Trump e a nova Doutrina Monroe

Washington revitaliza, para a América Latina, o pensamento imperialista do século XIX. Objetivo: conter a Nova Rota da Seda na região e dominar a geopolítica do petróleo, com reservas do Caribe. Tática pode ter vitórias táticas, mas, a longo prazo, fracassará

Foto: Evan Vucci/AP
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No início do segundo governo, Trump começou a se comportar como se fosse o imperador do Hemisfério Ocidental. Por diversas vezes Trump elogiou o presidente William McKinley, que serviu de 1897 a 1901 e liderou os Estados Unidos na Guerra Hispano-Americana, em que obrigou a Espanha a ceder a soberania sobre Porto Rico e outros territórios, assim como tornou Cuba um protetorado. É inegável que Trump se inspira nesse momento – em que os EUA consolidam sua hegemonia regional – para pensar sua política externa para a América Latina.

A importância da América Latina para Trump se demonstra pela escolha do novo secretário de Estado, Marco Rubio. Filho de pais cubanos, natural de Miami, Rubio é fluente em espanhol e familiarizado com a cultura latino-americana. Ele é conhecido por suas opiniões inflamadas sobre questões latino-americanas , tendo rotulado o regime venezuelano de “narcoditadura“, acusado a Nicarágua de “patrocinar o tráfico de pessoas” e culpado Cuba por fornecer “porto seguro para terroristas“. A oposição ativa de Rubio à crescente influência da China no hemisfério ocidental também pode moldar significativamente a abordagem do governo para a região. “Por muitas razões, a política externa dos EUA há muito tempo se concentra em outras regiões, negligenciando a nossa. Como resultado, deixamos os problemas se agravarem, perdemos oportunidades e negligenciamos parceiros. Isso acaba agora”, escreveu Rubio em um artigo de opinião recente para o Wall Street Journal intitulado “Uma Política Externa das Américas em Primeiro Lugar“.

A abordagem de Trump/Rubio às Américas e sua adoção do pensamento de “esferas de influência” remonta à Doutrina Monroe do início do século XIX. Em sua forma original, tratava-se de uma declaração vaga do presidente James Monroe, em 1832, de que as potências europeias não deveriam intervir na América Latina. Foi a primeira vez que os EUA afirmaram seu direito à autonomia irrestrita no Hemisfério Ocidental. No início do segundo governo, Trump começou a se comportar como se fosse o imperador do Hemisfério Ocidental. Por diversas vezes Trump elogiou o presidente William McKinley, que serviu de 1897 a 1901 e liderou os Estados Unidos na Guerra Hispano-Americana, em que obrigou a Espanha a ceder a soberania sobre Porto Rico e outros territórios, assim como tornou Cuba um protetorado. É inegável que Trump se inspira por esse momento – que os EUA consolidam sua hegemonia regional – para pensar sua política externa para a América Latina.

A importância da América Latina para Trump se demonstra pela escolha do novo secretário de Estado, Marco Rubio. Filho de pais cubanos, natural de Miami, Rubio é fluente em espanhol e familiarizado com a cultura latino-americana. Ele é conhecido por suas opiniões inflamadas sobre questões latino-americanas, tendo rotulado o regime venezuelano de “narcoditadura“, acusado a Nicarágua de “patrocinar o tráfico de pessoas” e culpado Cuba por fornecer “porto seguro para terroristas“. A oposição ativa de Rubio à crescente influência da China no hemisfério ocidental também pode moldar significativamente a abordagem do governo para a região. “Por muitas razões, a política externa dos EUA há muito tempo se concentra em outras regiões, negligenciando a nossa. Como resultado, deixamos os problemas se agravarem, perdemos oportunidades e negligenciamos parceiros. Isso acaba agora”, escreveu Rubio em um artigo de opinião recente para o Wall Street Journal intitulado “Uma Política Externa das Américas”. Declarou que Washington consideraria qualquer interferência de outras grandes potências no hemisfério como uma “disposição hostil aos Estados Unidos”. Ao anunciar suas ambições territoriais no Canadá, na Groenlândia e no Canal do Panamá, Trump parece ter reanimado a Doutrina Monroe. Em entrevista à Fox News pouco antes de Trump assumir o cargo, o conselheiro de segurança nacional Mike Waltz afirmou que parte da agenda “América em primeiro lugar” do governo será “reintroduzir a América no Hemisfério Ocidental” — uma abordagem que, segundo ele, poderia ser chamada de “Doutrina Monroe 2.0”. Ryan Berg, diretor do Programa das Américas no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, disse que “o governo Trump está tentando criar uma espécie de perímetro de segurança, uma zona de segurança em nossa própria vizinhança compartilhada primeiro, antes de começar a olhar para outros teatros do mundo”. Jay Sexton, autor de uma história da Doutrina Monroe, disse que ela sempre esteve “incorporada em guerras culturais” e ligada a debates entre internacionalistas e isolacionistas sobre o papel dos Estados Unidos no mundo. “Hoje, vivemos em uma era de competição geopolítica renovada, volatilidade e incerteza. As esferas regionais de influência são a palavra-chave hoje em dia, seja a China em sua região ou os russos na Ucrânia. Parece um pouco com o século XIX”. Um ensaio recente de Hal Brands na Foreign Affairs destaca que, mesmo sob condições restritivas, uma versão atualizada da “América Primeiro” incluiria uma “Doutrina Monroe revitalizada”. E, mais recentemente, em um artigo (“Uma Nova Doutrina Monroe para o Hemisfério Ocidental?”), um pesquisador da Heritage Foundation, James Jay Carafano, propôs o “rejuvenescimento da Doutrina Monroe”. Tudo isso aprofundaria uma política anti-China que começou no segundo governo Obama, com a chamada “estratégia de pivô” anunciada em 2011, e que foi amplamente aguçada por Trump e Biden. Agora, a expectativa é que o novo governo Trump venha fortalecê-la ainda mais.

Eles precisam de nós mais do que nós precisamos deles…”, declarou Trump no Salão Oval ao se referir à América Latina após assumir a presidência dos Estados Unidos. A mensagem para o restante do continente é que Washington não tolerará a falta de alinhamento. Os países que não cooperarem enfrentarão sanções econômicas, incluindo tarifas que afetariam sua balança comercial, classificações de risco e acesso aos mercados financeiros. O Secretário de Defesa de Trump, Pete Hegseth, não deixou dúvidas sobre a linha a seguir: “o governo Obama tirou os olhos do alvo e permitiu que a China se infiltrasse em toda a América do Sul e Central com sua influência econômica e cultural. O presidente Trump disse: ‘Isso não vai mais acontecer, estamos retomando o nosso quintal’”.

O governo Trump considera os países da América Latina e do Caribe como seu quintal e essenciais para recursos naturais estratégicos e segurança. Em 13 de fevereiro, o Almirante Alvin Holsey, comandante do Comando Sul dos EUA, testemunhou perante o Comitê de Serviços Armados do Senado. Falando sobre a presença da China na América Latina, ele disse: “Enquanto os Estados Unidos olham para o Extremo Oriente, a China ara terreno fértil ao sul. A região abriga abundantes recursos naturais, incluindo 20% das reservas mundiais de petróleo, 25% dos metais estratégicos, 30% da área florestal, 31% das áreas de pesca e 32% dos recursos renováveis ​​de água doce. A economia desempenha um papel central no interesse da China na região. Compreendendo isso, a China usou sua Nova Rota da Seda para se tornar o maior parceiro comercial da América do Sul e o segundo maior da América Central e do Caribe”.

César Fonseca diz que é o início da nova geopolítica de Washington para a América do Sul. De fundo, a busca pelo fornecimento de energia e minerais estratégicos. Para enfrentar a China, o adversário mais forte que pulou à frente na competitividade global, os Estados Unidos cuidam, de agora em diante, das fontes de matéria-prima no seu espaço geopolítico que domina por meio da Doutrina Monroe. O preço dos produtos primários essenciais à manufatura global tende a valorizar-se em relação aos produtos industrializados, cuja produção em escala tecnológica reduz preços, como faz a China, para dominar o comércio mundial. Já os produtos primários são escassos, portanto, mais valorizados, mais lucrativos. E a América Latina é abundante em todos os produtos primários.

Neste contexto, existem duas questões-chave da nova estratégia de Trump para a América Latina que merecem maior destaque: a nova geopolítica do petróleo no Caribe e a contenção da Nova Rota da Seda.

O governo Trump está colocando em movimento uma geopolítica do petróleo muito mais perigosa na América Latina. Como apontou Edward Hunt, o governo Trump está organizando uma rede de estados produtores de energia no Caribe para fornecer à região um suprimento constante de combustíveis fósseis. Na esperança de deixar de lado a Venezuela, o país rico em petróleo que antes o fornecia de forma acessível ao Caribe, o governo Trump está trabalhando para posicionar outros países ricos em petróleo como os principais fornecedores de energia da região. Autoridades do governo estão particularmente focadas na Guiana e no Suriname, dois países ricos em petróleo que eles esperam que os líderes regionais adotem como alternativas à Venezuela. O fato de seus próprios países, Guiana e Suriname, agora serem capazes de superar a Venezuela na produção de petróleo e trabalhar com seus vizinhos na região é uma grande oportunidade para Trump. Com a Venezuela sofrendo uma grave crise econômica para país que não está em guerra, incluindo um declínio significativo em sua indústria petrolífera, o governo está pronto para restaurar a supremacia dos EUA no Caribe. Na esperança de marginalizar permanentemente a Venezuela e excluí-la completamente do Caribe, o país começou a criar uma rede de países produtores de petróleo que fornecerão petróleo para a região sob ordens dos EUA. Nas últimas semanas, o governo Trump tomou várias medidas em direção aos seus objetivos. Em 24 de março, o presidente Trump emitiu uma ordem executiva  ameaçando  impor uma tarifa de 25% a qualquer país que importasse petróleo da Venezuela. A ordem de Trump colocou forte pressão sobre os líderes caribenhos que esperavam  reativar  a Petrocaribe. Em segundo lugar, o governo Trump organizou visitas diplomáticas dos EUA aos países caribenhos. No final de março, o secretário de Estado Marco Rubio viajou para a Guiana e o Suriname, onde elogiou seus líderes por abraçarem a produção de petróleo e os encorajou a trabalhar juntos em uma nova rede sob a liderança dos EUA. Essa abordagem pode ser exemplificada com Trump buscando assegurar os interesses da ExxonMobil na Guiana. Marco Rubio deixou claro, em visita recente, que os Estados Unidos vão intervir militarmente para proteger a exploração de petróleo da companhia estadunidense, caso ela seja ameaçada – em especial, pela Venezuela. O governo Trump respondeu agressivamente às reivindicações territoriais da Venezuela, sinalizando que os militares dos EUA intervirão se a Venezuela tentar tomar qualquer parte do território da Guiana. Autoridades do governo estão buscando criar um acordo de segurança com a Guiana que forneceria ao país o mesmo tipo de proteção militar que os Estados Unidos estendem aos seus parceiros ricos em energia no Oriente Médio.

Uma hipotética intervenção militar direta dos EUA não asseguraria apenas o petróleo guianense, mas também levaria à desestabilização do governo venezuelano, dono das maiores reservas de petróleo do mundo. Também poderia significar uma intervenção da Guiana Francesa. É claro, tal intervenção também significaria um perigo elevadíssimo para o Brasil e toda a América do Sul e Latina – que o Pentágono deseja publicamente afastar da China, e nenhuma solução pode ser descartada.

Tudo isso deixa em aberto a possibilidade de Washington se tornar mais agressivo em relação a crescente presença da Nova Rota da Seda da China na América Latina. Anunciada em 2013 pelo presidente Xi Jinping durante visitas oficiais e oficialmente lançada em 2015, a iniciativa tem atraído a atenção internacional pela magnitude dos seus projetos e objetivos. Ela expandiu-se em uma rápida velocidade, abarcando atualmente uma série de acordos de cooperação com 150 países. A maioria deles já tem a China como principal parceira comercial. Vista como uma das estratégias geoeconômicas mais ambiciosas da história mundial recente, ela tem como objetivo anunciado investir mais de US$ 1 trilhão em projetos ao redor do mundo, criando uma rede de comércio e infraestrutura que conectará diversas regiões globais — tendo a China como principal elo.

A China incentiva investimentos diretos na América Latina no contexto da continuada expansão de suas empresas e da Nova Rota da Seda. Criaram-se mais de uma dezena de fundos com lastro nas reservas chinesas. Estabeleceu-se o CLAI Fund (China Latin American Investment Fund for Industrial Cooperation) e o CLAC Fund (China Latin American Cooperation Fund), com participações do China Development Bank (CDB), ChinaExim e da State Administration of Foreign Exchange (SAFE). Até o momento, 21 países (Bolívia, Chile, Costa Rica, Panamá, Equador, Peru, Venezuela, Cuba, Equador, Jamaica, Trinidad e Tobago, Uruguai e outros) estabeleceram acordos na Nova Rota da Seda. Dessa forma, não foi somente o comércio entre a região e a China que se expandiu, mas também se estabeleceu uma aliança estratégica implícita contra a posição dominante dos Estados Unidos.

À medida que a guerra comercial global se intensifica entre os EUA e a China, é possível que Washington aja de forma ainda mais agressiva em relação aos países latino-americanos que buscam laços mais profundos com Pequim. Só que sem medidas concretas para apoiar o crescimento econômico e a diversificação da economia latino-americana, a China continuará sendo uma força econômica dominante na região. E é impossível para Washington chegar perto de igualar a escala de oportunidades de comércio e investimento que a China pode oferecer à região. Se, por um lado, os EUA tentam limitar a presença da China no Canal do Panamá, a China faz importantes investimentos em portos latino-americanos, como o megaporto de águas profundas de Chancay (recentemente inaugurado) no Peru, sendo uma porta de entrada para a América do Sul. O porto reduzirá pela metade o tempo de embarque da China e permitirá que os países sul-americanos contornem os portos mexicanos e americanos no embarque de mercadorias para a Ásia, consolidando a importância da China no transporte estratégico e nas cadeias de suprimentos da (e para a) região. Além dos projetos de infraestrutura, inclusive de interconexão da América do Sul, muitos outros setores podem ser fomentados pelos países, em especial oleodutos e gasodutos, infraestrutura, portos e ferrovias, em áreas de inovação, novas energias, agricultura, tecnologias da informação (5G, Internet das Coisas, IA, etc.), cidades inteligentes, parques industriais e tecnológicos, modernização bélica e sustentabilidade.

Em última análise, a estratégia atual do governo Trump, que prioriza o domínio em detrimento da parceria pode alcançar algumas vitórias táticas. No entanto, a longo prazo, corre o risco de fracasso estratégico e da erosão contínua da influência dos EUA na região, o que proporcionará uma oportunidade para outras potências preencherem o vazio. Assim, as políticas de Trump podem acabar por acelerar a aproximação com a China e outros parceiros asiáticos.

Com o expansionismo do século XIX, os Estados Unidos se tornaram uma potência com acesso a terras agrícolas férteis para agricultura, recursos energéticos, espaço para o crescimento demográfico e o desenvolvimento do seu mercado interno, a rotas comerciais e, definitivamente, a possibilidades inigualáveis o fortalecimento de uma pujante economia capitalista. Desde então, os países da América Latina são tratados como “objetos” pelos principais líderes dos EUA. Não seria imaginável que existam atores autônomos no seu “quintal” com seus próprios interesses. Com Trump, a região continuará sendo tratada menos como um parceiro igual e mais como uma esfera de influência a ser controlada em linha com os interesses estratégicos dos EUA. Nesse contexto, os governos, incluindo os aliados mais próximos dos Estados Unidos, enfrentam uma escolha: alinhar-se à agenda de Washington ou enfrentar sanções severas. A tentativa de “recapturar o quintal” será bem sucedida? Intervenções no continente unilateralmente serão aceitas pelos povos latino-americanos? Quais serão as consequências para operações militares no Paraná e na Groenlândia? E o apoio político para grupos alinhados às políticas de Trump? Ainda não sabemos.

Na crise diplomática dos aviões entre EUA e Colômbia, em poucas horas, o governo Trump projetou seu poder e deixou claro que a cooperação com os EUA – nesse caso, a Colômbia recebendo deportados – não era opcional. As repercussões foram rápidas. O Panamá renunciou a renovar os acordos com a China sobre o canal interoceânico, o governo venezuelano liberou incondicionalmente os cidadãos estadunidenses detidos e tanto o México quanto o Canadá fortaleceram sua cooperação em migração e segurança. Ao mesmo tempo, as ações do governo Trump causaram reações como choque, confusão, negação, desilusão e raiva. É evidente o desgaste da imagem de Washington. Na América Latina, liga-se um sinal de alerta. Qual serão os próximos passos?

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