CNS reforça críticas ao Cuida Mais Brasil

Contratações previstas pelo novo programa deveriam ser feitas nos moldes da estratégia da família. Governo abandona uma política pública de grande êxito em favor da medicina empresarial, sabidamente incapaz de prestar o cuidado à saúde devido à população

.

Atento à urgência de recompor e ampliar as equipes profissionais no âmbito do SUS, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprofunda a discussão do Programa Cuida Mais Brasil, salientando o que tem sido criticado por diversas entidades da área da saúde. Um destaque desse debate é a importância de defender os princípios do SUS, enfatizada por Lígia Giovanella, médica sanitarista e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, e Maria Inez Padula Anderson, doutora em saúde coletiva pela Uerj e médica de família e comunidade.

Em um ponto crucial – a relação do governo com o SUS –, as especialistas sustentaram junto ao CNS que a Atenção Primária em Saúde, foco do Cuida Mais Brasil, é um modelo comprovadamente exitoso. Ela depende, no entanto, da Estratégia Saúde da Família, que está, na prática, desabilitada pelo governo federal. “O modelo de ter uma equipe multidisciplinar mínima é extremamente potente e muitos estudos nacionais e internacionais demonstram a eficácia da Estratégia de Saúde da Família e o potencial dela”, afirmou Maria Inez.

O Cuida Mais Brasil, lançado dia 6/1, investiria 194 milhões para ampliar o número de médicos pediatras (de 5.700 para 8.000) e o de ginecologistas-obstetras (de 5.300 mil para 7.000) nas equipes de Saúde da Família e de Atenção Primária. O objetivo, diz o programa, é fortalecer o cuidado materno-infantil. Mas Lígia critica essa alternativa de política pública. “Já era possível a presença de gineco-obstetras e pediatras nas equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família – e o Governo Federal extinguiu o financiamento específico desses núcleos em 2019”.

Na estratégia da família, o cuidado é desenvolvido por uma equipe composta por médicos de atenção primária (generalistas), enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde. Ao longo de mais de 20 anos, registrou-se o encontro do CNS, a expansão da cobertura da estratégia da família resultou em melhoria de acesso e redução de desigualdades com efeitos positivos sobre a saúde da população. Com destaque para a redução da mortalidade infantil, da desnutrição e da mortalidade por doenças cardiovasculares.

Acumulam-se evidências de que médicos generalistas e de família obtêm melhores resultados do que vários especialistas atendendo uma mesma pessoa – o sistema comercial comum, privilegiado nas políticas do atual governo. Inclusive sem consulta à população, diga-se, um grave desrespeito democrático. Integrantes das comissões intersetoriais da CNS, diz a nota do encontro, “apontam a importância de se realizar o cuidado e assistência às famílias com conhecimento do território e das pessoas que o habitam”.

“O programa traz uma uma lógica de desterritorialização. Todos concordamos que isso é um anti-modelo e retrocesso ao século passado. Precisamos pensar em estratégias e narrativas para enfrentar essa lógica hospitalocêntrica, especialista, biomédica, privatista e individualista. A população é capturada frente à toda sua necessidade e diante deste cenário de morte por um discurso populista”, avalia Ana Paula de Lima, que integra a Ctab (Câmara Técnica da Atenção Básica).

O Cuida Mais Brasil tem sido criticado por diferentes entidades que atuam na área da saúde. Imediatamente após seu lançamento, os grupos que integram a Frente pela Vida publicaram uma nota em que demonstra preocupação com o programa e ressalta que o Ministério da Saúde não apresentou justificativas embasadas na ciência para mudança na Estratégia Saúde da Família.

Leia Também: