Ministério da Saúde adverte: falta tudo conta a pandemia
País não tem leitos, equipamentos de proteção nem profissionais experientes. Cinco estados estão entrando em fase de “aceleração descontrolada” da covid-19. Leia também: o desastre econômico e social à vista
Publicado 06/04/2020 às 07:48 - Atualizado 06/04/2020 às 08:20

Por Maíra Mathias e Raquel Torres
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“ACELERAÇÃO DESCONTROLADA”
 Ao contrário dos boletins anteriores do Ministério da Saúde, o que foi  divulgado na sexta à noite é uma edição especial e traz a avaliação de risco da Pasta sobre o coronavírus. Diz com todas as letras o que já vem sendo objeto de preocupação há muito tempo: nos hospitais faltam leitos, equipamentos de proteção individual, respiradores e ainda profissionais  capacitados para o manejo clínico de pacientes graves. Na atenção  básica, faltam trabalhadores treinados para lidar com casos leves.
E, no geral, faltam não só testes como laboratórios: o  país quer chegar a fazer 50 mil exames por dia, mas a Rede Nacional de  Laboratórios só consegue processar diariamente 6,7 mil, no máximo.  Segundo o documento, o Ministério está ampliando a capacidade dos  laboratórios públicos e buscando parcerias público-privadas com grandes  redes. Ontem, a ministra da Agricultura Tereza Cristina anunciou que todos os laboratórios da Embrapa estão à disposição,  e que haveria potencial para realizar 70 mil testes – do tipo PCR, que é  mais confiável – por dia. Parte deles, porém, ainda precisa de  certificação. A ver.
Voltando ao boletim, foi um termo usado nele – “aceleração descontrolada” –  que gerou a maior avalanche de perguntas na coletiva de imprensa de  sábado. O documento considera que a evolução da covid-19 se dá em quatro  fases epidêmicas: epidemia localizada, aceleração descontrolada,  desaceleração e controle. E que, embora a maior parte do país esteja em  fase de epidemia localizada, há cinco estados onde ela “pode estar” em  transição para a tal aceleração descontrolada: Distrito Federal, São  Paulo, Ceará, Rio de Janeiro e Amazonas.
A preocupação com esses estados é porque, comparando  com a incidência nacional do coronavírus (que é de 4,3 casos para cada  100 mil habitantes), neles ela é maior que a média: 13,2 no DF; 9,7 em  SP; 6,8 no CE; e 6,2 no RJ e no AM. E o que isso significa? Segundo o  secretário-executivo João Gabbardo, é uma “espiral de casos”, e o  momento que o Ministério não consegue mais prever a dimensão das  contaminações. Predizendo que outros estados chegarão lá também, ele  afirmou que ideal é isso não acontecer ao mesmo tempo no país inteiro.
UM RECORDE POR DIA
 Chegamos ontem a 11.130 mil casos confirmados de covid-19, com 486 mortes.  Mais de 4,6 mil casos estão em São Paulo, outros 1,4 mil no Rio e 823  no Ceará. Ainda no sábado, João Gabbardo havia dito que provavelmente o  país vai começar a registrar recordes de casos e mortes todos os dias,  especialmente se a capacidade de testagem de fato aumentar. A  estabilização, seguiu ele, só virá quando a maior parte da população  tiver se infectado, ainda que sem sintomas. “É inevitável, todo mundo  vai ter contato com o vírus. O que a gente precisa é ter tempo para que  consigamos lidar com isso”, afirmou, endossando a necessidade de medidas  de isolamento social nos estados, dependendo do número de casos.
Aliás, já dissemos aqui mas é bom repetir:  como além dos pacientes sem testagem há também exames feitos há semanas  e na fila para análise, os números divulgados agora refletem infecções  contraídas já há algum tempo, e é bem possível que as pessoas infectadas  hoje só apareçam nas estatísticas no futuro. Daí que os números dos  boletins dificilmente darão conta de demonstrar se medidas de isolamento  estão dando ou não resultados. Em entrevista ao Globo, o biólogo Átila Iamarino diz que uma forma de saber isso é olhando para as internações – mas a diminuição delas só vem entre duas e três semanas depois de a medida ter sido tomada.
E a subnotificação pode ter outra razão, além da falta de exames: a dificuldade de os hospitais notificarem seus casos, aponta a Época.  Quando a covid-19 chegou ao Brasil, o Ministério disponibilizou uma  ficha de cadastro específica para o registro da doença, mas cada  hospital levava em média dez minutos para preencher, deixando o sistema  lento. Com o aumento da demanda, ele não suportou o número de acessos.  Então, desde a semana passada está sendo usado um novo sistema… Que  ainda está em fase de testes. 
ERRO 
 Ainda tem, é claro, os erros. Na semana passada, o Ministério da Saúde  afirmou ter descoberto que o primeiro caso de covid-19 por aqui teria  acontecido em janeiro, um mês antes do que se pensava. A paciente seria  uma mulher de Minas Gerais. Mas a secretaria estadual de saúde informou  que houve erro no cadastro e que, na verdade, os sintomas apareceram só dois meses depois do informado, em março. 
TSUNAMI A CAMINHO
 A diretora da Organização Pan-Americana de Saúde, Clarissa Etienne, informou que espera um “tsunami” do novos casos de coronavírus na América Latina e no Caribe. Os números oficiais  dos demais países da região preocupam porque, assim como no Brasil,  parece bem claro que estão subestimados. Na semana passada falamos do  caso do Equador, que, com pouco mais de três mil casos e cem mortes  confirmadas, já vê um colapso no seu sistema funerário.
Mas há outros dignos de atenção. Ao longo dessa  pandemia, percebemos que, nos países que registram altas taxas de  letalidade quando ainda há poucos casos, isso normalmente acontece por  conta da não identificação dos casos propriamente. Um exemplo já  clássico é o do Irã, onde a primeira morte aconteceu quando ainda não  havia nenhum caso registrado. A tabela da Opas mostra países em que há  relativamente poucos casos e mortes, mas onde a subnotificação pode  estar fazendo com que o vírus siga se espalhando silenciosamente: Guiana  e Bahamas, por exemplo, têm quatro mortes cada, com menos de 30 casos.  Outros: Honduras (22 mortes em 268 casos), Curaçao (uma morte em apenas  11 casos), Jamaica (três em 55), El Salvador (três em 62) e Bolívia (dez  em 157 casos). Pode ser questão de pouco tempo até que venha o tsunami e  os casos apareçam da pior maneira possível.
VIOLENTAMENTE IRRESPONSÁVEL
 Falando em América Latina, há um caso pior do que o brasileiro na região  quando se pensa no uso político da pandemia feito por quem está no  poder. Falamos da Nicarágua, onde o presidente Daniel Ortega e sua vice  (e também esposa) Rosario Murillo não confrontam as orientações  sanitárias sobre distanciamento social apenas no discurso, mas tomam um  conjunto de medidas concretas no sentido contrário. Murillo convocou uma procissão  para marcar a Semana Santa depois que a Igreja Católica cancelou as  celebrações. Outros dois atos políticos convocados pelo governo já  tomaram as ruas, reunindo milhares de pessoas. Em um deles, que recebeu o  absurdo nome de “Amor nos tempos de covid-19”, a participação dos funcionários públicos era obrigatória.  Além disso, o governo tem anunciado a abertura de parques e piscinas  públicas e divulga atividades culturais, sempre incentivando  aglomerações. Por fim, a Nicarágua tem recebido navios de cruzeiro  rejeitados em portos de outros países. Quando os barcos chegam, os  turistas podem desembarcar e são recebidos com flores por crianças.
“PIRATARIA MODERNA”
 Se o enfrentamento ao novo coronavírus tem sido chamado de “guerra” por autoridades ao redor do mundo, há uma outra guerra,  essa entre países, rolando ao mesmo tempo. Um conjunto de 200 mil  máscaras de proteção produzidas pela empresa 3M (dos EUA) foram  encomendadas pela Alemanha, mas, depois de confiscadas na Tailândia,  nunca chegaram ao destino final. O ministro do interior, Andreas Geisel,  afirma que foram desviadas para os EUA,  no que classificou como um ato de “pirataria moderna”. Como sabemos,  Donald Trump recorreu a uma lei dos anos 1950 para proibir empresas de  exportarem esses produtos.
Mas a proibição dos EUA de exportar  insumos não é uma exceção na pandemia. No auge das contaminações na  China, o país também segurou suas vendas. A Índia, com um avanço de  casos no território, fez o mesmo. O governo já havia vetado a exportação  de alguns medicamentos, assim como equipamentos de proteção e, no  sábado, anunciou a restrição da venda de kits de testes para covid-19.
Segundo a Reuters, porém, o país vai olhar com  certo carinho para os EUA. Trump telefonou no mesmo sábado para o  primeiro-ministro indiano Narenda Modi e pediu suprimentos de  hidroxicloroquina. Em nota sobre a conversa, a Índia disse que os dois  líderes “concordaram em empregar toda a força da parceria Índia-EUA para  combater de forma resoluta e eficaz” a doença. 
Mas há um tipo de ‘passada de perna’ que  nada tem a ver com proibições internas baseadas em leis. Aqui no  Brasil, estados do Nordeste encomendaram 600 respiradores da China, e  eles acabaram parados em Miami. A Casa Civil da Bahia informou em nota  que a “operação foi cancelada unilateralmente pelo vendedor”. Por quê? A  suspeita é que os EUA tenham oferecido pagar mais. O governo francês  aponta a mesma dificuldade para conseguir comprar insumos.
A embaixada dos EUA no Brasil, é claro, negou. Jair Bolsonaro, é claro, compartilhou a resposta.
Na semana passada, Luiz Henrique Mandetta afirmou que  não é possível assegurar a chegada aqui de oito mil respiradores  contratados porque existe o risco de a fábrica receber uma oferta melhor  e desistir de vender para o Brasil. E o Ministério tem criticado, vejam  só, essa “lógica de mercado“. “Estamos vendo retenção sobre produções globais de máscaras. Quase que uma coisa assim: ‘isso era global, agora é só pra atender o meu país’.  Nós estamos dialogando com os países no sentido de ter um mínimo de  racionalidade nesse momento, para podermos achar um ponto de  equilíbrio”, disse o ministro da saúde.  
O fato é que isso já tem desestimulado novas compras, como informa o Estadão.  O governo do Maranhão, por exemplo, teve seu contrato de compra de 107  respiradores rompido e desistiu por enquanto de importar da China. O  secretário de saúde, Carlos Lula, avalia que é mais seguro apostar na  produção nacional. Será suficiente?
Se depender da cadeia de produção instalada aqui  atualmente, ao menos no caso dos ventiladores, provavelmente não, alerta  Raul González Lima, especialista em Engenharia Biomédica e professor da  USP. Isso porque ela depende de componentes importados, e não há  estoques deles na quantidade necessária. Mas a pesquisa brasileira pode  apontar saídas. Num projeto coordenado por ele na USP, cientistas estão desenvolvendo um ventilador de baixo custo, baseado em componentes disponíveis no Brasil. Os protótipos já estão em produção. 
MAIS UM PROBLEMINHA
 Depois que os casos de coronavírus no país se estabilizaram, a China  pediu que suas fábricas aumentassem a produção e, desde o mês passado,  foram exportados quase quatro bilhões de máscaras, 40 milhões de trajes  protetores, 16 mil respiradores e 2,8 milhões de testes para 50 países.  No total, tudo custou 1,4 bilhão de dólares. A questão é que a qualidade  dos insumos tem sido contestada.  A Holanda denunciou que metade de um lote de 1,3 milhão de máscaras não  se ajustava corretamente ao rosto, e alguns filtros não funcionavam  adequadamente. A Espanha devolveu milhares de testes com defeito. Ontem,  autoridades chinesas replicaram que “a China tem normas e hábitos de  uso diferentes de outros países” e que o “uso inadequado pode levantar  dúvidas sobre a qualidade”.
APROVAÇÃO AO MINISTÉRIO DISPARA
 O Datafolha foi às ruas entre quarta e sexta passadas para perguntar aos  brasileiros sobre a crise do coronavírus. E a avaliação do desempenho  do Ministério da Saúde, fortemente vinculado à figura de Luiz Henrique  Mandetta, é bastante positiva mesmo entre aqueles que declaram ter votado em Bolsonaro no segundo turno das eleições.  Desses, 82% classificam o trabalho da Pasta como ótimo ou bom. Na  pesquisa anterior, feita de 20 a 23 de março, esse percentual era de  64%. O Ministério da Saúde subiu mais ainda no conceito da população em  geral, saltando de 55% de avaliações positivas para 76%.
Por outro lado, se é verdade que cresceu um pouquinho a  reprovação ao desempenho do presidente brasileiro nesse período  (recebeu 18% de avaliações ruim e péssimo, contra 14% na pesquisa  anterior), também é fato que Bolsonaro mantém certa fidelidade mesmo  neste momento sombrio. A aprovação a sua figura segue estável (33% em  março e 35% agora). Sua renúncia neste momento é rechaçada por 59% da população. Apesar disso, 51% acredita que Jair Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda no combate ao novo coronavírus.   
Sob o impacto da pesquisa, que começou a ser divulgada  no sábado, o presidente voltou às bravatas contra Mandetta. Ontem de  noite ele disse para um grupo de aproximadamente 20 apoiadores que se  aglomeravam diante do Palácio da Alvorada que não tem “medo de usar a  caneta” contra integrantes do governo que “viraram estrelas”. “Estão se achando demais.  Era pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas, falam pelos  cotovelos, tem provocações. A hora D não chegou ainda não. Vai chegar a  hora deles, porque a minha caneta funciona”, disse. Pouco depois da  declaração, o ministro da saúde foi procurado pelo Estadão para  comentar. E disparou: “Eu estou dormindo. Amanhã eu vejo, tá?”.  Na sexta, Mandetta tinha mandado o seguinte recado: “Quanto a eu deixar  o governo por minha vontade, tenho uma coisa que aprendi com meus  mestres: médico não abandona paciente”.
MANDETTA AFFAIR
 Ronaldo Caiado (DEM), governador de Goiás, fez um convite público a Mandetta  para que assumisse a secretaria estadual de saúde caso fosse demitido.  Segundo o colunista Guilherme Amado, quase todos os secretários do  Ministério da Saúde afirmam que entregariam seus cargos em caso de demissão do chefe. Eles esperariam, contudo, a posse do novo ministro para fazer a transição.
Durante o fim de semana, o ministro da saúde foi alvo da militância bolsonarista nas redes sociais.  A principal acusação é que, por ser do DEM – mesmo partido dos  presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre –,  Mandetta estaria tentando desestabilizar o governo, mas seria  representante da “velha política”. 
Falando em redes sociais, o ministro gravou um vídeo incentivando as pessoas a ficarem em casa. Foi exibido no show da dupla sertaneja Jorge & Mateus  transmitido ao vivo que, segundo a assessoria dos cantores, alcançou  3,1 milhões de visualizações simultâneas – o que seria um novo recorde  mundial no YouTube. “Importante que a música chegue, mas que a gente não  aglutine, que não coloque muitas pessoas no mesmo lugar”, recomendou  Mandetta. A gravação foi alvo de controvérsia depois que vazou uma foto  dos bastidores mostrando uma numerosa equipe de filmagem. 
Segundo a jornalista Eliane Cantanhêde, o ministro prepara um “desmame gradual do isolamento”. Seriam 19 condicionantes  de recuo da doença que corresponderiam a medidas de relaxamento. O  começo da implementação estaria previsto para 30 dias. Mandetta teria  indagado a sua equipe: “Ele vai ter paciência?”. Nós, por aqui, nos  preocupamos com o prazo do ministro, que parece otimista demais diante  da realidade de outros países que já viveram os picos da primeira onda  de contaminação e lutam para não deixarem um segundo surto se instalar. 
Uma boa reportagem do El País Brasil aproveita  o embate entre Bolsonaro e seu ministro para recuperar a memória sobre  Mandetta que, de uma certa maneira, foi mesmo alçado a um patamar acima  do bem e do mal por boa parte da mídia. Vem a calhar para nos lembrar  que enxergar o ministro da Saúde com olhos mais críticos não quer dizer  concordar com Bolsonaro: 
“Mandetta está longe de ser apenas um médico  ortopedista, um técnico no Ministério da Saúde. Ele é de uma família de  políticos e entrou na política para defender a causa dos profissionais  de saúde e dos ruralistas de seu estado, Mato Grosso do Sul. Seu pai,  Hélio, foi vice-prefeito de Campo Grande, a terra natal do ministro. Já  teve um tio e primos como vereadores, prefeitos, deputados estaduais,  deputados federais e senador. Foi pelas mãos de um de seus primos, o hoje senador Nelson Trad Filho (PSD-MS), que Mandetta entrou para a política partidária.  Era secretário de saúde quando Trad Filho governou Campo Grande. Por  sua atuação na pasta, foi investigado por suspeita de fraude em  licitação, tráfico de influência e caixa dois. A denúncia, acusação  formal feita pelo Ministério Público, nunca foi apresentada. E é nisso  que embasa a sua defesa. (…) Antes de chegar ao Ministério, foi gestor  de uma cooperativa de médicos em Mato Grosso do Sul, Unimed, e deputado  federal por dois mandatos (2011-2019). No Parlamento, fez pesado lobby  contra o programa Mais Médicos, do governo Dilma Rousseff (PT). (…)  Conservador, maçom, antiabortista, a favor do uso de maconha para fins  medicinais e filiado ao direitista DEM, Mandetta foi a favor do  impeachment.” 
COMPLEXA REALIDADE
 A UFMG criou um Observatório Social da covid-19 que, a pedido da Folha,  compilou dados sobre a população idosa – que Bolsonaro quer “isolar  verticalmente”. Acontece que 60% dos brasileiros com mais de 60 anos  moram com até duas pessoas, e 25% moram com três ou mais.  Além disso, 27% ainda trabalham. “Esses números mostram a diversidade  dos idosos. Não dá para tratá-los como uma coisa só. Eles também ajudam a  criar as crianças, trabalham, são uma renda importante para a família, e  alguns são muito vulneráveis”, disse ao jornal a pesquisadora Marden  Campos.
Outra faceta da complexa realidade brasileira é a  população vivendo sem saneamento básico – 30 milhões – ou em favelas, 11  milhões. Além das dificuldades óbvias para fazer isolamento, persiste uma certa incredulidade em relação ao poder destrutivo do vírus. Representantes de comunidades como Paraisópolis (SP) e Providência (RJ) ouvidos pelo El País  contam que há dificuldades em fechar o comércio e convencer as pessoas a  abandonar hábitos como a tradicional cerveja com os amigos. 
Cada vez mais a parcela hiper vulnerável dessa  população sai às ruas para pedir ajuda. “Se é para tentar comida, temos  de nos arriscar”, resume para o UOL Sandra da Silva, moradora  de Maceió que tirava sua renda da venda de água mineral. Em relação à  chegada do auxílio federal de R$ 600 há urgência: “Isso tem que ser para já”.   
SISTEMA ABRE AMANHÃ
 A Caixa Econômica Federal anunciou para amanhã o lançamento de um  aplicativo de celular, uma página na internet e uma central de  atendimento telefônico para a realização do cadastro de quem pode  receber a renda básica emergencial de R$ 600 (ou de R$ 1,2 mil, no caso  de mães chefes de família). Antes do cadastro, a população terá de  responder a perguntas para ver se preenche os cerca de dez requisitos  exigidos pela lei para o recebimento do auxílio. Não fica muito claro se  as pessoas terão de provar com documentos. De acordo com a Caixa, o pagamento poderá ser feito “até 48 horas depois”  que a instituição receber os dados dos beneficiários –  não há uma  data formalizada, mas se tudo der certo, poderíamos super que fosse na  quinta-feira (9). Quem não tem conta em bancos poderá retirar o  benefício em casas lotéricas. É ver para crer.
PASSAPORTE DA IMUNIDADE
 Ao invés de focar em um presente no qual ainda não está 100% resolvido o  problema da transferência da renda básica emergencial, Paulo Guedes tem  pensado no futuro. O ministro da Economia sonha com um “passaporte da  imunidade” para pessoas que já foram infectadas pelo novo coronavírus. A  ideia teria surgido em uma conversa com “um amigo da Inglaterra”. “Você fez o teste e deu positivo, você pode circular.  Você fez o teste e deu negativo, você tem que ir para casa”, apresentou  Guedes, que destacou, no entanto, que sua implementação não é para  agora. “Agora nós estamos em isolamento”. 
Outro problema do presente para o ministro se debruçar é o INSS. Segundo a Época, a fila para acesso a benefícios continua gigantesca, com 1,75 milhão de pessoas.
PREVISÕES SOMBRIAS
 No sábado, o presidente do Banco Central Roberto Campos participou da  série de entrevistas por videoconferência organizada pela XP  Investimentos (que a essa altura já ‘sabatinou’ metade de Brasília). E  apresentou um estudo feito pela The Economist Intelligence Unit que  projeta uma queda de 5,5% no PIB brasileiro em 2020. 
Ampliando o panorama para a América Latina, na  sexta-feira a Cepal divulgou suas projeções para a região. De acordo com  o organismo, se o avanço da pandemia provocar uma queda de 5% na renda  média da população economicamente ativa (o que é bastante possível), o  número de latino-americanos em situação de extrema pobreza saltará dos  atuais 67,5 milhões para 82 milhões. E se o tombo na renda for maior, de  10%, esse número pode chegar a 90 milhões. 
No plano macroeconômico, a Cepal prevê um golpe  múltiplo para a América Latina, que deve sofrer com a diminuição da  atividade econômica de seus principais parceiros (Estados Unidos, Europa  e China), barateamento das matérias-primas, interrupção das cadeias  globais de valor, menor atividade turística, redução das remessas e  intensificação da aversão ao risco nos mercados mundiais.  O impacto no  PIB regional projetado inicialmente, de retração de 1,8%, já ficou  obsoleto e o organismo trabalha com um cenário de “recessão profunda” e uma queda que pode chegar a 4%.
Para o mundo, a última previsão foi feita na também na sexta pelo Banco Asiático de Desenvolvimento: a retração no PIB ficaria entre 2,3% e 4,8%,  o que significa, respectivamente, um impacto de 2 e 4,1 trilhões de  dólares na economia. Essa previsão trabalha com a hipótese de que a  pandemia seja controlada este ano e tudo volte ao normal em 2021. Mas  Yasuyuki Sawada, economista-chefe do Banco, ponderou: “Ninguém pode prever a amplitude da propagação da pandemia, nem sua duração”.
NÃO SÓ NA SAÚDE
 Que os profissionais de hospitais e da saúde em geral estão mais  suscetíveis à contaminação, já está claro. Só em São Paulo, a prefeitura  informou o afastamento de quase dois mil  desses trabalhadores (9% do total) por quadros de síndromes  respiratórias. Mas há outras ocupações que têm risco aumentado, e um  levantamento do Globo com base em pesquisas da UFRJ indica que há 18 milhões de pessoas que têm chances maiores de contaminação  por conta de características do seu trabalho: motoristas de ônibus,  cozinheiros, vendedores, professores, comissários de bordo, agentes  penitenciários e agentes funerários são algumas dessas profissões, que  no total englobam 40% dos trabalhadores formais.
Isso só reforça que a reabertura dos estados, quando  feita, precisa ser mesmo muito cautelosa. Uma preocupação grande é com a  área da educação, já que um único professor pode ter contato com  centenas de alunos. Na China, onde o isolamento começou a ser afrouxado  recentemente, a volta a escolas e universidades ainda caminha a passos  lentos, e o momento ainda é o das videoconferências. No Brasil, falta  água em 26% das escolas, e 16% delas sequer têm banheiros.  
Em tempo: entre todas as profissões que apresentam altas chances de contágio, as mulheres ocupam 63% dos postos de trabalho. 
REFUGIADOS E CONFINADOS
 Acampamentos com muita gente junta, vinda de lugares diferentes e em  condições ruins de saúde e alimentação parecem um lugar perfeito para o  novo coronavírus se espalhar. E isso pode estar começando a acontecer.  Na semana passada, as autoridades colocaram em quarentena  o campo de Ritsona, no centro da Grécia, após 20 casos confirmados.  Ontem, outro campo, o de Malakasa, também entrou em quarentena depois  que um homem vindo do Afeganistão teve resultado positivo. Hoje, mais de  110 mil pessoas vivem em instalações de imigrantes no país, sendo que  40 mil delas estão em campos superlotados distribuídos em cinco ilhas.  Nestes, ainda não houve nenhuma confirmação. 
E, em Malta, cerca de mil imigrantes africanos também estão confinados desde ontem no acampamento de Hal Far. Oito casos foram confirmados em dois dias. 
MUNDO ANIMAL
 Pela primeira vez, um animal selvagem pegou o novo coronavírus de um ser humano  e adoeceu. Uma tigresa no zoológico do Bronx, em Nova Iorque, teve  diagnóstico positivo, e há outros seis felinos com sintomas no mesmo  local. “Grandes felinos, como tigres e leões, já estão enfrentando uma  série de ameaças à sua sobrevivência na natureza. Se a covid-19 pular  para populações selvagens de felinos e se tornar uma causa significativa  de morte, o vírus poderá se transformar em uma preocupação muito séria  para o futuro dessas espécies, diz John Goodrich, diretor do programa de  tigres da organização Panthera, na National Geographic.
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