Salada Mista

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A integração por meio da cultura. Onde o cavalo-marinho se mistura com os ritmos bolivianos, o jongo se une com San Benito e o samba pode ser rumba

por Carolina Gutierrez

A noite do segundo dia do II Encontro Sul-Americano das Culturas Populares – Revelando experiências, Políticas e Manifestações – foi de dança, música e festa. Grupos do Brasil, Bolívia e Paraguai apresentaram o brinquedo que é a cultura popular.

Bastião e Mateus estavam lá. Ao som da rabeca e no passo dos trupés, tomaram o palco venezuelano do teatro Teresa Carreño e o transformaram em lugar de brincadeira. Logo depois surgiram o capitão e o soldado. Só faltou mesmo a Catirina. Os arretados personagens do cavalo-marinho, folguedo da região da Zona da Mata de Pernambuco, deram piruetas, fizeram palhaçadas e dançaram muito. O sotaque cadenciado do povo lá do norte, não impediu que mestres e mestras de toda a América Latina se divertissem e se maravilhassem diante de tamanha beleza.

Já as bolivianas de longas tranças do grupo de dança Alfredo Domínguez apresentaram uma dança em que faziam evoluções e manobras com lenços brancos. Os músicos de Rijchariy tocaram músicas populares misturadas com um certo rock ‘n roll à La Bob Dylan.

Depois foi a vez do grupo paraguaio Los Corales. Cantaram em guarani e fizeram até uma canção à revolução, citando Fidel.

O dia foi de verdadeiro intercâmbio cultural. Mestres e mestras de todas as partes trocavam toadas, propunham versos, dançavam juntos. Tanto que o mestre Vidal Colmenaros, se expressou de forma enfática e divertida: “Com toda essa troca, nos sentimos em uma salada mista!”

Na parte da manhã, os mestres estavam todos reunidos para contar suas experiências e mostrar um pouco de sua cultura popular.

Os participantes do encontro conheceram a catira brasileira através da destreza dos pés do mestre Badia Medeiros. Sapateou, cantou , tocou viola. Até a música Brasília do Pagode entrou na roda. O mestre do sertão, como ele se autodenominou, está há mais de 58 anos brincando a catira e promovendo a folia de reis. Segundo ele, a folia de reis é devoção. A catira, diversão.

Mestre Badia falou ainda sobre a importância da participação dos jovens nas culturas populares. Para ele, os mais novos são o futuro das manifestações. “Estamos resgatando os velhos frutos e plantando novos frutos”.

O “repentista” venezuelano Ignacio Muñoz concordou com mestre Badia . “Temos que nos unir mais, cooperar mais e multiplicarmos culturalmente. Isso só é possível se ensinarmos nossas culturas populares às novas gerações”.

Com métrica afiada, mestre Ignacio soltou a voz. Chamou um músico da platéia e explicou o que era uma estrofe em décima na rima de uma canção.

Gil do Jongo, ou melhor ,o mestre Gilberto Augusto da Silva, entrou em cena. “Voy hablar el español macetado, o que eu macetar ele traduz ”.

Gil contou um pouco do histórico do jongo. Disse que a manifestação é de origem africana – dos negros bantos – e existe há mais de 150 anos em Piquete, interior de São Paulo. Gil falou que existiu uma lei proibindo o jongo. Fracassou. “A lei foi tão boa, que 150 depois nós continuamos a bailar…a dançar!”.

Citando as revoluções agrícola, industrial e tecnológica, afirmou que a integração só será alcançada se houver uma revolução de idéia, coração e culturas.

Depois da fala, mestre Gil fugiu do microfone e caiu na folia. Ensinou a batida do jongo nas palmas das mãos e convidou os brincantes de San Benito para dançar todos juntos. O palco se transformou numa espécie de terreiro. Gil gritou: “Essa é a verdadeira integração. O caminho da cultura é a maior facilidade”.

O segundo dia do encontro reforçou ainda mais a idéia de integração, só que agora na prática. Depois do almoço, antes do painel da tarde, se encontrava mestres dos diversos países juntos. Conversavam nem tanto por meio das palavras, mas por expressões, gesticulações, música, dança e brincadeira.

A importância da cultura popular faz parte da vida desses mestres. Aqui todos são iguais e todos podem participar, sejam eles brancos, azuis, amarelos, pardos ou negros.

Para Buarukugi, paraguaia do povo guarani, o encontro se constitui num espaço de reconhecimento da e na diversidade latino-americana, respeitandoa cada uma das culturas.

Mestre Vidal Colmenaros concluiu: “Temos que manter as raízes originais para saber quem somos de onde viemos e para onde queremos ir. E tenho certeza que vamos por um bom caminho – ele nos fará fortes”.

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