Como vencer a oligarquia financeira e seu terrorismo

País precisa desesperadamente de investimento público, mas os rentistas querem bloqueá-lo – e têm o Banco Central. Há instrumentos para derrotá-los. Todos exigem abrir com a sociedade um debate político e econômico indispensável

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Desde meados da década passada a política fiscal vem sendo alvo de constante críticas por parte dos principais veículos de imprensa. A tática funcionou, desde o suicida ajuste fiscal de Dilma Rousseff até a forte pressão por uma nova âncora fiscal por parte do ministro Fernando Haddad, passando pelo bisonho e disfuncional teto de gastos aprovado no governo Temer. Nas últimas semanas a grande mídia vem elegendo um novo alvo na busca por impor sua pauta econômica: a política de juros do Banco Central.

Antes de mais nada, cabe examinar a ideia de que a grande mídia – simbolizada nos editoriais dos principais jornais como Folha, Estadão e Globo – se apresenta em larga medida como porta-voz do “mercado”, cujos humores em tese ditariam os melhores rumos para a política econômica e para a economia brasileira. Que se trata de um porta-voz é algo evidente, ainda que seja preciso qualificar o que significa mercado: não um sujeito difuso, neutro, cujos interesses coincidem com os da coletividade, mas pelo contrário, um conjunto de agentes das camadas mais altas e notadamente do setor financeiro cujos objetivos em geral são contrários aos da população brasileira.

Este conflito fica evidente quando se leva em conta a política fiscal. A grande mídia pressionou fortemente para que Dilma realizasse o ajuste fiscal de 2015 que, a título de melhorar a economia, jogou-a em uma profunda depressão. Esta se mostrou útil para reverter conjunturalmente o quadro que até então favorecia a classe trabalhadora, e para viabilizar toda uma agenda de reformas (como o draconiano teto de gastos, e as reformas trabalhista e da previdência) para consolidar, estruturalmente, esta reversão. Foi necessária a crise pandêmica para demonstrar como o terrorismo fiscal da grande mídia era infundado: mesmo com todo o discurso de que havia acabado o dinheiro, o governo realizou, sem nenhuma dificuldade, o maior déficit público da história conciliado com a menor taxa de juros nominal de que se tem notícia desde o surgimento do Banco Central Brasileiro (BCB).

A política fiscal é uma poderosa ferramenta do governo para estimular o crescimento, melhorar a infraestrutura nacional e prover nossa sociedade com os bens públicos tão necessários a um país subdesenvolvido como o Brasil. Atacá-la significa atentar contra os interesses da maioria, na medida em que a austeridade implica aumento do desemprego e redução do crescimento dos salários, bem como em sucateamento da infraestrutura e dos serviços públicos, o que tende a favorecer escusos interesses privatistas, como o de grandes conglomerados financeiros. Não é por acaso que a restrição à expansão das universidades públicas dos últimos anos coincide com o boom de grandes conglomerados de educação como Kroton e Ânima, apenas para citar um exemplo na educação.

Em geral os porta-vozes do mercado apontam que o aumento dos gastos e do endividamento público implicaria necessariamente em inflação e com isso na necessidade de o BCB aumentar os juros para debelá-la, impactando negativamente o crescimento econômico. Esse debate vem ganhando contornos dramáticos nas últimas semanas, depois das críticas do presidente Lula aos elevados patamares de juros, e da defesa enfática da grande mídia do Banco Central independente e de sua política de juros altos.

Em primeiro lugar, cabe destacar que o aumento do gasto e do endividamento do governo só causaria inflação diretamente caso estivéssemos em uma situação de escassez de oferta ante uma demanda aquecida e em expansão. Nitidamente, basta um olhar rápido para os estoques das fábricas automobilísticas em São Bernardo, para o índice de grau de capacidade produtiva sendo utilizada ou então para a taxa de desemprego da força de trabalho acima dos 8% para constatar que não é este o caso.

Em segundo lugar, uma vez que nossa inflação é de custos, segue-se que a elevação dos juros é um instrumento ineficaz para reduzi-la: há que se analisar a evolução de tais custos, como por exemplo o preço dos combustíveis em razão da atual política de preços da Petrobrás. Em um contexto como este a manutenção de patamares elevados de juros impacta negativamente o crescimento e pouco a inflação.

Ainda que a inflação seja indesejada, ela não deveria ser o único objetivo do BCB: mesmo nos Estados Unidos a autoridade monetária tem metas não apenas para esta variável, como também para o nível de emprego. Se fosse este o caso aqui, com certeza o atual cenário macroeconômico não poderia justificar juros tão elevados.

Isto posto, é fundamental debater em que consiste a independência do Banco Central. Esta se dá em relação ao governo democraticamente eleito, com certeza não em relação ao mercado financeiro, a quem aquele deveria regular. É famosa a metáfora da porta giratória pela qual dirigentes de grandes bancos e funcionários do alto escalão da instituição trocam de lugares ao longo do tempo. Isso sem falar de outros interesses políticos. Convém lembrar que o atual presidente da instituição mal se manifestou diante dos gastos desenfreados de Bolsonaro em ano eleitoral, mas que agora o programa de governo eleito nas urnas de garantia dos direitos sociais passou a implicar um gigantesco risco inflacionário e a necessidade dos maiores juros reais do mundo.

Uma vez que a autonomia do BCB é garantida por lei, cabe ao presidente Lula pautar o debate junto ao congresso, instituição responsável por aprovar ou demitir os diretores do BCB e por legislar a respeito das regras a serem seguidas pela autoridade monetária. Paralelamente, é possível utilizar os bancos públicos para aumentar o financiamento ao desenvolvimento econômico e para que se pressione para baixo os spreads e, com isso, os juros do mercado.

Uma vez vencida algumas batalhas pela democracia com a eleição e posse de Lula, a grande mídia volta ao seu papel tradicional de defensora dos interesses das classes mais altas em detrimento da maior parte da coletividade, por meio do terrorismo do debate econômico. Convém lembrar que tais interesses em grande medida se associaram ao projeto autoritário derrotado nas urnas. Cabe agora derrotá-los no debate público.

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