Ondas de calor podem ser mais mortais do que se imaginava
• Os riscos à saúde causado pelas ondas de calor • Para conter o “roubo” de enfermeiras do Sul Global • CFM quer calar sanitarista que fez críticas à influência política do conselho • As pessoas que vivem na Cracolândia •
Publicado 30/10/2024 às 17:10 - Atualizado 30/10/2024 às 17:35
Segundo um alerta do jornal estadunidense NY Times, o mês de setembro foi o segundo mais quente já registrado, reforçando a tendência de mais um ano de possíveis recordes. Cientistas alertam que o corpo humano pode suportar apenas certos níveis de calor, e estudos recentes sugerem que a vulnerabilidade ao calor extremo é maior do que se pensava. O conceito utilizado é o de bulbo úmido. A temperatura de bulbo úmido (Tw) é uma medida que considera tanto a temperatura quanto a umidade para avaliar o limite de tolerância do corpo humano ao calor. Ela é medida com um termômetro envolto em um tecido úmido: conforme a água evapora, o bulbo esfria, imitando o mecanismo de resfriamento do corpo humano pela transpiração. Quando a umidade é alta, a evaporação da água – e, portanto, o resfriamento – é dificultada, reduzindo a eficácia do suor para manter a temperatura corporal.
Na matéria, os cientistas apontam que uma Tw de 35°C representa um ponto crítico, onde até mesmo uma pessoa jovem e saudável, em sombra e com água disponível, não conseguiria dissipar calor suficiente, levando ao superaquecimento e ao risco de insolação. Esse valor, porém, é teórico, e novas pesquisas indicam que o limite real de tolerância humana ao calor pode ser ainda mais baixo, com uma Tw de 31°C já sendo perigosa em muitos casos. Esses valores, combinados a um aumento de até 3°C na temperatura global até 2100, poderiam expor bilhões a ondas de calor mortais. Estima-se que a exposição a uma Tw de 31°C poderia afetar regiões densamente povoadas, como China, Índia e África Subsaariana. O impacto seria devastador: três bilhões de pessoas enfrentarão pelo menos uma semana de calor extremo anual e 1,5 bilhão podem enfrentar até um mês. A ciência alerta que manter o aquecimento global abaixo de 2°C é crucial para evitar ondas de calor catastróficas.
Acordos para interromper recrutamento predatório da enfermagem
O Ministério da Saúde do Brasil pode ter papel relevante na tentativa de frear o que se chama de “recrutamento predatório” de profissionais de enfermagem por países ricos. Esse é um problema que já foi tratado algumas vezes neste boletim (1, 2, 3, 4): o Sul Global perde seus enfermeiros para países como Reino Unido e Alemanha, que têm escassez de trabalhadores na área. Muitas vezes, as condições que eles são recebidos são precárias. E suas nações de origem ficam com os sistemas de saúde fragilizados. Durante a reunião do G20, o ministério apresentará uma proposta para que os países membros se comprometam com o código de conduta da OMS sobre recrutamento ético de profissionais de saúde.
Outro ponto da agenda inclui a criação de uma coalizão para produção local de medicamentos e vacinas, com apoio potencial do Banco Mundial e BID. A pauta também abrange saúde digital, equidade em saúde e o impacto das mudanças climáticas, que já aumentaram os casos de dengue no Brasil. O evento deve resultar em duas declarações: uma sobre a relação entre mudanças climáticas e saúde, e outra mais ampla cobrindo a agenda do encontro, representando o primeiro posicionamento formal do G20 sobre saúde e clima.
Como o CFM tenta calar Lígia Bahia
O Conselho Federal de Medicina (CFM) abriu uma ação contra a médica sanitarista e professora da UFRJ, Lígia Bahia, exigindo uma indenização de R$ 100 mil e uma retratação pública, após críticas da docente sobre a influência política no conselho. Bahia, que demonstrou preocupação com a ocupação político-partidária do CFM, agora enfrenta acusações de “difamação” e “discurso de ódio.” Em resposta, a defesa da professora ressaltou que o direito à liberdade de expressão é central para uma sociedade democrática, e que críticas a instituições são essenciais para um debate plural e saudável.
Além da indenização por danos morais, o CFM solicita que Lígia Bahia se retrate publicamente e que seja proibida de fazer novas publicações que o conselho considere “ofensivas”, configurando um pedido de censura prévia. A tentativa de restringir a fala de uma pesquisadora e docente reforça uma postura de silenciamento, incompatível com o papel de uma entidade que deveria zelar pela ética e pela autonomia na medicina.
Cracolândia, drogas e políticas públicas
Um estudo com 90 pessoas na Cracolândia, em São Paulo, ajuda a entender quem são as pessoas que frequentam aquele lugar de extrema violência e vulnerabilidade. Publicado pela FGV, USP e pelo grupo Cóccix, o relatório revela que a maioria dos entrevistados é composta por homens negros entre 30 e 49 anos; 90% relatam uso de crack, e o restante consome álcool regularmente. A maioria (69%) vive nas ruas, e 40% consideram estar na Cracolândia por vontade própria, identificando a área como lar ou um lugar onde se sentem acolhidos. Embora em condições adversas, metade dos participantes mantém contato com a família e mais de dois terços realizam atividades produtivas, como reciclagem.
Os entrevistados enfrentam agressões e violência policial frequentes, especialmente da Guarda Civil Metropolitana, o que reforça o clima de medo e insegurança. A política de dispersão, iniciada em 2022, aumentou a dispersão das cenas de uso de drogas, agravando problemas para os usuários e o entorno. Desiludidos, os participantes defendem políticas integradas que ofereçam trabalho, moradia digna e cuidados de saúde efetivos. “Embora os dados apontem para a necessidade de expandir os serviços, diminuir a violência e criar alternativas para reduzir a vulnerabilidade desse público, as políticas atuais seguem na direção oposta”, diz Giordano Magri, pesquisador da FGV que coordenou o estudo.