O que aprendi com nosso maior educador

Crônica de três encontros com Paulo Freire, que via a educação como ato de amor libertador — e que fez da luta contra as opressões sua pedagogia de vida. Rebelde, apontava caminhos para viver no mundo e com o mundo, sem conformismos…

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Por Alexandre Aragão de Albuquerque

Meu encontro com Paulo Freire (1921-1997) se dá em três momentos. Primeiramente durante a minha infância, uma vez que nasci em Casa-Forte, um bairro de grande importância na história pernambucana, e habitei por 10 anos a casa localizada na Rua Rita de Sousa, número 224, citada pelo Mestre em seu livro Pedagogia da Esperança (Editora Paz e Terra, 2018, p.15). Meu pai a comprou ao Dr. Paulo quando ele partiu do Recife.

A segunda descoberta se deu pela leitura do livro, durante minha adolescência, O que é o Método Paulo Freire, escrito pelo antropólogo e amigo Carlos Rodrigues Brandão para a coleção “Primeiros Passos”, da Editora Brasiliense. Aquela leitura causou-me uma grande revolução em minha pessoa ao perceber a educação como um ato de amor libertador, cuja ferramenta pedagógica central é o diálogo entre os sujeitos, principalmente entre educador e educando, pelo qual se busca o desvelamento do mundo, tratando sobretudo de identificar os traços opressores, internalizados tanto nos sujeitos como nas estruturas sociais, para deles se libertarem pelo processo de comunhão dialógica numa ação cultural para a liberdade.

E o terceiro grande encontro se deu aos meus 25 anos de idade, pessoalmente, em 1986, quando passamos um dia inteiro com ele refletindo sobre nossa prática alfabetizadora de adultos no Projeto de Alfabetização de Pescadores promovido pela então Comissão Pastoral de Pescadores – CPP, do Regional Nordeste II da CNBB.

Foi a amiga e pedagoga Adozinda Monteiro (Doza) quem viabilizou tão precioso momento, por ocasião de Paulo Freire estar proferindo uma palestra no Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), evento este sob a organização de Doza. Fui ao seu encontro perguntando se ela poderia conseguir um momentinho dele conosco. Ela prontamente o chamou e disse-lhe: “Paulo, esse aqui é filho de Rui”. Paulo, emocionado, exclamou: “Filho de Rui!”. E assim agendamos um histórico diálogo dele com os integrantes da Coordenação do Projeto de Alfabetização de Pescadores que resultou no capítulo “A alfabetização como ação político-pedagógica revolucionária: pescar o mundo para ler a palavra e repescar criticamente o mundo”, do livro “O SEMEADOR DE UTOPIAS: Os inéditos viáveis dos sonhos impossíveis”, organizado por Nita Freite e Marília de Souza, a ser lançado no final do ano.

Em nosso histórico diálogo com Paulo Freire, pudemos revisitar a herança freireana: mais importante do que saber é nunca perder a capacidade de aprender. A compreensão do aprendizado não como um ato, mas como ação contínua, e da prática pedagógica resultando de uma clara opção ético-humanista: amor ao ser humano oprimido, contra a sua opressão, em favor da vida e da liberdade. Não se conformar com o século presente, como diria o apóstolo Paulo, mas transformar-se pela renovação do nosso pensamento, porque o pensamento jamais esgotou sua reserva de força. Por isso é fundamental esperançar. Viver no mundo e com o mundo, no tempo e com o tempo, sem deixar-se conformar.

Segundo o filósofo francês Alain Badiou, o Pensamento só pode ser libertado de sua impotência por meio de algo que exceda sua ordem. Somente por meio de uma operação insubstituível, capaz de reorganizar a morte e a vida nos seus lugares, mostrando que a vida não ocupa necessariamente o lugar da morte. Essa operação chama-se “ressurreição”, entendida como a reinvenção de um modo de viver que desvia da repetição e produz novos modelos de pensar, viver e agir. A ressurreição implica uma nova fé juntamente com uma nova militância. O Sujeito vivo deve determinar-se não apenas em seu surgir, como também em seu labor. O amor é o labor do qual a fé é capaz. O acreditar mostra-se eficaz pelo amor. Pelo amor descobre-se que nossa energia não é contra a verdade, mas para a verdade. Uma energia só pode ser verdadeira se levar em consideração toda a humanidade, sem exceção. Somente há singularidade se houver o universal; senão, fora da verdade, só há particularidade. E o Sujeito é aquele que sustenta o universal.

Para Chiara Lubich (1920-2008), prêmio Unesco “Educação pela Paz”, em 1996, amar significa “fazer-se um com os outros”, isto é, assumir os seus pesos, os seus pensamentos, os seus sofrimentos, as suas alegrias, ao ponto de o amor tornar-se recíproco. É evidente para qualquer pessoa que tente remover as montanhas do ódio e da violência, a luta é enorme e árdua. Mas o que parece ser impossível para milhões de pessoas isoladas e divididas, pode se tornar possível para pessoas que fizeram do amor recíproco, da compreensão recíproca, a motivação essencial de suas vidas. A Razão não é capaz de produzir por si só uma força maior do que aquela que comumente possui. Somente uma consciência e um amor social poderão produzir algo de novo. Não é um divertimento dedicar a própria vida para viver e difundir a paz. É preciso ter a coragem de saber sofrer. Esse amor social exige sempre seriedade, esforço cotidiano, sacrifício. E a esse ponto o pensamento social cristão, de quem Paulo Freire recebeu profunda influência, apresenta, em toda a sua luminosidade e dramaticidade, uma palavra que o mundo não quer ouvir nem pronunciar, porque considerada tola, absurda, insensata. Esta palavra é cruz. Não se faz nada de bom, de útil, de fecundo no mundo sem conhecer, sem saber aceitar o esforço, o sofrimento, em resumo, sem a cruz. O sofrimento que o amor como ato pedagógico exige pode se tornar uma ferramenta poderosa para fazer revelar à humanidade a sua mais elevada dignidade.

Por fim, para Paulo Freire, em sua Pedagogia do Oprimido, a conscientização só existe quando não apenas reconhecemos, mas experimentamos a dialeticidade entre objetividade e subjetividade, realidade e consciência, prática e teoria. A conscientização não pode parar na etapa do desvelamento da realidade: a sua autenticidade se dá quando a prática do desvelamento da realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática da transformação da realidade. Ninguém se liberta sozinho; os humanos se libertam em comunhão, mediatizados pelo mundo. A humanização se dá coletivamente, no processo de produção social.

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