Equador: notável guinada à esquerda

Em eleições emblemáticas, a direita liderada pelo presidente-banqueiro Guillermo Lasso perdeu o governo das maiores cidades e um referendo, em que tentou impor agenda punitivista. No exílio, ex-presidente Rafael Correa é maior vencedor

Imagem: Martin Bernetti / AFP
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Por Eloy Osvaldo Proano, no Estrategia | Tradução: Rôney Rodrigues

A oposição progressista no Equador – liderada pelo partido do ex-presidente Rafael Correa – saiu fortalecida após o rechaço dos cidadãos no referendo promovido pelo governo do banqueiro-presidente Guillermo Lasso e conquistou os estados e as prefeituras mais populosos, incluindo Quito e Guayaquil, nas eleições de meio de mandato no país andino, realizadas neste domingo (5/2).

Os equatorianos também se recusaram categoricamente a aprovar um referendo no qual foram feitas oito perguntas focadas principalmente em questões de segurança, a principal preocupação dos cidadãos. Esta eleição foi um duro teste para Lasso, no poder desde 2021, cuja impopularidade chegou a 80%.

O correísmo, grande promotor do Não no referendo, parece fortalecido após as eleições subnacionais. Os candidatos progressistas da Revolução Cidadã [fundado pelo ex-presidente Rafael Correa, no auto-exílio na Bélgica desde 2017] contam agora com as prefeituras dos três estados mais populosas do país: Pichincha, Guayas e Manabí. Marcela Aguinaga, em Guayas; Paola Pavón, em Pichincha; e Leonardo Orlando, em Manabí, foram eleitos governadores.

Depois destas eleições em que os equatorianos elegeram 5.700 autoridades locais, que tomarão posse em maio por um período de quatro anos, assim como os membros do Conselho de Participação Cidadã e Controle Social – que designa as principais autoridades de controle como juízes, procuradores e controladores –, a população rejeitou as oito questões do referendo constitucional promovido pelo governo, onde Lasso jogava com sua agenda política.

O Estado equatoriano é composto por cinco poderes ou “funções”: Legislativo, Executivo, Judiciário, Transparência e Controle Social e Eleitoral.

O resultado do referendo deve ser entendido no contexto que o país atravessa, marcado pela crise de liderança do governo Lasso e uma profunda crise de insegurança, com redes de criminalidade e narcotráfico, explicou Andrés Chiriboga, analista político equatoriano que aponta que o Executivo “tentou encontrar oxigênio e aproveitar as eleições locais para colocar na mesa supostas soluções para estas questões, para mostrar que alguns problemas vão ser resolvidos”.

Novo quadro político?

Na disputa pela prefeitura de Guayaquil, Aquiles Álvarez, do movimento Revolução Cidadã, venceu a atual prefeita Cynthia Viteri, do Partido Social Cristão-Madera de Guerrero (PSC-MG) e a correista Marcela Aguiñaga conquistou o governo estadual de Guayas, onde localiza-se Guayaquil. Os social-cristãos perderam, após 31 anos, a hegemonia política na província.

Outro perdedor desta rodada eleitoral é o movimento Pachakutik [de tendência indigienista] que apostou nas candidaturas de Jorge Yunda e Guillermo Churuchumbi para chegar à Prefeitura de Quito, capital do país, e à Prefeitura de Pichincha. E a baixa votação de Jorge Guamán, que era prefeito de Cotopaxi, mas desta vez candidato a prefeito de Latacunga, demonstra o golpe sofrido por essa linha numa região nevrálgica para o movimento indígena.

O mesmo aconteceu em outras províncias como Manabí, El Oro e Azuay onde os candidatos da Revolução Cidadã lideravam a apuração dos votos, que tardaram muito, após pesquisas pagas pelo governo anunciarem uma ampla vitória de Lasso e seu referendo.

A participação eleitoral foi de 80,74% dos 13,8 milhões de cidadãos aptos a votar. Poucas horas antes do início do dia eleitoral, a Revolução Cidadã informou que Omar Menéndez, candidato a prefeito de Puerto López, no estado de Manabí, foi assassinado na noite de sábado. Essa morte não foi a única que antecedeu as eleições: em 22 de janeiro a polícia confirmou o assassinato de Julio César Farachio, candidato a prefeito em Salinas durante sua campanha.

Oito vezes Não

As oito questões propostas pelo referendo tratavam sobre extradição, autonomia do Ministério Público, redução de deputados, registro partidário, sobre autoridades de controle, reestruturação do CPCCS (Conselho de Participação Cidadã e Controle Social), do subsistema de proteção das águas e de compensações para apoiar geração de serviços ambientais.

O referendo também abordou iniciativas como o controle de movimentos políticos, alguns que são suspeitos de fazer parte do narcotráfico, a incorporação de sistemas hídricos em áreas protegidas, o combate ao garimpo ilegal e a entrega de indenizações aos ativistas ambientais.

En plena guerra contra o narcotráfico, Lasso votou em sua cidade natal, Guayaquil, onde marcou o Sim nas oito perguntas que ele mesmo propôs para o referendo, entre elas a de permitir a entrega (aos EUA) de compatriotas envolvidos com o crime organizado transnacional, como narcotráfico e corrupção. A maioria da população votou Não.

Ao mesmo tempo em que o narcotráfico cresceu no Equador (200 toneladas de drogas foram apreendidas em 2022), a violência também aumentou durante o governo Lasso. As prisões são palco de recorrentes massacres entre presos rivais — e a taxa de homicídios por 100 mil habitantes quase dobrou entre 2021 e 2022, passando de 14 para 25. O Equador, portanto, é um país acossado pela violência que saltou das ruas para as prisões, com confrontos frequentes entre presos ligados ao narcotráfico que já deixaram mais de 400 mortos desde 2021. Os massacres de detentos se tornaram um dos piores da América Latina.

Sobre as heranças do governo de Lenin Moreno, deu-se o triunfo de Guillermo Lasso e de seu governo empresarial-neoliberal sustentado por um inédito bloco de poder sob a hegemonia dos grandes grupos econômicos e midiáticos — e o predomínio de forças da direita política.

“O Não ganhou o referendo. É o desastre da direita. É o fim da hegemonia do Partido Social Cristão em Guayas. O próximo passo é a destituição de Lasso”, tuitou o economista Pablo Dávalos. Até agora, o que Lasso fez foi sair de cena.

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