Crônica sobre paciência política, enganos e marasmos

Precisamos de um governo de briga e pelo qual briguemos com fúria, gosto, disposição, desprendimento e sacrifício, como nos velhos tempos de luta pelo socialismo e contra a ditadura. E os lutadores precisamos nos concentrar, ter lado, cerrar fileiras no que é essencial

Imagem: Virgínia Artigas
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Título original:
Para resistir e avançar, um outro modo de pensar e agir

Não se consegue moer a carne dura, fazer pamonha, erguer uma casa, plantar uma roça – nada disso sem esforço, muita paciência, perseverança e muita psicologia pro tempero. O mundo endireitou a partir do final do século passado. Os que bateram palmas pelo fim da URSS e para o triunfo da “liberdade” ocidental (aliás, muitos ainda persistem na trilha) deveriam perceber algo. O fim da experiência de construir um outro rumo para os povos está associado ao desaparecimento da socialdemocracia como nasceu e vigeu até anos 80, dos partidos socialistas, dos partidos comunistas que contam, do enfraquecimento dos sindicatos; foram substituídos pelos verdes que globalmente se alinham com a direita, pelos movimentos identitários sem capacidade de construir hegemonia para disputar o todo e não apenas do segmento pelo qual batalham justos direitos, pelo reviver da religiosidade fanática que contamina o dia do povão, pela hegemonia do imperialismo como nunca vista nos últimos 100 anos, pelo aumento das guerras, das desigualdades, da concentração de renda e fortuna nos 0,1% mais ricos – ou seja, pela retomada do conservadorismo, do ultradireitismo de toda sorte e com força.

Aqui no Brasil tivemos exemplo dos “bem-intencionados”, desses que povoam o inferno, na campanha e operação Delenda PT, que acabou por atingir muito mais do que o partido, ceifou raízes da esquerda toda, dos sindicatos, no mundo da cultura, nos direitos do povo, interditando o avanço da democracia política, econômica, social, cultural, da solidariedade, do humanismo, da vida. Muito embora – sendo generoso no arco político – o PT, PSOL, PDT, PSB e as centrais sindicais devessem ser os protagonistas de um esforço de luta política e ideológica, eles não têm mais tração para tal. Vivem da desunião e da disputa pelo secundário e, mais uma vez, repetindo o Barão de Itararé, “De onde menos se espera é que não sai nada, mesmo”.

Contrário aos que acham que governo tem uma tarefa e os partidos e movimentos outra, me alinho entre os que, sem desconhecer as diferenças entre Estado e sociedade civil, seus papeis, quando se disputa o poder político em qualquer instância, no caso concreto, retomando o governo federal, espera-se desse um papel transformador, o organizador e animador coletivo das mudanças. Todas as transformações relevantes partiram do espaço do poder conquistado – na Rússia, na China, em Cuba, no Vietnã e por aqui com o fim da República Velha em 1930 e nos três governos com mandatos inteiros hegemonizados pelo PT.

Dito isto, nosso governo precisa arriscar, desafiar, se mostrar aos olhos do povo com clareza, que tem lado, prioridades e a cada decisão sobre educação, sobre os uberizados, sobre a Petrobrás, sobre o projeto que propõe a redução dos custos da energia, sobre a Amazônia, sobre o BNDES, sobre a política externa, sobre isenções ou não às igrejas e a bufunfa dos pastores, sobre autonomia ou não do BC, sobre reforma tributária, sobre o PAC, sobre desoneração fiscal para setores empresariais, sobre os gastos com o planos safra, sobre por que fazer ou não reforma agrária, por que gastar mais em saúde, por que não cabem os juros elevados e por que rechaçar a cantilena “mercadista” de fazer superávits fiscais.

Ele deve utilizar todos os meios de comunicação possíveis e impossíveis para reiterada e incansavelmente explicar, debater as razões da opção que está tomando, tomar a iniciativa do debate, mesmo em temas que possam parecer os mais difíceis de compreensão e mesmo de aceitação momentânea. Mas o governo é de coalizão; sim, mas eles, os aliados ao centro, só estão no governo porque Lula foi o candidato; o nordeste e o povo pobre que ganha até dois salários votou em sua grande maioria no Lula. Esse centro político, que foi importante para ganhar as eleições, foi eliminado provisoriamente de relevância eleitoral desde a operação Aécio em 2014, estopim para o golpe. E, também porque o programa que defendemos nas eleições passadas e os realizados em governos antes não afrontam os interesses desse Centro, exceto o de serem constrangidos a sair do quadrado ideológico do neoliberalismo em que vivem aprisionados, mas com a vantagem de travarem batalhas futuras pela hegemonia num terreno de mais democracia.

Precisamos de um governo de briga e pelo qual briguemos com fúria, gosto, disposição, desprendimento e sacrifício, como nos velhos tempos de luta pelo socialismo e contra a ditadura. E os lutadores precisamos nos concentrar, ter lado, cerrar fileiras no principal. Assim, não cabe ditar regras da democracia que cada um quer para outros povos, esses decidam seu destino, principalmente quando está em jogo um complexo teatro de operações global onde o império sacoleja o mundo pra escuridão.

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