O que esperar da nova política de atenção primária

Equipes Multiprofissionais são proposta atual do governo para a Saúde da Família. Serão compostas por um conjunto de até 22 especialidades. Seguirão critérios do Mais Médicos de priorização de pessoas em vulnerabilidade social

Foto: Paula Bittar/Ministério da Saúde
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Olívia Lucena de Medeiros em entrevista a Gabriel Brito

Publicada em 22 de maio, a Portaria 635 do ministério da Saúde inaugura uma mudança na organização da atenção básica do SUS. Sai a política dos Núcleos de Atenção à Saúde da Família (NASF) e entram as Equipes Multiprofissionais na Atenção Primária à Saúde. As mudanças visam ampliar as ações das chamadas Equipes de Saúde da Família, que reúnem uma gama de profissionais que conformam o contato inicial do usuário com o sistema de saúde. Para explicar os significados práticos e estratégicos da substituição dos NASF, criados em 2008, pelas eMulti, Outra Saúde conversou com Olívia Lucena de Medeiros, da Coordenação de Ações Interprofissionais da Secretaria de Atenção Primária à Saúde.

Em 2023, o governo investirá R$ 870 milhões na implantação das chamadas eMulti, que serão divididas em três categorias: necessidades epidemiológicas, densidade populacional e vulnerabilidade de cada território. Como explicado no site do ministério, “as eMulti são classificadas em: Equipe Multiprofissional Ampliada (300 horas semanais e 10 a 12 equipes vinculadas); Complementar (200 horas semanais e 5 a 9 equipes vinculadas); e Estratégica (100 horas semanais e 1 a 4 equipes vinculadas)”.

Olívia explica como o programa foi pensado: “Consideramos lições aprendidas, desafios, potencialidades, os pontos positivos a serem preservados e focamos principalmente na necessidade de pensar em criar um acesso mais rápido, mais dinâmico e mais resolutivo à atenção primária”. Ela aprofunda: “Também queremos algo capaz de olhar o que é importante em termos de coordenação do cuidado da pessoa pelo mesmo profissional ao longo do tempo, isto é, um cuidado longitudinal, integral. Em termos práticos, evita-se o deslocamento das pessoas para atendimento e melhora-se a capacidade de atender os problemas de saúde localmente, na unidade básica do bairro dessas pessoas. Assim, damos um pouco mais de dinamismo e qualidade aos atendimentos”, afirmou.

Dessa forma, o governo oferece uma resposta concreta à ideia de ampliação do SUS, defendida pelos setores que apoiaram Lula na eleição, não só a partir da intenção de garantir o aumento de seu financiamento como também do escopo de profissionais a seu serviço. Uma política com potencial gerador de empregos, portanto.

“Temos três modalidades de equipe multiprofissionais, cada equipe dessa contará com cinco a quinze profissionais de saúde. Na expectativa, apenas para 2023, sem considerar as expansões previstas para os anos seguintes, estamos falando de 4 mil equipes. Numa conta rápida, vamos promover 50 mil postos de trabalho nessas 22 categorias profissionais de especialidades distintas que podem compor as equipes multiprofissionais”, explicou Olívia.

A concepção dessa nova estratégia de saúde também dialoga com a mudança do perfil etário e epidemiológico pelo qual passa a população brasileira. Estamos falando de um país que se encaminha para ter uma quantidade maior de idosos, o que altera o perfil das necessidades em saúde dos usuários do SUS. Daí a importância do reforço da atenção primária e seu caráter preventivo, com ampliação do leque de profissionais aptos a fazer girar toda essa economia do cuidado.

Conta Olívia: “Olhamos para o perfil da população, não só pela transição demográfica e questões relacionadas ao crescimento populacional, mas também assumindo o desafio de encarar essa tripla carga de doenças, que juntam causas externas à saúde em si, como violências, além das doenças crônicas e infecciosas, que caracterizam a saúde no nosso país”.

Por fim, a implantação das eMulti caminhará em consonância com o Mais Médicos e suas prioridades geográficas, para levar os serviços em saúde a áreas mais vulneráveis e preencher os chamados “vazios assistenciais” que marcam grande parte do território brasileiro.

“Acredito que precisamos entender o quão importante é o fortalecimento da atenção primária para todo o Sistema Único de Saúde. Isso costuma aparecer bastante na fala de muitas pessoas e as equipes multiprofissionais são uma entrega concreta nesse sentido, de trazer mais cuidado, mais acesso e mais saúde para a população nos locais onde elas moram, no bairro onde elas estão, na unidade básica que essas pessoas já frequentam. É um programa que de uma forma muito concreta traz resultados para o fortalecimento da atenção primária”, defende.

Confira a entrevista completa.

Como a ideia de transformação dos NASF em eMulti foi concebida? O que isso significa na estrutura da atenção básica em saúde?

Partimos do histórico do programa, que existe desde 2008 financiado pelo ministério da Saúde. Consideramos lições aprendidas, desafios, potencialidades, os pontos positivos a serem preservados e focamos principalmente na necessidade de pensar em criar um acesso mais rápido, mais dinâmico e mais resolutivo à atenção primária. E também queremos algo capaz de olhar o que é importante em termos de coordenação do cuidado da pessoa pelo mesmo profissional ao longo do tempo, isto é, um cuidado longitudinal, integral.

Assim, ampliamos a carga horária dessas equipes, de maneira que será possível compor as eMulti com um conjunto mais variado de profissionais. Possibilitamos também o atendimento remoto e temos um financiamento adicional pensando no que foi incorporado desde a pandemia e na ideia de trazer um atendimento mais dinâmico e mais rápido. Também permitimos que municípios de menor porte populacional se juntem, a fim de fazer uma implantação de equipes mais robustas, que cheguem a trezentas horas semanais de prestação de serviços à população.

Essas foram as principais incorporações, que olham justamente para a necessidade de pensar em ampliação do acesso e do cuidado ao longo do tempo, com mais capacidade de resolver problemas de saúde típicos da atenção primária.

Portanto, as equipes serão numericamente ampliadas, mais gente será contratada?

Objetivamente, estamos falando de equipes que podem contar com até 22 especialidades da área da saúde. São especialistas que estarão nas unidades básicas de saúde, no bairro onde essas pessoas vivem. Em termos práticos, evita-se o deslocamento das pessoas para atendimento e melhora-se a capacidade de atender os problemas de saúde localmente, na unidade básica do bairro dessas pessoas. Assim, damos um pouco mais de dinamismo e qualidade aos atendimentos.

Já neste ano, tivemos autorização pra implantação de 1,5 mil Equipes de Saúde da Família, que era todo o passivo não credenciado dos anos anteriores. Zeramos essa fila e também estimulamos a mudança das Equipes de Atenção Primária, que têm uma carga horária mais baixa, para que se tornem ESF. E temos planejamento orçamentário para ampliação de tais equipes. Isso vale para ESF, equipes de saúde bucal e eMulti, enfim, as equipes que fazem parte da pasta da Secretaria de Atenção Primária.

A proposta é acompanhar o crescimento do atendimento à saúde da família, maior nos últimos anos, e que tanto as equipes multiprofissionais quanto as equipes de saúde da família cresçam juntas, a fim de ampliar a cobertura da população brasileira.

Para além da questão do direito à saúde, qual o potencial socioeconômico desta iniciativa? Estamos falando de uma política pública geradora de mais empregos?

Temos três modalidades de equipe multiprofissionais, cada equipe dessa contará de cinco a quinze profissionais de saúde. Na expectativa, apenas para 2023, sem considerar as expansões previstas para os anos seguintes, estamos falando de 4.000 mil equipes. Numa conta rápida, vamos promover 50 mil postos de trabalho nessas 22 categorias profissionais de especialidades distintas que podem compor as equipes multiprofissionais.

Portanto, há um potencial bem grande de fomentar postos de trabalho e novas contratações na atenção primária e no SUS.

Há um planejamento de futuro, em relação à noção de que o país passará por uma transição demográfica?

Sim, essa questão está muito presente na organização da política. Para além da transição demográfica e dos desafios do envelhecimento populacional, com sua carga de doenças crônicas e necessidades de reabilitação (onde contamos com geriatra, nutricionista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, todo esse conjunto de profissionais), levamos em consideração para a composição das equipes a realidade da tripla carga de doenças que o país vive.

Falamos da convivência entre doenças infecciosas, contagiosas e das doenças carenciais que o país vive, como por exemplo doenças oriundas de carências nutricionais. Falamos de doenças crônicas e doenças de causas “externas”, portanto. Dessa forma, olhamos para o perfil da população, não só pela transição demográfica e questões relacionadas ao crescimento populacional, mas também assumindo o desafio de encarar essa tripla carga de doenças, que junta causas externas à saúde em si, como violências, além das doenças crônicas e infecciosas, que caracterizam a saúde no nosso país.

Ainda nesse sentido do envelhecimento populacional, como o ministério da Saúde observa a especialidade de cuidados paliativos? Ela entrará no escopo das eMulti e seus profissionais serão reconhecidos em sua especificidade?

Sim, o tema de cuidados paliativos entrará no escopo, embora tal especialidade ainda não entre no rol. Na realidade, a agenda dos cuidados paliativos assume importância dentro de toda a agenda do Ministério da Saúde, desde a formação dos profissionais até os aspectos da atenção especializada e da atenção primária também. Do ponto de vista da atenção primária, essa atribuição já é reconhecida na nossa política nacional de atenção primária e sua conformação.

Nesse sentido, as equipes multiprofissionais se caracterizam por dar muita concretude à política pública. Há fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, geriatra, profissões mais frequentes nesse cuidado multiprofissional. Tanto a agenda do cuidado agudo quanto do cuidado crônico e os cuidados paliativos estarão na oferta de ações das equipes multiprofissionais, certamente.

Arrisco dizer que as equipes multiprofissionais darão bastante corpo à agenda dos cuidados paliativos.

E como vai ser a transição dos atuais NASF para as equipes multiprofissionais na prática? Como é o cronograma?

Observamos que ainda existem muitas equipes no território nacional, de alguma forma sobreviventes dos anos passados. Considerando esse aspecto, vislumbramos minimamente a possibilidade de conformar 4.000 equipes ainda em 2023. Isso levando em conta os R$ 870 milhões que vamos aplicar para o cofinanciamento das equipes multiprofissionais e também as equipes que já estão nos territórios, além da expansão do programa nos anos seguintes.

Em termos práticos, para 2023, com a publicação da Portaria 635, temos uma ênfase nas solicitações e no financiamento dessas primeiras 4.000 equipes, que teriam condições de ser implantadas e cofinanciadas muito rapidamente, ainda no mês de junho. É muito importante que os municípios, gestores, profissionais, estejam atentos aos prazos deste ano, mesmo com calendário bastante apertado.

Este mês de junho é bem importante para agilizar a organização de tais equipes e seu cofinanciamento, numa expansão ano a ano.

A introdução das eMulti terá uma organização correlacionada com o Mais Médicos e seu espalhamento geográfico pelo país?

Nossa previsão considera essa expansão também relacionada ao Mais Médicos. Adotamos os mesmos critérios de priorização de territórios dos Mais Médicos, com características de vulnerabilidade social e a ideia de municípios conseguirem o provimento tanto dos médicos quanto a retaguarda das equipes multiprofissionais, pensando nessa agenda de qualidade e resolutividade da atenção primária.

Portanto, alguns critérios da Portaria do Mais Médicos também estão na Portaria das Equipes Multiprofissionais, justamente para que suas implantações possam caminhar juntas.

Acredito que precisamos entender o quão importante é o fortalecimento da atenção primária para todo o Sistema Único de Saúde. Isso costuma aparecer bastante na fala de muitas pessoas e as equipes multiprofissionais são uma entrega concreta nesse sentido, de trazer mais cuidado, mais acesso e mais saúde para a população nos locais onde elas moram, no bairro onde elas estão, na unidade básica que essas pessoas já frequentam. É um programa que de uma forma muito concreta traz resultados para o fortalecimento da atenção primária.

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