Abrascão 2022: reconstrução da Saúde é foco da abertura

Os próximos anos serão de luta intensa para reverter a destruição e abrir espaços para construir um SUS mais forte e igualitário. O evento ajudará a começar a construir essas bases, após a grande vitória democrática

Foto: reprodução do Twitter
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Sob o mote Diversidade, equidade e justiça social, começou a décima terceira edição do Congresso da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, o Abrascão. Realizado em Salvador com início no Dia da Consciência Negra, o encontro reúne cerca de 4 mil trabalhadores, pesquisadores, gestores e militantes do campo da saúde pública. Homenageia diversos nomes da história da luta antirracista brasileira, a exemplo da socióloga e mentora intelectual do movimento negro brasileiro contemporâneo, Lélia Gonzales.

O Abrascão é realizado no Centro de Convenções Antônio Carlos Magalhães, na Boca do Rio, na orla da praia, num enorme pavilhão de eventos, inaugurado em 2020. A cerimônia de abertura ocorreu no maior dos auditórios, com capacidade para 3 mil pessoas. As cadeiras foram praticamente todas ocupadas por pesquisadores, sanitaristas, estudantes, docentes e profissionais da saúde, todos de partes variadas do Brasil.

Foi o discurso da presidente do Congresso, Isabela Cardoso Matos, que deu início à cerimônia. “Aqui temos representada a força da saúde coletiva, que resistiu ao avanço da extrema-direita e da necropolítica que matou mais de 600 mil brasileiros”, afirmou. Matos citou o resultado eleitoral do dia 30 de outubro como a “vitória de uma batalha muito importante”, e ressaltou que será preciso aproveitar o “movimento democrático” que se formou na sociedade.

Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), declarou ter sido chamado, junto a outros colegas, para compor o grupo técnico da equipe de transição da Saúde do próximo governo. Ele pediu aos presentes por uma mobilização contínua, com o objetivo de garantir que as pautas necessárias para a melhoria da saúde cheguem até o governo. “Nossa realidade não vai mudar no dia 1º de janeiro; ela também não vai mudar completamente nos próximos 4 anos. Nós precisamos reconstruir esse país”, declarou.

O enfrentamento à pandemia de covid-19 no país, mesmo diante da omissão e negacionismo do governo federal, foi um tema destacado pelos presentes. “Para nós que vivenciamos a Saúde no Brasil, o SUS é um sonho em construção (…) um sonho que impediu o colapso sanitário durante a pandemia”, afirmou Gisele de Jesus Paixão, representante do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). Ela relembrou a importância e o sacrifício dos enfermeiros, enfermeiras e dos outros trabalhadores da linha de frente durante os momentos mais tensos da pandemia, quando ainda não havia vacina disponível no país – e criticou os salários “miseráveis” recebidos por esses profissionais. Após lamentar o congelamento do piso nacional da enfermagem pelo Supremo Tribunal Federal, ela destacou que a luta pelo reconhecimento tem “gênero, classe e cor”, relembrando pesquisas que evidenciam a predominância de mulheres e pessoas negras na ocupação de cargos da linha de frente na Saúde.

Paixão afirmou que os sanitaristas ali presentes defendem o “audacioso projeto democrático de garantir saúde para cada brasileiro”, e citou teses globais de que a Atenção Primária é a grande responsável pela queda na mortalidade de doenças diversas. “O enfermeiro é peça-chave nessa gestão (…) Saúde não é apenas a ausência de doença, mas é bem estar físico, mental e social”, concluiu. 

Nisia Trindade Lima, presidenta da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), lembrou que no último Congresso da Saúde Coletiva, em 2018, apesar dos desafios já existentes, ninguém esperava o que viria com a pandemia nos anos seguintes. “Nesse processo, a ciência e o Sistema Único de Saúde foram pilares fundamentais e que terão que ser reforçados daqui pra frente”, com destaque, segundo ela, para o financiamento do SUS e a valorização da ciência. “A ciência e a política são pilares que precisam caminhar juntos em uma sociedade democrática. A política em defesa da vida, dos valores da democracia, da equidade e diversidade”, concluiu, e ao falar do esforço da Fiocruz em iniciar a vacinação no país, foi aplaudida pela plateia. 

Em ato solene, Socorro Gross Galiano, representante da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas américas, entregou a Rosana Onocko, presidenta da Abrasco, um título de homenagem pelo trabalho da Associação em defesa da saúde pública e coletiva. Gross falou da eleição do médico brasileiro Jarbas Barbosa, entrevistado pelo Outra Saúde, como diretor da Opas, e ressaltou em seu discurso a necessidade do fortalecimento dos sistemas, instituições e do controle social nos países latino-americanos, de modo que “as populações possam exercer seus direitos”, e deu ao Brasil como liderança importante na América do Sul. “Nossa região precisa de um Brasil que mostre o caminho para fazer a democracia mais forte e que respeite a diversidade”, declarou.

Gross disse que o SUS é a política social mais importante do Brasil, “que mostra ao resto do mundo que é possível” garantir saúde gratuita a toda população. Luís Eugênio de Souza, presidente da Federação Mundial das Associações de Saúde Pública, afirmou que “o mundo todo está olhando para o Brasil”, e que a saúde coletiva brasileira tem muito a mostrar para o resto das nações.

O 13º Congresso da Associação Brasileira de Saúde Coletiva irá até o dia 24 de novembro e contará, nos próximos dias, com apresentações de pesquisas, mesas de debate e a divulgação do Dossiê da Covid-19 elaborado pela Abrasco. Outra Saúde acompanhará as principais discussões e propostas até o fim da semana.

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