Assim a Europa devasta sua saúde pública

Desigualdade de saúde entre britânicos se alarga, e o país registra os piores resultados entre aqueles com sistema público do Norte Global. Mas o cuidado no continente inteiro se deteriora, em nome de uma “austeridade” que só atinge os mais pobres

O cartaz diz “Atenção à saúde é um direito humano”. Créditos: Gallup
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Por People’s Health Dispatch | Tradução: Gabriela Leite

Desigualdades socioeconômicas no Reino Unido estão tendo um efeito cada vez mais devastador na saúde, diz um novo relatório do Instituto de Equidade em Saúde. A disparidade de saúde entre comunidades mais pobres e mais ricas é uma preocupação há muito tempo, mas o relatório mostra que suas consequências são piores do que o esperado.

Entre 2011 e 2019, pelo menos 890 mil pessoas a mais morreram prematuramente no Reino Unido em comparação com o período anterior. Durante a pandemia, isso se traduziu em 11 mil mortes excedentes em relação ao esperado, nas áreas mais carentes.

Michael Marmot, uma figura proeminente na pesquisa sobre equidade em saúde, disse ao jornal britânico The Guardian que os resultados da análise devem ser considerados como um “fracasso político chocante”. A incompetência do governo em desenvolver políticas e mecanismos centrados no cuidado e no bem-estar das pessoas levou o Reino Unido a se tornar um exemplo do que não deve ser feito no campo da política de saúde, disse Marmot.

Manifestação em defesa do sistema público de saúde inglês, o NHS. No grande cartaz azul, lê-se “O NHS foi projetado para a saúde das pessoas, não para o lucro privado”. Já na faixa preta, à direita, estão os dizeres “Nós, o povo, não confiamos no governo. Basta”. Créditos: berniesanders.com

Quando se trata de tendências de mortalidade, o único país de alta renda que está se saindo pior do que o Reino Unido são os Estados Unidos, segundo Marmot. Países europeus vizinhos têm melhores resultados, tanto em termos de tendências esperadas de expectativa de vida quanto de vida saudável. No entanto, a Europa também está enfrentando os impactos de fatores socioeconômicos na saúde.

Relatórios anteriores produzidos pelo escritório europeu da Organização Mundial da Saúde (OMS) destacaram que, após a pandemia de covid-19, pessoas com renda mais baixa têm três vezes mais chances de relatar saúde precária em comparação aos cidadãos de renda mais alta. Os mais pobres também têm 70% mais chances de manifestar necessidades de saúde não atendidas, o que faz com que aumente a chance de ter complicações de longo prazo.

Assim como no Reino Unido, os aumentos de preços em toda a Europa colocam em risco a saúde das pessoas. Mecanismos vacilantes de apoio social e a falta de emprego de qualidade contribuíram significativamente para ampliar esse problema. No momento da publicação do relatório da OMS Europa, a agência da ONU sugeriu que “medidas de proteção social devem visar controlar os preços e a disponibilidade de bens essenciais, como combustível e alimentos, apoiar a habitação e melhorar as condições de vida por meio de limitações no aluguel, isolamento térmico e eficiência energética para as residências”.

Infelizmente, em todo o continente, a maioria dos países ainda não está implementando políticas para proteger a saúde e o bem-estar da classe trabalhadora. Pelo contrário, os governos na Europa parecem determinados a transferir o ônus da crise econômica para a população, anunciando mais restrições ao acesso a serviços de saúde e outros serviços sociais.

O investimento público em serviços de saúde, incluindo a formação e a melhora nas condições de trabalho dos profissionais, é essencial. Essa necessidade não é apenas evidente a partir dos dados disponíveis, mas também é enfatizada pelas experiências pessoais dos profissionais de saúde e pacientes. O Reino Unido novamente serve como uma ilustração clara, embora infeliz, com médicos residentes sendo forçados a fazer greve pela restauração salarial, enquanto o governo continua minimizando a crise do custo de vida.
Conforme outra rodada da greve dos médicos residentes se encerrou em 9 de janeiro, o comitê dessa classe na Associação Médica Britânica indicou disposição para realizar uma nova votação para renovar a autorização de ação coletiva. Se bem-sucedida, essa votação poderia estender as greves e outras ações dos médicos até setembro. A menos, é claro, que haja uma mudança de postura do Ministério da Saúde, priorizando o bem-estar do Serviço Nacional de Saúde (NHS), seus trabalhadores e seus pacientes em detrimento de novos cortes orçamentários e privatização.

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