SUS: digitalizar para universalizar de fato

Ministério da Saúde abre, em São Paulo, Simpósio Internacional de Transformação Digital do SUS. Debatedores refletem sobre o papel da Saúde Digital para a redução das desigualdades no sistema público

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O Centro de Convenções Rebouças recebeu nesta segunda-feira, 2/10, o 1º Simpósio Internacional Transformação Digital no SUS. Convocado pela Secretaria de Informação e Saúde Digital (Seidigi) do ministério da Saúde, o evento conta com a parceria de Conass (Conselho Nacional das Secretarias de Saúde), Conasems (Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde), Organização Pan-Americana de Saúde, dentre outras secretarias e entidades voltadas à produção de políticas públicas no setor, e tem exibição pelo Canal DataSUS no Youtube.

Sob coordenação de Ana Estela Haddad, secretária de Saúde Digital do ministério, o encontro reuniu importantes autoridades e pesquisadores. Em seu discurso de abertura, após fazer os agradecimentos, a secretária citou o ensaio Para construir uma teoria crítica da Saúde Digital, publicado na sexta-feira, 29/9, no Outra Saúde: “Esta transformação, realizada em nome da crítica ao digital, será a própria realização da ‘saúde digital’, não mais como uma mercadoria embalada e importada ao gosto do consumidor, mas como um novo conceito – dito de outro modo, sob um novo projeto técnico, político, econômico, social, cultural e ético”.

Cientes das disputas políticas e econômicas que transcendem sua atuação, as autoridades de Estado presentes ao auditório iniciaram o evento indo direto ao ponto: “não haverá milagre orçamentário. Temos de ser mais eficientes. Precisamos nos aprimorar para conseguir aplicar a integralidade do SUS também digitalmente”, afirmou Fábio Bacheretti, presidente do Conass.

“Temos de cumprir a lei que regulamenta o SUS e garantir a saúde em toda a sua amplitude. Acabamos de sair da 17ª Conferência Nacional de Saúde e a saúde digital está em suas resoluções finais, no Plano Nacional de Saúde e no Plano Plurianual. Precisamos nos unir pela aplicação dos 15% das Receitas Correntes Líquidas no orçamento do Ministério. Só assim a saúde digital vai chegar lá na ponta, para todos”, completou Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde.

Desafio incontornável

Independentemente do caráter oficial do evento e seus palestrantes, a sequência de falas pouco a pouco elucida quão inexorável é a digitalização no campo da saúde. Num mundo onde as relações sociais e produtivas já estão amplamente organizadas em torno das plataformas digitais, a garantia do acesso à saúde por tal via passa a ser uma atualização deste direito.

“Há um certo modismo nessa discussão, mas nada pode ser mais habilitador de políticas públicas do que o avanço na questão digital. Isso tem sido aplicado em outras pautas, em especial agora sob liderança da ministra Esther Dweck [Gestão Pública e Inovação], a exemplo da promoção de mecanismos digitais de assinatura de documentos, exames de provas de vida para a previdência, agora o novo documento de identidade que está em desenvolvimento… Estamos falando de processos que vão gerar economia de gastos também”, explicou Bacheretti.

“É um desafio que está colocado, tanto para as esferas de governo como também outras instituições, universidades, o mercado… Neste ano trouxemos de volta para o E-SUS os 41 Hospitais Universitários da Ebserh. Estimamos em R$ 3 bilhões de economia com digitalização de prontuários e avanços na criação de aplicativo dos hospitais que permitam o agendamento online de consultas”, exemplificou Arthur Chioro, presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, responsável pela gestão desses equipamentos.  

“Já tivemos um exemplo agora, na tragédia das chuvas no Vale do Taquari, onde o E-SUS serviu de apoio para as equipes de saúde da família locais, mesmo em postos de trabalho provisórios, atenderem as pessoas”, explicou Felipe Proenço, que representou a Secretaria de Atenção Primária em Saúde.

Ferramenta contra fragmentação do SUS

No ano em que se completa uma década da criação do E-SUS, a estratégia de digitalização das informações dos usuários do sistema, o diagnóstico sobre a necessidade de finalmente cristalizar sua implantação é unânime. Dependente de sistemas de informatização de cada município e estado, o ritmo de sua afirmação reflete bem as vicissitudes brasileiras.

“Precisamos apoiar cidades e estados, usando todas as instituições que possam dividir a responsabilidade e recuperar o tempo perdido. É preciso acabar de vez com a fragmentação”, disse Chioro, que ainda mencionou a nova estratégia de adaptação dos hospitais da Ebserh e anunciou que em 2024 se certificará o primeiro prontuário eletrônico unificado do país nestes locais.

Nesse sentido, todos os secretários convergiram no entendimento. Para além da economia em se ter prontuários unificados ou dar fim à duplicidade de informações de usuários, o que afeta a organização de diversos exames, consultas e cirurgias, trata-se também de melhorar a integração entre os diferentes níveis de atenção à saúde, da mais básica à mais complexa.

“Recuperamos políticas públicas neste primeiro semestre. Mas essa transformação digital é algo que também se vincula à promoção da equidade no acesso à saúde. O E-SUS pode apoiar o trabalho das Equipes de Saúde da Família. Para isso, em conjunto com a SEIDIGI, precisamos desenvolver a teleconsultoria”, afirmou Proenço.

Já na ponta da alta complexidade, Aristides Vitorino, da Secretaria de Atenção Especializada, endossou o caráter estratégico da digitalização do SUS. “É uma interação complexa, porém fundamental. Já temos experiências em Recife de uso do app do ministério pelos usuários, que podem acessar e ajudar a definir agendamentos e encaminhamentos. Temos muito a fazer, mas temos as ferramentas”.

Universalização de fato

Ainda que pareça contraditório, a chamada transformação digital do sistema pode ser uma poderosa ferramenta de acesso ao SUS pelos mais excluídos ou simplesmente distantes dos serviços de saúde. “Estamos aqui unidos pois isso também representa a busca pela superação das desigualdades dentro do SUS. A saúde digital também pode melhorar a promoção de saúde e atendimento multiprofissional em terras indígenas, muitas delas de difícil acesso e carência de profissionais, como podemos ver no caso da terra dos yanomami”, pontuou Weibe Tabepa, da Secretaria de Saúde Indígena.

Sem dúvidas, os desafios são grandes e variados. Financiamento, execução, proteção de dados dos usuários serão questões que permearão o avanço tecnológico do SUS nos próximos anos. Mas o momento de mobilização de diversos setores da sociedade civil em torno deste sistema de saúde e recuperação da agenda de investimentos estatais, inclusive na compreensão da saúde como vetor econômico, tornam o momento histórico favorável.

“É uma discussão que transcende o tradicional. Estamos falando da sustentabilidade política do SUS e da própria garantia de sua universalização”, sintetizou José Gomes Temporão, ex-ministro e atual membro da Comissão de Estudos Estratégicos do BNDES para Saúde.

O evento termina hoje, 3/10. Ele se divide entre seis grandes painéis temáticos: No dia 2/10, foram realizados os debates Transformação digital na saúde: diálogos e perspectivas; Telessaúde no SUS: experiências exitosas integradas envolvendo secretarias de saúde e universidades públicas, programa Telessaúde Brasil; Ciência de dados e inteligência artificial aplicadas à predição de emergência sanitárias. Na terça, 3/10, realizam-se os painéis Sistemas de informação em saúde e o modelo de arquitetura de interoperabilidade da Rede Nacional de Dados de Saúde; Saúde digital, inovação e o Complexo Econômico-Industrial da Saúde; Proteção de dados pessoais de saúde; regulamentação da inteligência artificial e seus reflexos na saúde digital.

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