mais territorializados.”

No documento apresentado à Cnapo, a ANA elenca para o Planapo propostas de políticas públicas como, por exemplo, assistência técnica para a agricultura familiar; disseminação de iniciativas como as casas de sementes, nas quais se produzem e armazenam sementes crioulas; priorização de demandas apresentadas por territórios em detrimento das que são colocadas por bancos e financiadoras; ampliação de políticas que fortaleçam os agroecossistemas e culturas produtivas segundo a realidade de cada local e bioma; fiscalização efetiva do Estado no que se refere ao uso de agrotóxicos no país; retomada urgente do Programa Nacional de Redução de Uso de Agrotóxicos (Pronara), entre várias outras.

As medidas propostas partiram de movimentos, entidades, redes e outras organizações que compõem a ANA e que foram discutidas ao longo do segundo semestre do ano passado. “Foi um processo descentralizado de debate com vários atores da sociedade civil que se articulam no plano agroecológico. Nós listamos, em todo o Brasil, as propostas que são consensuais dentro do segmento. Como a política nacional e a Cnapo estão sendo retomadas, a gente entende que deve dar a nossa contribuição nessa discussão”, afirma a secretária-executiva da ANA, Flavia Londres.  

Governo

O secretário-adjunto da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas, Marcelo Fragozo, que representou a Secretaria-Geral da Presidência (SGP) durante a reunião em que as sugestões foram apresentadas, disse ao Brasil de Fato que as propostas da ANA serão avaliadas e posteriormente discutidas com diferentes instâncias da gestão Lula.

“Vamos levar essas provocações para o governo, trazer os órgãos de governo à mesa de diálogo para fazer uma concertação de programas, objetivos, metas orçamentárias, prioridades. Nós temos um esforço relacionado ao cobertor curto: os problemas são muitos e os recursos são limitados. O nosso desafio, então, é justamente promover esse diálogo com a sociedade civil, decidir o que precisa ser construído primeiro e construir força dentro do governo para a ideia de que a agroecologia não é um tema setorial, e sim que pode ser vista como tema estruturante da nossa visão para o rural brasileiro.”

Legislativo

A luta civil por um fortalecimento das políticas de agroecologia se coaduna com iniciativas gestadas em defesa da pauta em outras frentes. É o caso do Projeto de Lei (PL) 3904/2023, de autoria do deputado federal Valmir Assunção (PT-BA), que converte a Pnapo em política de Estado. A medida foi instituída por um decreto federal no primeiro governo Dilma (2011-2014), mas depois foi interrompida pela gestão Temer (2016-2018). O autor do PL afirma que a eventual aprovação da proposta favoreceria o financiamento da política, garantindo sua existência de forma permanente na máquina estatal.

“Uma vez que o decreto vira política de Estado de forma mais institucionalizada, passa a ser tarefa do Estado, e não somente do governo em exercício, a execução da política. Uma vez aprovado, o orçamento [público] deve contemplar o que é política de Estado”, afirma o parlamentar. O texto do PL prevê a garantia de ações como linhas de crédito especiais para a produção de base orgânica e para o extrativismo sustentável, captação de recursos em fontes internacionais e nacionais através de empréstimos, doações, além de outras iniciativas. O texto tramita atualmente na Câmara dos Deputados, onde aguarda votação na Comissão de Agricultura.

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