2021: para ano incendiário, orçamento fictício

Congresso começa a voltar hoje a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2021. Em pandemia, caem recursos para Saúde, Educação e Ciência. Seguro-desemprego e bolsa-família não crescem. Governo tenta impor de novo o “ajuste fiscal”

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Por Viviane Tavares, na EPSJV/Fiocruz

Era 31 de agosto, último dia de envio da Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para o Congresso Nacional, quando o Ministério da Economia enviou a proposta para 2021. Nesta data, chegava a 120.935 a quantidade de mortes por Covid-19, segundo o Consórcio Brasil – números que, apesar de impactantes, parecem não ter sido considerados na proposta orçamentária, segundo pesquisadores ouvidos nesta reportagem. “O orçamento me parece fictício, ou seja, o que está escrito não dá cabo dos desafios que estão por vir no ano”, avalia o especialista em finanças públicas e ex-diretor da instituição fiscal independente do Senado Federal, Rodrigo Orair, que exemplifica: “O seguro desemprego está em um valor muito parecido com o de 2019, mas quem imagina que nós vamos sair desse cenário e a geração de emprego vai se dar tão rápida? Dá a impressão de que não, mas o Bolsa Família está com um pequeno crescimento só em relação ao ano passado. Quem imagina que a gente vai sair dessa pandemia e a fila do Bolsa Família não vai aumentar?”. Para Orair, para dar conta dessa complexidade serão necessárias, portanto, muitas medidas de caráter extraordinário. “Possivelmente, algumas medidas extraordinárias vão ser lançadas, como a redução de jornada de trabalho, de salários dos servidores públicos e/ou o congelamento de salários”, especula e conclui: “O fato é que é o orçamento como está hoje não é crível. É um orçamento que é inaceitável e terá como solução possivelmente a aprovação da PEC 188”.

Proposta para 2021

Para entender o orçamento é preciso compreender o caminho que ele faz. O orçamento é o instrumento que planeja a utilização do dinheiro arrecadado pelo Governo Federal por meio de impostos, taxas, contribuições, entre outras fontes. Portanto, ele deve sempre estimar as receitas arrecadadas e as despesas a serem efetuadas, a partir das suas prioridades políticas. Esse ano, por exemplo, as áreas que tiveram seus investimentos elevados foram a defesa com R$ 116,127 bilhões (aumento de 16,16%), Agricultura, Pecuária e Abastecimento que passou de R$ 2,074 bilhões em 2020 para R$ 2,417 bilhões em 2021 (aumento de 16,53%) e, em destaque, Minas e Energia, de R$ 1,011 bilhão em 2020 para R$ 5,067 bilhões em 2021 (aumento de 401%).

O processo de planejamento é complexo, mas, no geral, envolve três principais etapas, que são a aprovação da Lei do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA). Essas propostas do Poder Executivo são enviadas ao Congresso Nacional, que pode retirar ou alterar valores previstos para diferentes áreas. O PPA abrange um período de quatro anos, já a LDO traz as metas e prioridades do PPA, e a LOA detalha os recursos financeiros que serão aplicados. Ambas são aprovadas anualmente.

Na mensagem presidencial enviada junto à proposta da LOA de 2021, os parâmetros para a elaboração do orçamento do próximo ano deixavam claro seu plano de ação: “as políticas de proteção social têm sido fundamentais para a resiliência da economia. Mesmo diante da perda substancial de empregos e redução de salários, as políticas adotadas, tais como o auxílio emergencial e o benefício emergencial de preservação do emprego e da renda (Lei nº 14.020/2020), conseguiram proteger os mais vulneráveis e têm reduzido o efeito negativo da pandemia no emprego dos brasileiros. Logo, mesmo com o prolongamento do isolamento, as medidas adotadas contiveram o aprofundamento da crise”, informa a nota, que completa: “Deve-se destacar, todavia, que tais políticas são um escudo importante de proteção à população e às empresas para esse período de crise, mas não são um estímulo sustentável no longo prazo. (…). Ou seja, embora se faça necessária a elevação dos gastos públicos para o combate aos efeitos da pandemia através do fortalecimento do setor da saúde, proteção das famílias e limitação da deterioração financeira das empresas, o objetivo de médio prazo da política econômica continua mantido: consolidação fiscal e correção da má alocação de recursos (misallocation). Essas medidas se tornarão fundamentais, assim que o País superar essa onda que abala todo o mundo”.

As reações contrárias foram diversas. Setores da educação, como o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), manifestaram em nota a preocupação com os cortes do investimento para o ensino superior e educação profissional, que poderiam inviabilizar o custeio e os investimentos das universidades e institutos federais, segundo o texto.

Em entrevista ao jornal O Globo no mês de setembro, o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) declarou que o corte de 5,3% em relação ao ano anterior previsto no Projeto de Lei Orçamentária pode levar a um cenário no qual o Conselho não terá dinheiro para pagar as 80 mil bolsas vigentes. Por uma iniciativa do Conselho Nacional da Saúde, está circulando uma petição pública que reivindica a manutenção do orçamento emergencial da saúde.

De maneira geral, se o PLDO for aprovado do jeito que está, a Educação passará de  R$ 74 bilhões em 2020 para R$ 70,6 bilhões em 2021, Ciência e Tecnologia, por sua vez,  diminuirá de R$ 3,6 bilhões em 2020 para R$ 2,735 bilhões em 2021 e a saúde de R$ 159,17 bilhões em 2020 para R$ 123, 83 bilhões em 2021.

‘O SUS merece mais em 2021’

Esse é o título da petição pública que foi uma das primeiras manifestações contra o orçamento na área da saúde, liderada pelo Conselho Nacional de Saúde. O CNS afirma, no documento, que o Sistema Único de Saúde (SUS) perdeu R$ 22,5 bilhões a partir de 2018, quando as novas regras de cálculo da Emenda Constitucional 95/2016, que instituiu um teto de gastos, passaram a valer. “Os efeitos negativos da EC 95/2016 estão presentes no gasto em Saúde por pessoa, que caiu de R$ 594 (em 2017) para R$ 583 (em 2019). O cálculo em porcentagem da receita corrente líquida também caiu de 15,77% para 13,54%, e só estamos no terceiro ano posterior à aprovação deste deletério dispositivo”, resume.

Já o orçamento de 2021 prevê quase o mesmo montante de 2019, que foi de R$ 122,6 bilhões. Para o economista e consultor da Comissão de Financiamento e Orçamento do CNS, Francisco Funcia, o que está destinado à área de saúde pode ser o começo do fim do SUS. De acordo com ele, a mensagem governamental embutida na proposta de orçamento para a saúde é: ‘muito obrigado, SUS, você foi muito importante no combate à pandemia, mas para nós o que interessa é garantir os recursos para pagar as dívidas, porque a partir de agora, de 2021, nós vamos tirar de vocês R$ 35 bilhões que foram usados adicionalmente em 2020 e em 2021 vocês vão ter  mesma coisa de 2019’, ilustra.

Funcia afirma que os recursos seriam insuficientes mesmo em um cenário sem pandemia. “Nós estamos em um processo de desfinanciamento do Sistema Único de Saúde após a Emenda Constitucional 95. É muito importante que se compreenda que a emenda é prejudicial para a saúde porque, ao estabelecer um total das despesas primárias, acaba estabelecendo uma espécie de subteto para as áreas setoriais”, relembra. A petição do CNS completa o raciocínio do pesquisador: “É grave a situação que se projeta para 2021 com a volta da regra da EC 95/2016, estabelecida pelo governo no PLDO 2021. Para o próximo ano, o SUS precisa lidar com o contexto de pós-pandemia sem uma vacina estabelecida e aprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). E, mesmo diante desta inovação, o SUS precisará ter orçamento para a aquisição deste insumo e atenuar a demanda reprimida de 2020 decorrente do adiamento de cirurgias eletivas e exames de maior complexidade, bem como das consequências da interrupção do tratamento de doenças crônicas que estão sendo noticiadas. Não podemos permitir uma redução ainda maior no orçamento da Saúde”, diz o texto.

A petição indica ainda duas iniciativas que seriam cruciais: a primeira é a garantia de que o PLDO 2021 contemple para o Ministério da Saúde um piso emergencial como um orçamento mínimo no valor de R$ 168,7 bilhões. Esse montante corresponde ao que estabelece a LOA 2020 adicionado dos créditos extraordinários e variações anuais do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 2,13%, e da população idosa, de 3,8%. Além disso, o texto defende a revogação da EC 95, com a sugestão de implementar uma outra regra de controle das contas públicas que não impacte as políticas sociais, em especial, a saúde.

Funcia informa que o SUS passou do subfinanciamento para o desfinanciamento com a vigência da EC 95 e diz que isso está refletido no orçamento de 2021. “O SUS tinha um financiamento insuficiente para dar conta do acesso universal com integralidade, equidade, como estabelece a Constituição Federal de 1988. Naquele momento, quando a gente comparava os recursos alocados para o SUS no Brasil com outros países, percebia que o país tinha muito menos, levando em consideração a proporção do PIB [produto interno bruto]. O financiamento era insuficiente para atender o que a Constituição estabeleceu, que era a saúde como um direito de todos e dever do Estado. O que aconteceu a partir da Emenda 95 é que o subfinanciamento foi agravado como desfinanciamento porque você está retirando recursos”, analisa.

O pesquisador chama a atenção para um marco inédito do orçamento da saúde. Segundo ele, é a primeira vez que a proposta traz um valor praticamente igual ao do piso orçamentário, que é o mínimo obrigatório a ser investido na área. “Tem essa diferença quando a gente fala do piso e do valor da aplicação. Uma coisa são as despesas consideradas como ações do serviço público de saúde, mas há outras que estão fora, como [o salário dos] inativos, entre outros custos. Todas essas despesas ficam de fora e está sem orçamento para elas”.

Orçamento saúde. Fonte: Portal da Transparência e Ministério da Saúde
Foto: Orçamento saúde. Fonte: Portal da Transparência e Ministério da Saúde

Funcia recomenda um olhar atento às subfunções orçamentárias, como a atenção básica: aqui, o orçamento chegou a R$ 27,6 bilhões em 2019 e, na programação orçamentária de 2021, cai para R$ 24 bilhões. O mesmo vale para a  atenção hospitalar ambulatorial:  em 2019 foram empenhados R$ 60,1 bilhões e no projeto atual constam R$ 55,4 bilhões. “É claro que esses valores vão passar por uma revisão quando forem para votação, porque as emendas parlamentares estão computadas em bloco e esses valores mudam”, pondera.

O orçamento não leva em consideração, por exemplo, as despesas decorrentes da depreciação acelerada dos equipamentos e instalações e da reposição de medicamentos e materiais usados para enfrentar a pandemia em 2020, alerta Funcia. Isso sem contar demandas não urgentes do atendimento à saúde que foram postergadas como consultas, exames e cirurgias eletivas; novas demandas de estudos e pesquisas oriundas da Covid-19, reposição de medicamentos e reestruturação do complexo industrial da saúde.

Somado ao orçamento do Executivo, outras questões impactam no valor total de investimento no SUS do próximo ano. A portaria 2979/2019 e a mudança do modelo de financiamento da atenção primária à saúde, que extingue o PAB e condiciona uma parte dos recursos ao número de usuários cadastrados, é uma delas.  Outro ponto é o que cabe ao orçamento impositivo, aprovado pela emenda constitucional 86, de 2015, que obriga o Executivo a liberar até 1,2% da receita corrente líquida do ano anterior para as emendas apresentadas por parlamentares, garantindo que, desse total, 50% tenham que ser aplicados na área de saúde. A princípio parece benéfico, mas o montante do bolo foi retirado do valor total da programação própria tecnicamente elaborada pelo Ministério da Saúde à luz das pactuações na Comissão Intergestores Tripartites, impactando na saúde e, além disso, fica a critério dos parlamentares determinarem para onde destinar esse recurso. “Para você ter ideia dos valores dessas despesas, até 2013, a participação das emendas parlamentares era, em média, de R$ 1 bilhão no orçamento da saúde, se você atualizar para os dias de hoje talvez fosse R$1,5 bilhão, agora nós estamos tendo R$ 7,3 bilhões, estamos falando de algo cinco vezes mais do que era para 2013”, resume Funcia.

“Sem financiamento não se faz ciência”

O cenário de pandemia jogou luz para o sucateamento da área de Ciência e Tecnologia no Brasil. Por isso, em carta enviada aos parlamentares, diversas entidades de educação e pesquisa defendem que “na situação de grave crise sanitária, social e econômica na qual o país se encontra, é fundamental que o orçamento acompanhe o que está sendo feito em todos os países desenvolvidos e destine mais recursos para a CT&I”. Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ressalta ainda que isso é estratégico para o desenvolvimento econômico e social e para garantir a soberania do país.

Ildeu afirma que a área vem sofrendo uma continuada redução de recursos, que já trouxe consequências para o funcionamento das instituições de pesquisa e universidades. Um exemplo é que no final de 2019, o CNPq chegou a suspender bolsas de seus pesquisadores por falta de recursos. Na previsão para 2021, os recursos para o Conselho caíram em 8,3% em relação ao orçamento de 2020.

O caso da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) também não é diferente. Em 2017, o orçamento era de R$ 4,2 bilhões, em 2019 caiu para R$ 3 bilhões. “Por conta da redução de recursos, temos um corte de aproximadamente 10% do valor da bolsa para pós-graduação e de 28% nas bolsas de educação básica, que são importantes para as licenciaturas, para o Pibic [Programa de Iniciação Científica e Tecnológica]”, ilustra o presidente da SBPC. 

Segundo análise de Ildeu, se o orçamento for aprovado como foi enviado pelo governo federal, será 34% menor do que em 2020, totalizando R$ 2,7 bilhões. “Significa um terço do valor de uma década atrás. Nesses dez anos, o número de estruturas no Brasil cresceu muito. O país está formando aproximadamente 20 mil doutores e 60 mil mestres por ano. E essa massa enorme de pessoas qualificadas não está tendo recurso para prosseguir com suas pesquisas, muitas vezes não têm emprego, vão para o subemprego, não estão sendo absorvidos pela máquina pública, que está semiparalisada”, alerta, completando: “E ainda tem um agravo: fica uma defasagem de cérebros para pesquisa porque as instituições de pesquisa públicas estão com muitos servidores para se aposentar  e não estão tendo como renovar o quadro”.

Somado a isso, o país passou ainda por uma pandemia em que o cenário, como ressalta Ildeu, deveria caminhar no sentido contrário, com esforços para financiar mais pesquisas e soluções tecnológicas não só para a área da saúde, mas também para  questões energéticas, ambientais, relacionadas ao clima, prevenção e contenção de desastres, novos produtos farmacêuticos, entre outras frentes. O presidente do SBPC informa ainda que países que investiram em pesquisa em diferentes áreas como China, Alemanha, EUA, Japão, Coreia do Sul, Israel aumentaram significativamente a riqueza do país e a qualidade de vida de sua população. “Eles investem hoje entre 2,5% e 4,5% do PIB em Pesquisa e Desenvolvimento e fazem isso de forma continuada por décadas, enquanto no Brasil esse índice gira em torno de 1% e está diminuindo”, informa Ildeu.

Além do orçamento anual, existem outras fontes de receita  do setor, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado em 1969, e administrado pela Financiadora de Estudos e Projetos
(Finep). Esse recurso, ilustra Ildeu, desde a década de 1970 apoiou a criação e manutenção da maior parte dos laboratórios brasileiros como os da Embrapa, Fiocruz, Coppe, Embraer, entre outros. “Atualmente, na minha interpretação, este recurso está sendo usado para um desvio de finalidade, porque foi recolhido para apoio ciência, tecnologia e inovação, mas é usado pela área econômica para fazer o pagamento de dívidas e outros usos”, avalia.

Orçamento C&T. Fonte: Coalizão Direitos Valem Mais
Foto: Orçamento C&T. Fonte: Coalizão Direitos Valem Mais

Entre as iniciativas de articulação das entidades da área de ciência e tecnologia em relação ao orçamento está a mobilização dentro do Congresso e com a participação da sociedade civil. A Marcha da Ciência, evento realizado pela SBPC, que teve sua primeira edição de forma virtual no mês de maio deste ano, trouxe o sucateamento e as respostas para pandemia como pauta central. A iniciativa, em plena pandemia, mobilizou pesquisadores e instituições de pesquisa em todo o país. Na ocasião, o ministro da Pasta, Marcos Pontes, divulgou nos canais de redes sociais do ministério um vídeo anunciando que o governo aportou R$ 100 milhões em ações relacionadas à pesquisa para combate à Covid-19 e que haviam sido liberados R$ 352 milhões para laboratórios de biossegurança nível quatro e R$ 600 milhões pela Finep para a força-tarefa de combate à pandemia. “Esse ano nós fizemos também o movimento no congresso em defesa do FNDCT, que estava sendo ameaçado de extinção. Elaboramos uma grande campanha no senado e dentro das comissões, entre elas a CCJ. Com isso, a gente conseguiu reverter a posição do governo, pelo menos até agora. Agora estamos lutando para a aprovação de um projeto de lei [PLP 135/2020, do Senador Izalci Lucas] que impede que o FNDCT se transforme em um fundo financeiro, portanto, garante que os recursos fiquem lá acumulados e não sejam retirados pelo ministério da economia, por conta da reserva de contingência e liberação de seus recursos para uso do MCTI em 2021”, resume Ildeu.

Outras iniciativas também estão sendo utilizadas para criar alternativas de financiamento para o setor como, por exemplo, a proposta de destinação de 25% do Fundo Social do Pré-Sal para a área , por meio do projeto de lei 5.876/2016, dos deputados Celso Pansera e Bruna Furlan, ou o PLS 181/2016, do Senador Lasier Martins; e a aprovação da PEC 24/2019, da deputada Luisa Canziani, que exclui do Lei do Teto (EC 95) os recursos próprios das universidades. 

Defesa da educação como direito público

Em tom de manifesto, 16 Frentes Parlamentares do Congresso Nacional e 54 entidades e movimentos ligados à Educação publicaram a nota ‘Defesa da educação como direito público’ no mês de setembro para reivindicar mais recurso e autonomia para a área. De acordo com o texto, a perspectiva de corte de R$ 1,882 bilhão no orçamento das chamadas despesas discricionárias para o setor podem trazer consequências irrecuperáveis a médio prazo. “Para o pós-pandemia, é inimaginável abrir mão de recursos que servirão para a reconstrução do país e para atender às demandas dos estudantes brasileiros já tão prejudicadas por esse ano letivo atípico. A vitória recente da histórica aprovação do Novo Fundeb no Congresso Nacional não nos permite descuidos na defesa da educação”, diz a nota.

O coletivo de parlamentares e instituições indica que, para impedir a deterioração da educação nacional, é necessário “elevar o valor mínimo a ser aplicado em manutenção, investimentos e inversões em educação no PLOA 2021 para, ao menos, o patamar médio do período 2014-2016 (R$ 107,4 bilhões)”. Em 2021, o valor previsto para esses itens, sem gasto com pessoal, está em R$ 70,6 bilhões, uma diferença de  R$ 36,8 bilhões em relação à demanda apresentada pelo manifesto.

De acordo com o professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás Nelson Cardoso Amaral, a educação, assim como as outras áreas abordadas nesta reportagem, vem sofrendo dura queda de investimento. “O dinheiro de pessoal tem um crescimento pífio, na verdade, são as progressões de carreira, as substituições das pessoas que se aposentam. Vale lembrar que, no caso das universidades federais, por exemplo, quando o professores se aposentam, continuam na folha. Então, existe essa perspectiva de crescimento irrisório para dar conta desses elementos. Mas, ao fazer a conta do dinheiro total e subtrair o de despesas obrigatórias, é percebida uma deteriorização das condições educacionais muito forte”.

Orçamento saúde. Fonte: Coalizão de Direitos Valem Mais
Foto: Orçamento saúde. Fonte: Coalizão de Direitos Valem Mais

Ele indica que há um movimento de queda no orçamento de R$ 3,6 bilhões na educação superior no intervalo de 2014 a 2019 e R$ 3,3 bilhões na educação técnico profissional no mesmo período. “No recorte mais ampliado, entre 2007 e 2019, observa-se uma perda de quase R$ 1 bilhão na educação superior e certa estabilidade, apesar da queda entre 2017 e 2018, na educação profissional. Embora não seja percentualmente muita elevada, essa queda é preocupante pois acontece em período de expansão da rede federal com vários campi em implantação e obras em execução”, avalia.

Entre as consequências de um orçamento reduzido, explica Nelson, está o impedimento de muitas ações na área educacional, como a atingimento das metas do Plano Nacional da Educação (PNE), a estruturação de diversos campi novos das Universidades e dos Institutos Federais e Cefets, além da manutenção dos antigos, a atualização de equipamentos dos laboratórios usados em pesquisa e durante as aulas e a expansão do número de matrículas. Levando em consideração o cenário pandêmico, completa o pesquisador, seria necessário ainda equipar hospitais universitários e repor o material utilizado e adaptar as instituições educacionais para o retorno às aulas presenciais, entre outras medidas sanitárias. “Essas medidas envolvem redução do número de alunos por turma, com ampliação de espaços e contratação de novos profissionais, com impactos diretos no custo”, enumera.

Nelson indica que para a educação dar conta da complexidade do cenário que está por vir seria necessário retomar o valor médio dos anos de 2014 a 2016. Nada além disso. “É importante recuperar o que foi perdido para esse tipo de despesa. A gente, quando reivindica isso, não está falando que vai pagar mais. O que pretendemos é exatamente recuperar as condições de funcionando das instituições. O grande problema da área educacional é que quando você começa a deteriorar, ela vem de forma muito violenta, impacta na produção científica, na formação de pessoas, na fuga de cérebros, na melhoria da qualidade de ensino, até na evasão escolar”, enumera. De acordo com ele, as condições de funcionamento da educação brasileira estão sendo deterioradas quando são retirados os recursos para o pagamento de pessoal. De um orçamento de R$ 114,9 bilhões em 2015, exemplifica, a educação conta uma previsão orçamentária para 2021 de R$ 70,6 bilhões, uma redução de 386%, “causando grave retrocesso social no direito à educação da população brasileira”, conclui.

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