Ciência: para reverter o cenário de terra arrasada

Cesar Victora, Renato Janine Ribeiro e Sidarta Ribeiro, refletem sobre o legado positivo do governo Lula e mostram saídas. Entre elas, lutar contra o êxodo de cérebros, resgatar o protagonismo brasileiro em áreas essenciais e envolver a CT&I na retomada do desenvolvimento

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A eleição de Lula traz grandes perspectivas para a ciência no Brasil. Primeiro, porque, como frisa o neurocientista Sidarta Ribeiro, em entrevista ao Outra Saúde, “O que foi feito com a Ciência, Tecnologia e Informação (CT&I) nos últimos seis anos é um crime. Então isso significa que embora as coisas vão ser muito difíceis no começo, tem um espaço gigantesco para melhora, após a tentativa de destruição”. Mas especialmente porque os governos do PT, em especial os mandatos de Lula, foram de grande apoio à ciência brasileira – o auge, segundo Sidarta, foi em 2010.

Sua opinião é seguida por outros grandes nomes, como Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Para ele, mais do que comparar propostas de governo, é possível ver concretamente o que representaram Lula e Bolsonaro, em seus mandatos, para a ciência. “Temos condições de avaliar que com o governo Lula houve uma expansão significativa dos recursos na área da pesquisa.” Sob Bolsonaro, o caminho foi o oposto, critica Janine: “Estamos com o país praticamente em terra arrasada. O desprezo pela inteligência é expresso, por exemplo, no fato de que pelo menos três propostas de vacina contra covid emergiram no Brasil, uma do Butantan, outra da USP de Ribeirão Preto e uma terceira da Universidade Federal de Minas Gerais, e nenhuma chegou a termo por falta financiamento federal”.

Janine Ribeiro reflete também sobre os primeiros passos a serem dados a partir de 2023, na CT&I: “Eu diria, muito sucintamente, que o Brasil tem que definir em quais áreas da ciência e tecnologia vai ser protagonista. Nas áreas em que ele não pode ser líder mundial, o país pode acompanhar as pesquisas de ponta que estão sendo feitas. Em outras palavras, o Brasil tem que selecionar pontos em que ele pode liderar e pontos em que ele vai acompanhar”.

Cesar Victora, epidemiologista de influência global em relação à nutrição infantil e amamentação, tem opinião parecida. Victora marcou posição contra o governo de Jair Bolsonaro no final de 2021, quando recusou a Grã Cruz da Ordem do Mérito Científico. À época, ele havia justificado que não aceitaria prêmio de um governo que ativamente boicota a ciência e a saúde coletiva. Hoje, Victora celebra a mudança de governo: “Eu estou muito otimista porque a ciência e a tecnologia no Brasil sempre foram muito apoiadas pelos governos anteriores do presidente Lula e também pelo governo da presidente Dilma”.

Para ele, a prioridade imediata, depois de reverter os cortes no orçamento, é fazer um programa robusto para evitar a diáspora de cientistas para fora do país. “Nossos alunos mais brilhantes têm ido para o exterior por posições melhores, devido à falta de salários e dos baixos salários do Brasil, a falta de financiamento. Isso tem causado um prejuízo enorme, não somente no presente, mas também pras futuras gerações de cientistas brasileiros”, lamenta. Para ele, após estancar a diáspora, é preciso trazer de volta aqueles que já saíram: “Isso só se faz com financiamento, com a possibilidade de empregos com salários atraentes”.

Sidarta também vê a volta de cientistas ao Brasil como projeto fundamental para o próximo governo. “Existe uma necessidade de os cientistas fazerem formação em centros de máxima qualidade no exterior, isso é importante sempre, mas é importante também que essas pessoas possam ir e voltar, como aconteceu muito na época do governo Lula”. Ele aposta em uma reformulação do programa Ciência Sem Fronteiras, que seja elaborado para que o retorno dos pesquisadores esteja previsto, além de sua permanência no país depois de formados.

Mas o neurocientista vai além: é preciso pensar na Ciência & Tecnologia presente em todos os aspectos do desenvolvimento do Brasil – e também como solução para muitos dos problemas. Ele dá o exemplo do garimpo na Amazônia: por que não atrair as pessoas que estão nessas atividades para outras, relacionadas ao conhecimento? “Eu sonho, por exemplo, com um grande plano de iniciação científica. Inclusive iniciação científica júnior. Na Amazônia, por exemplo, poderia estar associada às universidades e aos IFS. Porque isso pode criar alternativas econômicas. Às vezes o pai é garimpeiro, mas seu filho pode fazer ciência – e de repente o pai pode largar o garimpo porque o filho está fazendo pesquisas antropológicas e biomédicas de relevância planetária na Amazônia.”

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