Covid: a Saúde privada lucra muito e testa pouco

Levantamento revela: apenas 1,3% dos usuários de planos de saúde conseguiu verificar presença do coronavírus. Operadoras lucraram R$ 9bi só no 2º trimestre. E mais: governo não gasta quase nada no combate aos incêndios florestais

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Repórter Brasil cruzou quantos testes para o novo coronavírus foram feitos no país com os números dos exames bancados pelos planos de saúde. Descobriu que, apesar de 47 milhões de brasileiros serem clientes dessas empresas, os convênios foram responsáveis só por 585 mil testes do tipo RT-PCR e 33 mil sorológicos no período que vai de 1º de março a 31 de julho.

“Apenas 1,3%dos usuários conseguiu fazer o exame pelo convênio nos cinco meses iniciais da pandemia – quando a doença escalou e atingiu o auge no Brasil”, destaca o jornalista Diego Junqueira.  

Quando se compara o total de testes feitos pelo SUS com os números dos planos de saúde, a proporção fica um tanto melhor no caso do PCR – mas só porque o país testa pouquíssimo. Com 210 milhões de habitantes, fizemos 3,3 milhões de testes para identificar a presença do vírus, algo fundamental para o isolamento dos casos assintomáticos. Os planos participaram com 17% desse total. 

Mas se recusam, justamente, a testar quem ainda não tem sintomas, mas convive ou teve contato com doentes usando uma justificativa para lá de absurda: “O inquérito epidemiológico deve ser realizado por política pública”, diz Reinaldo Scheibe, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Lembramos aqui que fazer um inquérito sorológico significa testar uma amostra de pessoas num mesmo período para ter uma ideia do real andamento da epidemia, seja no país, num estado ou entre a comunidade escolar de um município, por exemplo. De forma alguma bancar o exame de um cliente que tem chances de ter sido infectado se encaixa nesse critério. 

Aliás… questionada pela reportagem, a ANS recusa essa desculpa. “Ter tido contato com pessoas infectadas é um dos critérios estabelecidos na norma para que o beneficiário possa fazer o exame”, rebate. Mas a situação está longe de ser uma surpresa para a agência, já que a negativa dos planos é a reclamação mais recebida envolvendo coronavírus. Das 13.386 queixas registradas pela ANS até 21 de outubro, 56% eram de usuários que não conseguiram fazer os testes pelo convênio. 

Enquanto isso, a saúde suplementar se destacou da maior parte dos setores da economia e lucrou na crise sanitária. “Ainda que os planos tenham perdido clientes entre o 1º e o 2º trimestre – a receita caiu de R$ 59 bilhões para R$ 57 bilhões –, as despesas também recuaram: de R$ 56 bi para R$ 47 bi, segundo pesquisa com as cem maiores empresas do setor. O lucro líquido, que desconta outros encargos, foi de R$ 2 bi para R$ 9 bi”, informa Junqueira. 

SÍ, SÍ, SÍ 

Ontem, 78% dos chilenos disseram sim a uma nova Constituição. O plebiscito aconteceu um ano depois dos protestos de outubro de 2019, quando as consequências da privatização da saúde, da educação e da previdência – herança da ditadura de Pinochet – explodiram em revolta generalizada no país. 

O resultado fará do Chile o primeiro país do mundo a ter uma Constituinte com participação igual de homens e mulheres. Venceu por 79% dos votos a opção da convenção constitucional, que será composta por 155 pessoas especialmente eleitas para esse propósito, o que acontece no dia 11 de abril. Tudo isso é muito novo para o país, que já teve três Constituições; todas elaboradas sem a participação popular direta.

A convenção deve ser instalada em maio ou, no mais tardar, no início de junho. Depois de eleger seu presidente e vice, terá entre nove meses e um ano para redigir e aprovar o texto constitucional que deverá ser ratificado em novo plebiscito. 

Falando em Chile, ontem o país atingiu a marca de meio milhão de infecções confirmadas do novo coronavírus. Por lá, são 13,8 mil óbitos.

OLHOS VOLTADOS PARA ANVISA

A Anvisa autorizou o Instituto Butantan a importar as seis milhões de doses da CoronaVac que virão prontas da China. Mas a outra parte do pedido, a importação excepcional dos insumos necessários para a produção nacional de 40 milhões de doses da candidata à vacina, não foi atendido ainda

A decisão da agência foi tomada apenas um dia depois que o diretor-geral do instituto, Dimas Covas, criticou o que considerou um atraso inexplicável na autorização. A Anvisa, aliás, nega que tenha havido demora. Segundo a agência, “foram identificadas discrepâncias” no pedido – a repórter Natália Cancian nota que a Anvisa não detalha que problemas seriam esses.

Nesse clima de suspeitas alimentado pelo presidente Jair Bolsonaro, todos os olhos estão voltados para a agência reguladora. Por um lado, a Associação dos Servidores da Anvisa afirmou que não serão toleradas pressões no desempenho dos seus trabalhos e que as vacinas contra a covid-19 serão avaliadas segundo padrões técnicos e científicos. 

Por outro, Willian Dib – que até pouco tempo comandava a agência – afirma que embora os técnicos continuem fazendo excelente trabalho, “os secretários da saúde têm de ter vários senões”. “Infelizmente, a agência hoje está a serviço do governo”, disse à Coluna do Estadão. Lembremos que Dib já havia indicado pressão no ano passado. Na época, o assunto que incomodava o Planalto eram as regras da cannabis medicinal. 

“Do ponto de vista legal, não há possibilidade nenhuma de interferência do presidente. Do ponto de vista político, claro que existe. Negar o registro a Anvisa não pode. Ela tem que entregar o que a lei exige, havendo condições técnicas, mas segurar o processo é possível”, explica ao El País Gonzalo Vecina, sanitarista que foi o primeiro diretor da agência.

E tentativas de controle externo surgem: o senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou na sexta um projeto para a criação de uma comissão que acompanhe o registro das vacinas.

JUDICIALIZAÇÃO DA VACINA

Já são quatro ações protocoladas por partidos no Supremo depois que Jair Bolsonaro voltou atrás no acordo de incorporação da CoronaVac ao Programa Nacional de Imunizações, tentou colocar a tecnologia chinesa em descrédito e se posicionou contra a obrigatoriedade da vacinação. Na sexta, o relator do caso, Ricardo Lewandowski, pediu explicações ao Planalto

O ministro já remeteu diretamente ao plenário a decisão sobre a obrigatoriedade da vacinação, objeto das ações do PDT e do PTB. O primeiro defende que estados e municípios possam decidir o assunto sozinhos e a segunda pede que a vacina não seja obrigatória. As outras ações foram movidas pela Rede, que cobra o apoio do governo federal à vacina do Butantan e por PCdoB, PSOL, PT, PSB e Cidadania, com o objetivo de obrigar o governo a colaborar com o desenvolvimento de toda e qualquer vacina contra a covid-19 em pesquisa no país.

O presidente do STF, Luiz Fux, afirmou na sexta que a judicialização do tema era necessária. “Não só a liberdade individual, como também os pré-requisitos para se adotar uma vacina“, disse.

No sábado, o presidente voltou à carga contra a vacinação compulsória. Em tom de deboche, postou nas redes sociais uma foto ao lado de um cachorro afirmando que “vacina obrigatória só no Faísca”. E no domingo afirmou que não tem pressa para ir “atrás da vacina brasileira” por não querer repetir “escândalos com a verba para respirador”. Só dá para ler como mais uma indireta a colocar em dúvida a qualidade da CoronaVac…

BALANÇO DO COVIDÃO

Chega a R$ 2 bilhões as verbas públicas que podem ter sido desviadas durante a pandemia. A conta é da Controladoria Geral da União e serve de base para as investigações da Polícia Federal sobre fraudes em licitações, compras de insumos com empresas de fachada e superfaturamento na aquisição de equipamentos. Desde abril, já foram deflagradas 52 operações em 19 estados – ações que somaram 11 prisões preventivas, 120 detenções temporárias e 929 mandados de busca e apreensão. Sozinho, o Rio de Janeiro pode ter sido responsável por quase metade do valor desviado no país: R$ 835 milhões estão sob suspeita. Sempre bom lembrar que as operações também acontecem em um contexto de polarização entre governo federal e gestores estaduais e municipais, e logo chamou atenção terem sido antecipadas pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) que batizou o conjunto da obra de ‘Covidão’. 

IMPEACHMENT EM SC

Em Santa Catarina, os deputados e desembargadores reunidos em um tribunal especial de julgamento decidiram, por seis votos a quatro, dar sinal verde ao prosseguimento do impeachment contra o governador Carlos Moisés (PSL). A vice, Daniela Reinehr (sem partido), foi absolvida da acusação de crime de responsabilidade no caso do reajuste no salário dos procuradores do Estado. Ela assume o governo interinamente até o julgamento final do caso.

Moisés ainda é alvo de um segundo pedido de impeachment que trata de fraude na compra de 200 respiradores da China, pagos de forma antecipada e nunca entregues ao estado. Neste caso, o sorteio para formação de um novo tribunal acontece hoje.

CONTINUA SEM GASTAR

Na sexta-feira, o Conselho Nacional de Saúde fez mais uma rodada de avaliação dos gastos do governo federal com o SUS. De acordo com o estudo feito pela comissão de financiamento, há vários problemas graves. Em plena pandemia, só 8% dos R$ 16 milhões reservados para ações de vigilância epidemiológica foram efetivamente gastos. Outras duas áreas importantes que preocupam são a aquisição e distribuição de medicamentos, com 24% de R$ 83,8 milhões empenhados pelo Ministério da Saúde, e atenção básica (25% de R$ 5,7 bi gastos). Por essas e por outras, a execução dos recursos foi considerada “inaceitável”, “intolerável” e “inadequada” pelos conselheiros. 

TANTO FAZ O VERMÍFUGO

O estudo sobre a nitazoxanida financiado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia foi publicado sexta na plataforma medRxiv, que reúne artigos que ainda não receberam o crivo de revistas científicas ou passaram por revisão de pares. Em pouco tempo, foi identificada uma grande discrepância entre as expectativas que o festivo evento de divulgação do vermífugo realizado no Planalto vendeu e as conclusões propriamente tiradas pelos pesquisadores. O principal objetivo do ensaio clínico era descobrir se quem toma nitazoxanida vê reduções de sintomas ou complicações da covid-19. Mas isso não aconteceu. Segundo o artigo, não foram observadas diferenças entre os doentes que tomaram o vermífugo por cinco dias e o grupo que tomou placebo. Pelo menos, ao contrário da cloroquina, a droga não faria mal. O estudo viu que a nitazoxanida leva à redução da carga viral – ponto que foi propagandeado pelo governo, apesar de ser um dos objetivos secundários do estudo. Mas o que isso quer dizer? Não muita coisa…

“Vamos imaginar que os vírus são soldados de um exército inimigo, e o nosso corpo é o país que este exército quer invadir. Uma redução de carga viral sem efetiva melhora dos sintomas, como dito neste estudo, significa que nós punimos os soldados inimigos depois da invasão já ter acontecido, e o país já ter sido saqueado. Isso demonstra que não existem benefícios práticos nesta redução de carga viral”, explica Isaac Schrarztzhaupt.

SOB FOGO CERRADO

Na quarta-feira, o Ibama paralisou o combate aos incêndios no Pantanal. Na sexta, retomou os trabalhos – embora com número menor de brigadistas. Entre uma coisa e outra, estourou uma crise dentro do governo. O embate acontece entre Ricardo Salles (Meio Ambiente) e a ala militar. 

El País contextualiza bem o problema. Segundo fontes ouvidas pelo site, Salles teme sofrer impeachment pela omissão no combate aos incêndios nas matas brasileiras. Uma forma para justificar a letargia é alegar que faltam recursos. E para pressionar pela liberação, o ministro tem determinado a paralisação das atividades dos brigadistas. A estratégia foi usada em agosto e, novamente, na semana passada. Em ambos os casos, o Ministério da Economia liberou mais recursos. “Tudo parece um jogo de cena. Parece que querem deixar o ministro como uma espécie de herói, que ele não é”, afirmou um servidor antigo do Ibama.

Só que o jogo de cena acaba irritando os militares, que resolveram se colocar de biombo na área ambiental. A colunista Bela Megale publicou na quinta-feira uma nota dizendo que Salles estava esticando a corda com os fardados. O ministro do Meio Ambiente reconheceu as digitais de Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) na notícia. O general gosta dessa expressão: ficou famosa uma entrevista à Veja em que ele afirma que falar em golpe militar seria ultrajante, mas que não se deveria “esticar a corda”. 

Na noite da quinta, Salles tuitou que o militar estava agindo como ‘Maria fofoca’ e postou – para logo depois apagar – uma imagem do desenho animado Banana de Pijama, ironia dirigida ao general, que passou para a reserva do Exército há pouco tempo. Tudo isso foi replicado pelos bolsonaristas atuantes na rede, inclusive por Eduardo Bolsonaro.  

No campo das reações críticas, entraram Hamilton Mourão (caracterizando o tuíte como “péssimo”), Rodrigo Maia (que acusou Salles de além de destruir o meio ambiente, tentar destruir o governo) e até o anódino Davi Alcolumbre (que observou que não é saudável que um ministro ofenda publicamente outro). 

No início da tarde de domingo, o ministro do Meio Ambiente recuou, anunciando que pediu desculpas a Ramos. A ordem teria partido de Bolsonaro, interessado em colocar panos quentes no atrito. Nos bastidores, porém, a história parece ser outra. Segundo Lauro Jardim, os conflitos “permanecem em temperatura alta”, “nada está pacificado” e “a ala militar está trabalhando unida contra o ‘grupo ideológico’  e vice-versa”. 

ESPERA QUEIMAR

O governo federal tem gastado com prevenção apenas 6% da verba destinada a controle de fogo em unidades de conservação. A conclusão é de um estudo da UFMG, que analisou de forma inédita dados da atuação do ICMBio na Amazônia e no Cerrado entre 2012 e 2016 (último ano em que as informações necessárias à modelagem estariam disponíveis, segundo os pesquisadores). Em média, a Amazônia teve 318 brigadistas e orçamento de R$ 1,55 milhão por ano para atuar nessas áreas. Já o Cerrado teve 526 agentes a um gasto anual de R$ 2,7 milhões. Nas áreas públicas da Amazônia, as ações dos brigadistas reduziram os estragos do fogo nas unidades de conservação em mais de 63% em relação às UCs que não receberam socorro. No Cerrado, mais pessoal e recursos, o impacto foi menor: 11,6%.

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