Como Uganda controlou um surto de ebola em dois meses

Resposta imediata, campanha de comunicação, atuação de agentes comunitários de saúde e cooperação internacional. Essas foram as ações que levaram país da África Central a combater vírus letal em tempo muito menor do que o esperado

Profissional da Médicos Sem Fronteiras vestindo o equipamento de proteção individual utilizado em centros de tratamento do ebola. Pierre Fromentin/MSF
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Em outubro de 2022, manchetes pelo mundo alertaram sobre um novo surto de Ebola no continente afriacano: Uganda registrava mais de 75 pessoas contaminadas com a cepa do Sudão do vírus, altamente letal. A situação despertou grande preocupação por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), mas, cerca de 2 meses depois, em janeiro deste ano, Uganda declarou estar livre do vírus novamente. 

Esse foi o sétimo surto de ebola registrado no país da África Central. Também em 2012, a população enfrentou a cepa do Sudão e, em 2019, registrou um surto da doença provocado pela variante do Zaire – que atingia o vizinho Congo. Até 2015, quando o vírus provocou a terrível epidemia que matou mais de 11 mil pessoas na costa leste da África, acreditava-se que sua existência era limitada aos países da região central. 

Quando os casos começaram a aumentar em outubro do ano passado, o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, instruiu o alto escalão médico do exército a se dedicar na luta contra a doença. Naquele momento, a expectativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) era de que levaria de 1 a 2 anos para controlar o surto – principalmente porque as contaminações cresciam em Kampala, maior cidade e capital do país. Kyobe Henry Bbosa, médico e tenente-coronel, foi nomeado para comandar a resposta governamental. Uma equipe de 20 médicos ligados ao comando fizeram parceria com cerca de 3.500 especialistas em saúde de todo o país, mas as primeiras semanas da operação não tiveram o resultado esperado. Segundo relatou uma reportagem da Vice, o surto já começara a causar o esvaziamento de ruas e rodovias, comércios nas áreas urbanas e rurais. 

Em seguida, o governo estabeleceu uma cooperação com as comunidades locais. Isso porque, especialmente nas zonas rurais do país, muitas pessoas estavam procurando curandeiros tradicionais para tratar os primeiros sintomas da doença – o que dificultava a contabilização dos casos e, consequentemente, a avaliação eficaz da extensão do surto. À Vice, Silvest Lwambuka, líder comunitário em Kassanda, afirmou que muitas famílias evitavam ir aos hospitais. Uma força-tarefa precisou ser estabelecida para rastrear casos suspeitos, junto a análises de riscos para identificar áreas mais suscetíveis a piora do cenário. 

Apesar dos esforços, outro agravante estava impedindo a queda do número de mortes nos principais hospitais do país: os tratamentos utilizados contra outras variantes do Ebola, para essa cepa, não são tão eficazes. Ainda em outubro, Museveni decretou lockdown para os habitantes de Mubende e Kassanda, distritos mais afetados. Em seguida, o surto atingiu também a capital, e o governo a desconsiderou um novo lockdown: após o desgaste provocado pela pandemia de covid-19, a população não ignoraria suas necessidades econômicas para ficar em casa. 

Foi então que o Ministério da Saúde, liderado por Jane Ruth Aceng, lançou uma campanha com foco em conscientizar e educar a população sobre o vírus. Milhares de panfletos e cartazes informativos foram distribuídos, incentivando pessoas a procurarem atendimento assim que identificassem sintomas. Houve o cuidado de traduzir as mensagens sanitárias para diversos idiomas, o que garantiu que as informações chegassem a todos os grupos étnicos do país. A divulgação massiva chegou a televisões, mercados, empresas e jornais locais. 

Os agentes comunitários de saúde, ou Village Health Trainers (VHTs), como são chamados em Uganda, tiveram um papel essencial na contenção do vírus e representaram o primeiro contato do Ministério da Saúde com as comunidades: de porta em porta, os profissionais tiraram dúvidas e espalharam informações corretas sobre prevenção e tratamento. “À medida que passávamos pelos locais, recolhíamos qualquer informação sobre quem não estava se sentindo bem e, se os sintomas fossem semelhantes ao ebola, repassávamos os detalhes ao governo”, disse Anna Nalubega à Vice, uma agente comunitária de Kassanda. Fedris Nambooze, outro VHT, afirmou que os agentes deixavam seus telefones às famílias, para que essas pudessem ligar a qualquer momento caso houvesse algum caso novo de ebola em sua comunidade. 

A cooperação e diálogo com os curandeiros locais foi essencial para conter a propagação do vírus nas zonas rurais; estes passaram a encaminhar pessoas sintomáticas aos hospitais assim que sua ajuda era solicitada. “Cuidamos uns dos outros para garantir que ninguém colocasse a si mesmo ou a sua comunidade em risco”, declarou Mpuga Teribirye, presidente dos curandeiros tradicionais no distrito de Mubende. 

O incentivo a vigilância também foi necessário diante de outro desafio, relatado pela Unicef: muitas crianças foram contaminadas simultaneamente com ebola e malária, o que eleva a taxa de mortalidade para 60%. O cenário precisou de uma resposta imediata, fornecida pelo órgão da ONU, que iniciou campanhas de medicina preventiva contra a malária nas regiões afetadas pelo ebola. 

Além do acerto estratégico do Ministério da Saúde, a cooperação internacional foi imprescindível para o controle do surto em poucos meses. A Organização Mundial da Saúde (OMS), Unicef, Centros e Controles de Prevenção de Doenças e a Médicos Sem Fronteiras forneceram auxílio às ações do ministério da Saúde. Muitos profissionais envolvidos nos atendimentos já haviam auxiliado em surtos anteriores de ebola no continente, o que garantiu respostas imediatas e eficazes assim que novos pacientes chegavam aos hospitais. 

Foi assim que, no final de novembro, já não havia mortes pelo vírus no país. No dia 11 de janeiro, a Uganda e a OMS anunciaram o fim do surto, depois que nenhum novo caso foi detectado em 42 dias. No total, foram 142 infectados, 55 mortes e 87 recuperações. Foram contabilizadas 22 mortes adicionais por provável subnotificação, ainda muito abaixo das 500 previstas quando os primeiros infectados foram identificados. Mesmo com o fim do surto, clínicas do país continuaram a fazer testes e a promover programas de apoio emocional a aqueles que sobreviveram à doença – que, com fortes sintomas, pode levar a traumas. 

“Parabenizo o governo, os profissionais de saúde e o povo de Uganda por sua liderança e dedicação, que permitiram que este surto de ebola fosse contido em menos de quatro meses”, declarou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, que elogiou a forma como o país africano “foi capaz de usar ferramentas comprovadas de saúde pública para conter o surto”.

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