Bruno e Dom: os horrores de uma Amazônia abandonada

Como o Vale do Javari, área remota da floresta habitada em boa parte por povos isolados, tornou-se caldeirão de violência onde muitos sucumbem? De que o forma o investimento em políticas sociais ambientais pode mudar este destino

Bruno Pereira em seu trabalho com indígenas isolados no Vale do Javari
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A história é dramática sob qualquer perspectiva. Um indigenista brasileiro e um jornalista britânico – Bruno Pereira e Dom Phillips – estão desaparecidos há mais de uma semana em zona remota, mas que vive há anos um conflito intenso. Sumiram no segundo maior Território Indígena do país, o Vale do Javari, onde há a maior concentração de povos isolados no planeta. Ao seu redor, está uma comunidade pobre de ribeirinhos que invadem o território demarcado para os indígenas para cortar madeira e pescar espécies em extinção, trabalhando para traficantes internacionais. A área é tomada pelo crime organizado, em local estratégico entre a fronteira do Brasil, Peru e Colômbia, devido à falta de investimento do governo de Jair Bolsonaro em políticas sociais e de preservação do ambiente.

Ontem (13/6) pela manhã, uma informação que mais tarde mostrou-se falsa parecia dar uma triste resolução ao desaparecimento de Bruno e Dom. Um funcionário da embaixada do Brasil no Reino Unido telefonou à família do jornalista britânico informando que dois corpos haviam sido encontrados. Eles pertenceriam aos dois homens, que tomaram um barco no dia 5/6 e nunca mais foram vistos. Pouco mais tarde, a Polícia Federal negou a notícia. O que acharam, até agora, foi uma mochila e botas de Dom, roupas e o cartão do plano de saúde de Bruno. Sua morte ainda não pode ser confirmada – mas os indígenas que trabalham com afinco na busca relatam ter poucas esperanças.

Bruno, funcionário exonerado da Fundação Nacional do Índio (Funai) após denunciar garimpeiros na Terra Indígena Yanomami em 2019, dedicava a vida a ajudar na proteção dos povos que vivem no Vale do Javari. Uma matéria publicada em 2018, assinada por Dom, descreve sua dedicação em mapear os indígenas isolados que vivem na região, sem colocá-los em risco. Mais recentemente, Bruno trabalhava na Vigilância da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que mapeia – sem qualquer financiamento ou ajuda da Funai – invasões no território demarcado. O local é visado pelos povos ribeirinhos das cidades próximas, por ser rico em madeira e pirarucu, peixe em extinção. Alguns deles são financiados (explorados?) por traficantes, que vendem as riquezas a preços altos no mercado ilegal.

O clima na cidade de São Gabriel, onde vive Amarildo da Costa, principal suspeito pela possível morte de Bruno e Dom, é de medo: moradores evitam dar entrevistas e dizem não saber de nada. Todos ali vivem da pesca. A comunidade é abandonada pelo poder público, relata ao jornal inglês The Guardian o guia turístico que trabalha na região. A situação só piorou nos últimos anos.Mas onde há medo, há também luta: hoje, um ato reuniu mais de 200 indígenas na cidade de Atalaia do Norte. Protestavam e mostravam indignação pelo desaparecimento de Bruno e Dom e pelo corpo mole do exército. A Equipe de Vigilância do Vale do Javari, cuja função principal é rastrear invasores, interrompeu seus trabalhos e tem dedicado tempo integral às buscas. Maxciel dos Santos, outro funcionário da Funai morto em 2019 na região, também foi lembrado na manifestação.

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