Complexo Econômico-Industrial da Saúde: rumos para 2025
O ano que se inicia pode ser palco de notáveis avanços da ambiciosa política que propõe a “saúde como motor do desenvolvimento”. Coordenação com CT&I será instrumento chave – e o combate às doenças negligenciadas, um importante foco
Publicado 14/01/2025 às 22:39
Por Julieta Palmeira, autora convidada
Originalmente publicado no site da Fundação Maurício Grabois com o título “O Complexo Econômico Industrial da Saúde e a democratização do acesso à saúde”.
Em resposta a desafios da sociedade brasileira e com base no desenvolvimento sustentável, o governo brasileiro lançou em 2023 sua nova política industrial – o Programa Nova Indústria Brasil (NIB) – baseada em seis missões. O enunciado revela que não se pretende somente implementar uma política de retomada do desenvolvimento industrial. De fato, sem explicitar para que e para quem está se buscando esse desenvolvimento, a política industrial seria mero vetor de um tipo de crescimento. Mas a vinculação do Programa NIB ao desenvolvimento baseado em missões e entregas à sociedade, com foco no desenvolvimento tecnológico e inovação para o desenvolvimento do país, oferece um alento.
Na história das políticas industriais brasileiras, e decorrentes delas, não se pode deixar de citar entregas relevantes à sociedade que inegavelmente envolveram a ciência, tecnologia e inovação. Para além do Petróleo e Gás, com a Petrobras, e da utilização do etanol nos veículos comercializados no Brasil, como resultado do Proálcool, podemos falar no setor Saúde do fortalecimento da cadeia produtiva de medicamentos com a Lei dos Genéricos e, mais recentemente, da expansão da indústria de biotecnologia com o desenvolvimento de vacinas, além de outras conquistas.
O CEIS nos marcos da neoindustrialização do país
Sem dúvida, o acesso à saúde transversaliza várias das seis missões do NIB, que são: 1) Cadeias Agroindustriais Sustentáveis para segurança alimentar, nutricional e energética; 2) Complexo Econômico Industrial da Saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar o acesso à saúde; 3) Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e bem estar nas cidades; 4) Transformação Digital da Indústria para ampliar a produtividade; 5) Bioeconomia, Descarbonização, Transição e Segurança Energéticas para garantir os recursos para gerações futuras; 6) Tecnologias para a Segurança e Defesa Nacionais para garantir a soberania e defesa nacionais.
Ao lado de outros colegas da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa federal vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), participei do GT de Saúde da nova política industrial, instituído pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) e coordenado pelo Ministério da Saúde (MS) na construção da Missão 2 do programa NIB no que se refere ao Complexo Econômico Industrial da Saúde. A meta da Missão 2 estipula que 70% das necessidades do SUS em medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, materiais e outros insumos para a saúde passem a ser produzidos no país até 2033 com o fortalecimento do desenvolvimento brasileiro soberano e a ampliação do acesso à saúde, alcançando até 50% dessa produção em 2026.
Na linha de implementação da Missão 2, estão a Estratégia Nacional de Fomento, Fortalecimento, Desenvolvimento e Inovação do CEIS e os 13 desafios de saúde apresentados pela Matriz de Desafios Produtivos e Tecnológicos em Saúde, estabelecida em 2024 pelo MS. Ambos reforçam a existência de um cenário favorável ao desenvolvimento e produção de tecnologias e insumos, como no caso de vacinas e soros, insumos farmacêuticos ativos (IFAs), oncológicos, terapias avançadas para o SUS, imunossupressores, anticorpos monoclonais, radiofármacos, medicamentos para doenças e populações negligenciadas, entre outros. Essas iniciativas do MS propiciam ações coordenadas de outros ministérios e instituições voltadas para investimentos no CEIS, a exemplo da Finep/MCTI que investiu em projetos de inovação para o CEIS, por meio do Programa Mais Inovação Brasil, entre 2023 e 2024, em torno de R$ 3,7 bi, apoiando iniciativas públicas e privadas. Uma grande conquista!
Por outro lado, com as bases institucionais construídas a partir de 2023, foram criadas as condições para o aperfeiçoamento do Programa de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) do MS, que envolve incorporação de tecnologia para o país e do Programa de Inovação e Desenvolvimento Local (PDIL), com forte pegada na base territorial, além da criação de outros programas que estruturam a estratégia do CEIS e mobilizam parcerias e investimentos na produção e desenvolvimento de tecnologias em saúde para atender as demandas do Sistema Único de Saúde (SUS).
O momento de enfrentar as doenças negligenciadas
Destaco, como exemplo de esforço para ampliação do acesso à saúde, a perspectiva de produção de medicamentos e de financiamento da inovação para doenças negligenciadas com o Programa de Produção e Desenvolvimento Tecnológico para Populações e Doenças Negligenciadas (PPDN) do MS.
As doenças negligenciadas, além de prevaleceram em condições de pobreza, representam relevante desafio no contexto do desenvolvimento de um país. A dengue, esquistossomose, tuberculose, malária, Doença de Chagas, leishmaniose, hanseníase são doenças tropicais negligenciadas (DTN) causadas por agentes infecciosos, endêmicas em populações de baixa renda e continuam sendo responsáveis por relevantes índices de morbidade e mortalidade na América Latina, incluindo o Brasil, além de se estenderem para outros continentes e países em desenvolvimento, constituindo um problema global de saúde pública. As regiões Norte e Nordeste do Brasil apresentam os menores IDHs e registram o maior número de casos de DTNs, revelando a relação intrínseca que elas guardam com a pobreza.
Na maioria dos países, essas doenças possuem investimentos reduzidos para controle, pesquisas e produção de medicamentos, resultando em baixa abordagem terapêutica dessas doenças e a não consideração de possíveis avanços terapêuticos com novos fármacos, testes, diagnósticos e vacinas. A estratégia do CEIS aponta para a possibilidade de que o estado brasileiro assuma protagonismo no enfrentamento das doenças negligenciadas, visando também atender as metas e marcos globais que integram o documento da OMS “Acabar com a Negligência para alcançar os ODS: um roteiro para DTN 2021-2030”.
Reforçar a saúde como vetor do desenvolvimento
Algumas questões vão se consolidando na medida em que se fortalece o CEIS. A primeira delas é a “Saúde como vetor de desenvolvimento”, como tem reafirmado o secretário do MS responsável pelo CEIS, Carlos Gadelha. Na mesma perspectiva, está a importância da C&TI para a ampliação do acesso à saúde. Isso denota, entre outras questões, uma ação coordenada do MS com o MCTI no contexto da nova política industrial brasileira.
O fortalecimento do CEIS tem a ver com a visão de que o investimento em avanço tecnológico deve resultar na melhoria da qualidade de vida das pessoas com consequente ampliação do acesso às novas tecnologias. O SUS não é um plano de saúde para os pobres, despojado dos seus princípios de universalidade e integralidade, voltado apenas para o acesso às necessidades básicas em saúde. Estas devem ser asseguradas. Mas democratizar o acesso à saúde significa proporcionar que cada pessoa tenha acesso ao necessário, ao mais eficaz naquele momento para melhor abordagem da sua necessidade, do enfrentamento da sua enfermidade e para garantir a sua qualidade de vida. E isso inclui os avanços tecnológicos na abordagem de determinada doença que não podem ficar restritos às pessoas que podem pagar por eles. Inclui também uma Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), de recém-completos 20 anos, que incorpore continuamente as novas tecnologias em saúde.
Ampliar o acesso à saúde envolve o fortalecimento do CEIS e do SUS público, gratuito e de qualidade para efetivar o direito à saúde. Tudo indica que 2025 será um ano alvissareiro para o Complexo Econômico Industrial da Saúde.