Como a covid pode mudar os rumos da Ciência e Medicina

Vasto estudo mostra que epidemias — da peste bubônica à AIDS — criaram novos paradigmas científicos. Tragédia atual mostra como ataques ao Ambiente afetam humanidade. E mais: não é necessário antecipar a segunda dose das vacinas

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LEGADO CIENTÍFICO

Science promete publicar nos próximos meses uma série de textos sobre o impacto que a covid-19 pode ter sobre a ciência. A matéria de ontem dá uma pincelada no legado científico deixado por outras doenças, desde a peste bubônica, que assolou o mundo islâmico e a Europa na Idade Média. Até o seu surgimento, não havia o estudo sistemático de doenças específicas, e isso mudou drasticamente. 

“Essa é a primeira doença que ganha literatura própria”, diz Nükhet Varlık, historiadora de medicina. A partir dela, tratados se multiplicaram, mesmo antes da invenção da imprensa. Novas leis no Império Otomano e em partes da Europa passaram a exigir a coleta do número de mortos durante as epidemias, e foram desenvolvidas ferramentas preventivas básicas – como hospitais de quarentena, medidas de distanciamento social e, no fim do século 16, rastreamento de contatos.

Desde então, houve vários outros pontos de virada. O cólera, no século 19, levou a novas práticas de saneamento e às primeiras cooperações internacionais em saúde pública. Mais ou menos na mesma época, se descobriu que as pulgas são os vetores da peste bubônica, e o conceito de insetos como propagadores de doenças nunca mais perdeu importância. Muito mais tarde, na pandemia de HIV/Aids, o marco foi o ativismo de pacientes levando à reformulação de políticas para o acesso a tratamentos. 

Agora resta saber quais serão as grandes mudanças pós-covid-19. Talvez um dos pontos mais importantes seja o reconhecimento de que o coronavírus se transmite pelo ar e que isso pode se estender também a outros patógenos – algo que, como já comentamos por aqui, foi negligenciado durante décadas. Se levada a sério, essa compreensão tem tudo para mudar radicalmente desde nossa arquitetura até a comunicação de riscos. 

Também não seria nada mau ver pautada uma preocupação maior com questões estruturantes que favorecem o surgimento de novas zoonoses – com desmatamento, crise de biodiversidade e sistemas agrícolas no centro dos debates.

MAIS EXPLICAÇÕES A DAR

Já havia indícios da atuação do reverendo Amilton Gomes de Paula como elo entre a Davati Medical Supply e o Ministério da Saúde, mas agora mensagens de celular divulgadas pelo Jornal Nacional estabelecem uma ligação entre ele e o próprio Jair Bolsonaro. As conversas estão no aparelho do PM Luiz Paulo Dominguetti.

Primeiro, Dominguetti aparece falando com Cristiano Carvalho, da Davati, sobre as tentativas de marcar uma agenda com o presidente, mas de forma extraoficial. Carvalho diz que o reverendo iria tentar entrar “no vácuo” de um café da manhã que Bolsonaro teria com representantes religiosos.

“O reverendo nesse momento está com o 01″, diz Amauri, um auxiliar do reverendo, no dia 15 de março, quando Bolsonaro se encontrou com líderes religiosos. No dia seguinte, Amilton de Paula conta: “Ontem falei com quem manda! Tudo certo! Estão fazendo uma corrida compliance da informação da grande quantidade de vacinas!” Outro interlocutor é mais explícito: “Ontem o Amilton falou com o Bolsonaro, ele falou que vai comprar tudo”.

A reportagem procurou o reverendo, que se fez de desentendido. Falta ver como ele se sairá na CPI, mas isso vai demorar: seu atestado médico vingou, e ele, que deporia hoje, vai ficar impedido de ir por 15 dias. 

A propósito, a participação de Emanuela Medrades, diretora da Precisa Medicamentos, não deu em nada ontem. Ela usou o habeas corpus concedido pelo STF para ficar em silêncio, mesmo diante de perguntas que não a incriminavam. A sessão ficou suspensa e Omar Aziz entrou com consulta no STF sobre o caso; o presidente da Corte, Luiz Fux, respondeu que cabe a Emanuela decidir quando se calar… mas, ao mesmo tempo, disse que “nenhum direito é absoluto” e que a CPI pode tomar “medidas cabíveis” caso haja abuso do direito ao silêncio. A sessão, que chegou a se retomada à noite, foi novamente suspensa porque a depoente estava “exausta” e “sem condições físicas e psicológicas” de falar. Recomeça daqui a pouco, às 9h. 

ADIAR OU ADIANTAR?

A exemplo do que fez o Reino Unido, o governo do Rio de Janeiro decidiu autorizar que os municípios antecipem a segunda dose da vacina da AstraZeneca, de 12 para oito semanas, por conta da circulação (ainda incipiente) da variante Delta no estado. Outros governadores se reuniram ontem com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e pediram que a pasta reduza o intervalo – mas nada foi decidido, e Queiroga disse ser necessário avaliar melhor o tema.

A Fiocruz se manifestou à noite, afirmando que é contra a mudança e explicando o porquê: dados apontam para uma proteção significativa com a primeira dose, especialmente contra hospitalizações e mortes. Além disso, o regime de 12 semanas permite alcançar mais gente em menos tempo.

Mais cedo, a Sociedade Brasileira de Imunizações e da Sociedade Brasileira de Pediatria tinham soltado uma nota técnica sobre o mesmo assunto. O documento cita estudos de efetividade que apoiam a manutenção de um intervalo mais longo. No Canadá – que adota um intervalo de quatro meses e, após um começo lento e tardio, tem hoje um dos mais altos percentuais de população parcialmente vacinada do mundo –, a efetividade dessa vacina diante da Delta, após a primeira dose, foi de 88% contra hospitalizações ou mortes. Para a Beta e Gama, (esta última domina o Brasil), foi de 83%.

“É evidente que, num cenário em que não houvesse estoque limitado de doses, a estratégia de postergar a segunda dose das vacinas poderia ser reavaliada, no entanto, infelizmente, este não é o caso do Brasil e de muitos outros países neste momento”, diz o texto, lembrando ainda o posicionamento oficial da OMS, de que países com cobertura vacinal limitada, alta incidência de covid-19 e restrições no fornecimento de vacinas devem adotar a extensão do intervalo entre doses.

BASTA TER VACINA

Pesquisa Datafolha divulgada ontem mostra que 94% da população brasileira com mais de 16 anos adere à vacina contra a covid-19. É o maior índice já registrado pelo instituto. Entre os entrevistados, 56% disseram já ter se vacinado, 38% afirmaram que pretendem fazê-lo, 5% não foram nem pretendem ser imunizados e 1% respondeu que não sabe.

Os números confirmam o que temos apontado há tempos por aqui: felizmente, o movimento antivacina no Brasil é muito residual. Em havendo vacinas disponíveis, o resto se resolve.

THE BOOK IS ON THE TABLE

O Brasil demorou a entrar na Covax Facility porque era difícil entender a língua inglesa. Pelo menos isso é o que mostram documentos enviados pela CPI e apresentados ao Painel da Folha. A consultoria jurídica do Ministério da Saúde afirmou que o fato de a documentação estar em inglês dificultou a análise, pois os servidores não tinham “conhecimento suficiente de tal língua estrangeira a ponto de emitir manifestação conclusiva”. O consultor também mencionou o prazo apertado.

JUNTO COM O FUTEBOL

Durante a Copa América, uma nova variante do coronavírus foi detectada em dois homens que integravam as seleções do Equador e da Colômbia. A B.1.621 não é ainda uma variante de preocupação, por isso ainda não tem um nome de letra grega.

Mas ela está em uma lista de alerta da OMS, para ser monitorada e estudada. A BBC explica o que se sabe sobre ela, que foi identificada pela primeira vez na Colômbia, em janeiro, e hoje está em pelo menos 19 países. Essa cepa tem cinco mutações importantes na espícula (que se liga às células humanas), sendo que quatro estão presentes na Alfa, Beta, Gama e Delta e podem levar a maior transmissibilidade.

ÁLCOOL E CÂNCER

Cerca de 740 mil novos casos de câncer – ou 4% de todos os diagnósticos do ano passado – podem estar associados ao consumo de álcool, segundo um estudo global publicado ontem no periódico The Lancet Oncology. O trabalho foi conduzido por pesquisadores da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer na França, junto com outras instituições em diferentes países.

Os principais tipos de câncer em que os autores fizeram essa associação são o de esôfago, fígado e mama. De acordo com a pesquisa, 47% dos casos foram diagnosticados em quem consome mais de seis doses de bebida por dia, e 39% entre quem toma de duas a seis doses. Mas o consumo moderado (menos de duas doses diárias) respondeu por 14% dos casos. 

Uma limitação: os autores não levaram em consideração o consumo anterior de álcool nem outros hábitos e fatores, como fumo ou obesidade. Quem bebe muito e fuma muito, por exemplo, pode ter câncer associado ao cigarro, e não ao álcool. 

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