Utopia nossa de cada dia

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Na cerimônia de encerramento do Fórum Mundial de Educação, convidados  foram recebidos por uma imensa platéia. Dividiram com os educadores presentes suas dificuldades, resistências e fome de utopia

 

 

Por Marília Arantes

 

O Fórum Mundial de Educação aconteceu durante os dias 26 e 27 de janeiro, precedendo o Fórum Social Mundial em Belém do Pará. A conferência de encerramento “Educação, diálogo e utopia: identidades culturais em conflito”, reuniu o professor Carlos Rodrigues Brandão da Universidade de Campinas (Unicamp), Cristina Vargas, representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Rosani Fernandes, líder da comunidade indígena Tupã.

 

Celebrando os 75 anos da Universidade de São Paulo (USP) – a primeira estatal brasileira – Brandão perguntou ao público: “Como estamos de utopia? E lembrando Pedro da Saudade, continuou: “não seria a utopia tão necessária como o pão nosso de cada dia?!”

A fim de defender “uma educação voltada a utopia”, o professor apontou as barreiras colocadas pelo neoliberalismo,  criticando o modelo mercantilista em que nossas escolas e universidades estão inseridas. Repudiou os que consideram Educação mera mercadoria como faz a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Para Brandão, “este modelo serve para capacitar pessoas dóceis, capazes de simplesmente operar máquinas, sem qualquer questionamento”. Propagandas de diversas universidades evocam o “sujeito competitivo-competente”; aquele que se contenta simplesmente em consumir e produzir. Contudo, “a questão é que para romper com as desigualdades, existe a necessidade de formar sujeitos criativos, inteiros, e que sejam humana e solidariamente diferentes. O mundo já está depravadamente uniformizado, padronizado e controlado pelas grandes empresas”.

 

Ao enfatizar a necessidade de educar “seres do mundo, seres da natureza”, ele concluiu seu discurso citando K. Marx, “somos seres naturais mas naturalmente humanos”.

 

Cristina Vargas, representante do MST, falou aos “companheiros e companheiras” enfatizando a resistência de seu grupo “que luta contra o gigante em pequenas propriedades e que, no contexto atual, diálogo e muita utopia não são opção, mas necessidade”. Se educação formal está ligada à informal, Cristina, como a maioria do movimento, acredita que ela deve ser realizada dentro dos assentamentos e acampamentos, “queremos a educação que a gente desenvolve a partir de referências como organicidade coletiva e a busca por novos valores. Só assim a gente pode fazer com que as crianças compreendam o processo que estão vivendo”.

Sob os princípios de Paulo Freire, os educadores do MST utilizam métodos de trabalho como a ciranda, de forma que as aulas sejam coerentes com a história do grupo. “Não é só palestra, tem que ser diálogo. O movimento é que educa – a escola incorpora essa visão, está no modo de vida das pessoas. A escola cabe no movimento, mas o movimento não cabe na escola. Portanto, é preciso incorporar essas contradições e é por isso que a gente não vai a escolas que não questionam o mundo, e que são carentes de informação de fato”,  observou Cristina.

A convidada,  orgulhosa com os resultados do ensino no MST, comparou: “A escola tem que ter o vínculo com a terra, mesmo no meio urbano. As escolas das cidades viram as costas aos problemas de hoje. A educação não pode ser conciliadora, sem enfrentamento, com medo de ser dogmática, tendenciosa. Assim como disse Paulo Freire, “a educação não é neutra”, as nossas escolas visam trabalhar a identidade de luta. Ocupar a terra é a realidade das nossas famílias – violento é o seu pai e sua mãe não ter trabalho”.

Seguindo o mesmo caminho de utopia, falou a pedagoga e educadora Rosani Fernandes. Professora há mais de 15 anos, a índia Tupã atualmente estuda Direito para que possa, como disse  “lutar pela sobrevivência de mais de 200 povos indígenas, que falam cerca de 180 línguas e cada um com suas particularidades – de ensino inclusive”.

 

Ela então criticou a forma com que a questão é considerada: “a Lei de Educação Indígena é como uma batata quente que fica passando de mão em mão”. E sugeriu aos educadores, “Assim como falou a companheira do MST, a identidade é forjada no dia a dia. Enquanto isso, professores continuam reproduzindo um modelo de educação que está fadado ao fracasso, no 19 de abril. Não se pode ensinar essa visão estereotipada; como trabalhar a questão indígena se você mesmo não a conhece?”

 

Para Rosani, em relação ao direito às diferenças, o povo brasileiro ainda tem muito o que aprender: “Uma sociedade igualitária se constrói sobre as diferenças. Além disso, só se respeita o que se conhece. É preciso respeitar que cada etnia tem sua língua, um sistema de avaliar, de calcular dias fora do calendário cristão”. Então, concluiu: “Nossa forma de avaliação não está só no papel; os índios tem direito de escolher o tipo de educação que querem. A educação é única forma para nossa sobrevivência”. Foi aplaudida de pé por quase um minuto.

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2 comentários para "Utopia nossa de cada dia"

  1. arnold disse:

    Penso que essa fome de utopias em verdade promove a fome real… a de alimentos. Utopia nao faz parte da sociedade japonesa, aquela que vive no Brasil- essa sociedade com todos os seus descendentes, pega no batente de sol a sol e alimenta o pais inteiro. Interessante notar tambem que voce leitor nao encontrara nunca um unico representante nissei nas fileiras do MST nacional. Vejo nessa organizacao, malandragem e nenhuma “producao alimenticia” que justifique sua existencia.

  2. Moro em Goiânia-go e recentemente sai do ensino médio em escola pública, essa matéria me chamou atenção para o seguinte aspecto de que Goiânia é uma cidade famosa pelos altos índices de aprovação dos seus alunos ( da rede privada ) nos vestibulares de todo Brasil. O interessante e que embora o ensino privado consiga resultados de aprovação ele esta voltado como diz o texto totalmente pra uma forma de ensino comercial, onde os alunos não aprimoram um real conhecimento das desigualdades Brasileiras e acabam por reproduzir clichês de direita , contra reforma agrária, contra politicas publicas voltadas as camadas mais pobres da sociedade, reproduzindo um discurso liberalista ultrapassado de que “quem quer consegue”e lamentável que essa forma de conhecimento se torne cada vez mais comum e que esses indivíduos formados diante dessas ideologias serão os representantes da classe dominante reproduzindo o que está sendo reproduzido a 200 anos na história politica Brasileira.

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