Oswald, o modernismo e a Independência

Livro reúne o conjunto de intervenções de Oswald de Andrade em jornais, no período entre 1917, quando se iniciam os preparativos para o Centenário, e 1922, quando a Semana deu o grito de “independência cultural”

.

Por Gênese Andrade e Oswald de Andrade

O trecho abaixo é a primeira parte do texto “A ofensiva nos jornais: Oswald de Andrade e o momento artístico em torno de 1922”, de Gênese Andrade, organizadora do livro Arte do Centenário e outros escritos (Editora Unesp, 2022). O livro reúne textos publicados por Oswald de Andrade nos anos que antecederam a realização da Semana de Arte Moderna, nas discussões que envolviam os preparativos para o Centenário da Independência. A seguir, reproduzimos um dos textos recolhidos no livro, “Arte do Centenário”, de Oswald de Andrade.

Tal Centenário, qual arte?

Por Gênese Andrade

Entre a abertura do concurso para o monumento comemorativo do Centenário da Independência política em 1917 e a efeméride em 1922, houve em São Paulo uma movimentação em torno de questões estéticas que ficou registrada em alguns periódicos paulistanos. Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e Mário de Andrade, então escritores iniciantes, ocupavam as páginas dos jornais e revistas para defender suas propostas e divulgar suas obras e as de seus contemporâneos, criando polêmicas, respondendo às provocações e marcando posição em defesa de uma produção artística que correspondesse à Independência política que se anunciava festejar.1

No dia 7 de setembro de 1917, foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo o edital do concurso internacional para o monumento2 que celebraria o Centenário da Independência, ocorrida em 7 de setembro de 1822. Com inscrições até dezembro de 1919, foram apresentados 27 projetos, sendo residentes no Brasil apenas seis dos concorrentes inscritos; as maquetes foram expostas no Palácio das Indústrias, a partir de 10 de março de 1920, e o vencedor foi o italiano Ettore Ximenes, apoiado pelo senador e mecenas José de Freitas Valle e por Nestor Rangel Pestana, chefe de redação do jornal O Estado de S. Paulo.

No dia 12 de dezembro de 1917, foi aberta a exposição de Anita Malfatti na rua Líbero Badaró, 111, com 53 obras; no dia 20 de dezembro, foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo o artigo “A propósito da exposição Malfatti”, de Monteiro Lobato, com duras críticas às obras expostas. Malfatti, que já havia estudado na Alemanha e em Nova York e realizado exposição em São Paulo em 1914, fora incentivada por Di Cavalcanti, carioca então residente na capital paulista, a realizar a mostra de 1917.3

Oswald de Andrade, que já conhecia Guilherme de Almeida (foram colegas no ginásio), Di Cavalcanti (foram colegas na Faculdade de Direito e Di colaborou em O Pirralho, revista fundada por Oswald em 1911, que circulou até 1918) e Mário de Andrade (aproximaram-se no evento ocorrido no Conservatório Dramático e Musical havia poucos meses, em 21 de novembro, no qual Mário fez um discurso de saudação a Elói Chaves), escreveu um artigo em defesa da artista no Jornal do Commercio, publicado em 11 de janeiro de 1918, um dia após o encerramento da mostra.

Todos eles, após se encontrarem em visitas à exposição, quando Anita conheceu os demais rapazes, acabaram se aproximando. Dois anos depois, em janeiro de 1920, foi em torno de Victor Brecheret que eles estiveram reunidos, após descobri-lo trabalhando no Palácio das Indústrias, onde Ramos de Azevedo lhe havia concedido uma sala, convertida em seu ateliê. A eles se juntou Menotti Del Picchia, que já cursara a Faculdade de Direito em São Paulo e então se estabelecera na cidade como jornalista do Correio Paulistano, do qual veio a ser diretor.

O conhecimento das esculturas de Brecheret suscitou, no mesmo ano, artigos entusiasmados de parte de Menotti Del Picchia, nas páginas do Correio Paulistano; de Monteiro Lobato, na Revista do Brasil; de Oswald, na revista A Rajada; um assinado pelo pseudônimo Ivan, na revista Papel e Tinta,4 entre outros. Motivou uma campanha para que ele construísse um monumento aos bandeirantes, proposta apresentada pelo grupo a Washington Luís, presidente do estado, como contribuição dos paulistas aos festejos do Centenário. A campanha ganhou as páginas dos jornais e revistas em junho, a comissão era formada por Lobato, Menotti e Oswald, e a maquete foi exposta na Casa Byington, situada na rua XV de Novembro.5

A obra não se concretizou naquele momento. A maquete do monumento foi doada à Pinacoteca do Estado –“a arte nova penetra o arraial acadêmico”, como afirma Mário da Silva Brito6 –, mas depois se extraviou.

No ano de 1921, Mário de Andrade ganhou o centro do debate ao ser anunciado por Oswald como “poeta futurista”, em artigo no Jornal do Commercio. Entre nomear as obras artísticas que aqui se produziam influenciadas pelas vanguardas europeias ou servir como expressão para identificar qualquer coisa inexplicável ou fora de padrão, inclusive fatos do cotidiano, os termos “futurista” e “futurismo” invadiram a imprensa, motivaram discussões e não só precederam o uso de Modernismo e seus derivados, mas inclusive conviveram até meados da década de 1920. A Semana de Arte Moderna chegou a ser chamada de “Semana Futurista” em diversas ocasiões, assim como a revista Klaxon, lançada em maio de 1922, também teve esse adjetivo associado a ela.

As redações dos jornais e revistas e as casas de alguns artistas foram espaços de encontro, congregação de ideias e produção de textos que motivaram amizades, polêmicas e a concepção do movimento modernista que se consolidaria a partir de 1922. Para aqueles artistas e escritores que ainda não haviam viajado à Europa até então, as vanguardas europeias chegavam ao Brasil por meio de revistas e livros, e influenciavam sua produção. Acompanhando mais de perto as colaborações de Oswald de Andrade reunidas neste livro, vemos o destaque das questões relacionadas ao desejo de uma nova estética no contexto do Centenário da Independência política, que acompanhasse as transformações que o século XX trazia, modernizando a cidade. 

As discussões relacionadas à literatura, nas quais vamos nos deter – embora sem discutir as obras literárias propriamente –,7 giram em torno de Menotti Del Picchia, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, tanto como críticos quanto como escritores, da poesia de Guilherme de Almeida e outros contemporâneos, da passagem de Paul Fort pelo Brasil e do uso do termo“futurista” para nomear o que se produzia então. É possível reconstruir a efervescência quanto às questões artísticas: a crítica ao passadismo, à arte acadêmica e realista, à poesia parnasiana e aos romances realistas, a defesa da produção de seus contemporâneos, a movimentação em torno da Semana de 22 e da revista Klaxon, marcos iniciais do Modernismo que se consolidará no decorrer dos anos 1920, tendo o mesmo grupo como protagonista, ao qual se somam novos artistas, para dispersar-se no fim da década, quando se abrem novas trincheiras.

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Arte do Centenário

Por Oswald de Andrade

Publicado no Jornal do Commercio, São Paulo, p.4, 16 maio 1920.

Considera-se um povo pela sua cultura; é a expressão máxima de raça e de momento a obra de arte que resiste ao tempo; passam os politiqueiros, passam os tiranos que andaram de charola, passam os milionários e os agitadores de praça pública, apaga-se a memória dos que foram grandes à força de trombeta – e ficam os artistas.

São Paulo, a melhor fatia racial a expor na vitrine do Centenário, tem a decidir o que dará em matéria de arte à curiosidade estrangeira acordada pelas fanfarras da bem-intencionada réclame destes dias de preparativos.

O artista, dirão, é secundário com a síntese poderosa de suas forças expressivas, é objeto de luxo… São Paulo com a gigantesca engrenagem do seu trabalho, do seu trabalho de agricultores e de obreiros, já pode manter com honra esse objeto de luxo? Temos na poesia: Menotti e Guilherme de Almeida, na escultura Leopoldo e Silva, Victor Brecheret…

Infelizmente, porém, a verdade é tristíssima: se há alguns nomes capazes de honrar qualquer grande civilização, a avalanche de obrinhas nacionais e estrangeiras que entopem o mercado é desoladora. Exposições, edições… mas, senhores, é isso que vamos apresentar como expressão de cem anos de independência!

Mas independência não é somente independência política, é acima de tudo independência mental e independência moral.

Se acarinhamos o violento, o forte, o pessoal, o admirável Pedro Bruno, o interessante e original Lopes de Leão, acarinhamos também e com que inconsciência, os 31 copistas que se nos apresentam anualmente a gula de ver arte e comprar coisas…

Cuidado, senhores da camelote, a verdadeira cultura e a verdadeira arte vencem sempre. Um pugilo pequeno, mas forte prepara-se para fazer valer o nosso Centenário.

Notas

1. O Correio Paulistano está digitalizado na Hemeroteca Digital, da Biblioteca Nacional, disponível em: <http://bndigital.bn.br/acervo-digital/correio- paulistano/090972>. Alguns artigos de Menotti Del Picchia, de 1920 a 1922, foram publicados em Del Picchia, O Gedeão do Modernismo: 1920/22. O Jornal do Commercio, edição de São Paulo, está depositado no Arquivo do Estado de São Paulo e na Biblioteca Municipal Mário de Andrade. A revista A Rajada integra o acervo da Biblioteca Nacional. O Estado de S. Paulo conta com arquivo digital, disponível em: <https://acervo.estadao.com.br/>.

2. “Monumento comemorativo da Independência do Brasil”, O Estado de S. Paulo, São Paulo, p.11, 7 set. 1917. Para mais informações sobre os antecedentes desse concurso e outras questões relativas ao Monumento à Independência, cf. Monteiro, São Paulo na disputa pelo passado: o Monumento à Independência de Ettore Ximenes.

3. Cf. Batista, Anita Malfatti no tempo e no espaço, p.193-225.

4. Hélios [Menotti Del Picchia],“Brecheret”, Correio Paulistano, São Paulo, p.4, 15 jan. 1920; Hélios [Menotti Del Picchia], “Brecheret”, Correio Paulistano, São Paulo, p.1, 26 fev. 1920; [Monteiro Lobato],“Victor Brecheret”, Revista do Brasil, São Paulo, n. 50, p. 169, fev. 1920; Andrade, O. de, “Brecheret”, A Rajada: Revista Quinzenal de Crítica, Artes e Letras, Rio de Janeiro, p.72, abr. 1920, reproduzido neste livro; Ivan,“Victor Brecheret”, Papel e Tinta, São Paulo, n.2, jun. 1920.

5. “Menotti Del Picchia, “Um monumento”, Correio Paulistano, São Paulo, p.3, 29 jun. 1920; Hélios [Menotti Del Picchia], “Monumento das Bandeiras”, Correio Paulistano, São Paulo, p.1, 27 jul. 1920; Hélios [Menotti Del Pic- chia], “Arte nova”, Correio Paulistano, São Paulo, p.3, 29 jul. 1920; Victor Brecheret, “Monumento das Bandeiras”, Papel e Tinta, São Paulo, n.3, jul. 1920. A maquete foi exposta a partir de 28 de julho de 1920, data em que o memorial do monumento foi publicado no Correio Paulistano; a maquete foi reproduzida nesse jornal e também na revista Ilustração Brasileira, Rio de Janeiro, ano VIII, n.1, set. 1920. Houve ainda artigos sobre o tema em O Estado de S. Paulo, 20 e 28 jul. 1920, e no Jornal do Commercio, São Paulo, 30 jul. 1920.

6. Brito, História do Modernismo brasileiro: antecedentes da Semana de Arte Moderna, p.122.

7. Abordei a questão literária no período, especialmente no contexto da Semana, comparativamente às artes visuais e a esses artigos de Oswald, em “Oswald de Andrade em torno de 1922: descompassos entre teoria e expressão estética”.

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