Amazônia: desaparecimentos emblemáticos

Ameaçados por devastadores da floresta, um indigenista brasileiro e um jornalista britânico desapareceram domingo. O que isso revela sobre a violência contra o ambientalismo no Brasil e o descaso dos governos diante do colapso climático

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O início de junho marcou os 50 anos do Dia Mundial do Meio Ambiente e os 30 anos da conferência Rio-92. No mesmo final de semana, o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, desapareceram na região do Rio Javari, próximo à fronteira com o Peru, poucos dias depois de ameaçados pelas máfias do garimpo e do desmatamento da região. 

Bruno é servidor da Funai encarregado de proteger comunidades indígenas isoladas. Phillips colabora com o jornal londrino The Guardian e é especialista em meio-ambiente. O jornalista era conhecido em seu país por escrever sobre a crise ambiental no Brasil e seus efeitos sobre os povos originários.  O caso ganha notoriedade internacional, mas não é isolado. Em outubro de 2021, a ONU classificou a situação do Brasil como uma das “mais preocupantes” sobre ameaças a defensores ambientais e de direitos humanos. O país ocupa o 3º lugar no ranking global de assassinatos deste tipo: de acordo com relatórios da Global Witness, em 2019, foram 24 defensores mortos no Brasil, sendo 10 indígenas. 

Em 2020, foram registradas 165 mortes de defensores ambientais na América Latina, 20 delas no Brasil. Ainda, segundo dados coletados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, de 1.323 assassinatos de defensores no mundo entre 2015 e 2019, 933 aconteceram na América Latina e Caribe, e destes, 174 no Brasil. Karaí Okaju (Ilson Soares), liderança da aldeia Tekoha Y’Hovy (PR) e da Comissão Guarani Yvyrupa, chegou a denunciar o fato ao Alto Comissariado da ONU na época

Na ocasião, representantes do governo foram criticados pela comissão, que apontou a baixa abrangência do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PNPDDH) – especialmente no Norte do Brasil, principal região para a mineração e o extrativismo ilegal de madeira.

Pouco para comemorar

O Dia Mundial do Meio Ambiente – 5 de junho – foi criado pela ONU em 1972, na primeira conferência internacional sobre o tema. Meio século depois, apesar dos múltiplos alertas científicos sobre o rumo que o mundo está tomando em direção a uma catástrofe climática, as ações concretas para frear essa previsão estão longe do suficiente. As temperaturas extremas que levaram à morte de pessoas por calor no Paquistão e na Índia em abril já são, segundo cientistas, uma consequência do aquecimento de 1,1ºC do planeta e do aumento em 55% do lançamento de gases do efeito estufa na atmosfera desde 1990. Apesar de os países desenvolvidos serem os maiores emissores de CO2, as nações mais pobres são as principais afetadas pela mudança climática, segundo dados de pesquisa internacional divulgada pela revista Lancet.

No Brasil, o mês de maio marcou um recorde de queimadas: 2.287 focos de incêndio no bioma Amazônico, aumento de 96% se comparado ao mesmo período em 2021 e maior registro desde maio de 2004, segundo o Inpe. Já no centro do país, onde predomina o bioma do cerrado, a quantidade de queimadas subiu 35% em 2021, maior registro para o mês de maio desde 1998. 

Duas décadas depois de instituir o Dia Mundial do Meio Ambiente, a ONU organizou, no Rio de Janeiro, sua Conferência sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (a Rio-92). O encontro representou a esperança de que finalmente haveria esforços globais para reduzir as emissões de carbono e defender o meio ambiente em geral. Mas a Rio+20, em 2012, marcou o fim do otimismo, segundo Maureen Santos, coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educação (Fase). “Tivemos a confirmação de que a economia, segundo esses espaços oficiais, é o eixo principal. E que ela se sobrepõe, inclusive, ao conceito de desenvolvimento sustentável, que também tem como pilares o social e o ambiental”, afirmou à Fiocruz.

O fato de o aniversário das duas datas definidas pela ONU ser precedido pelo desaparecimento de Phillips e Pereira é um sintoma do cenário preocupante de pouco comprometimento para reverter a mudança climática e, no Brasil, de perseguição a quem tenta defender medidas concretas em prol do meio ambiente.

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