TPI: Necessário, porém opaco e parcial

Corte criticada por Lula chegou a ser vista como esperança em meio a uma globalização com regras. Mas recusou-se a processar poderosos, não revela quem a financia e se conformou à condição de instrumento de propaganda do Ocidente

Imagem retirada do site Bissexto
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Por Pedro Jorge Sanchez em Pressenza | Tradução: Antonio Martins

O que é TPI?

O Tribunal Penal Internacional (TPI) foi oficialmente lançado em 1998. Os países participantes depositaram grandes esperanças no órgão autônomo, cuja missão é julgar pessoas acusadas de cometer crimes de genocídio, guerra, agressão e crimes contra a humanidade, entre outros. O instrumento constitutivo do TPI é o Estatuto de Roma. Ao ratificá-lo, um país compromete-se a cumprir os seus artigos e normas em relação a esses crimes. Vale ressaltar que a competência do Tribunal não predomina sobre a competência nacional. Além disso, o Tribunal não pode investigar crimes cometidos antes da ratificação do Estatuto de Roma.

Atualmente, a convenção conta com 183 signatários e 123 ratificações. A maioria é da Europa e da América Latina. Os Estados Unidos, a China, a Rússia e a maioria dos países asiáticos recusaram-se a assinar e ratificar o Estatuto de Roma.

A procuradora que enfrentou Washington – e perdeu

Após a sua fundação, o Tribunal representou uma ameaça real aos interesses nacionais de alguns países. Os estados tomaram medidas contra a atividade judicial da Corte. Para ilustrar, podemos usar o exemplo americano. Em 2002, os Estados Unidos aprovaram a Lei de Proteção aos Membros do Serviço Americano (ASPA). Esta lei proíbe qualquer tipo de colaboração e cooperação com o Tribunal e autoriza a utilização dos militares dos EUA para libertar militares ou civis dos EUA detidos ou processados ​​pelo TPI. Defensores dos direitos humanos batizaram referida medida como a “Lei de Invasão de Haia”. Segundo o documento, também é proibida a prestação de ajuda militar aos países que ratificaram o Estatuto de Roma.Ao longo do tempo, as medidas tomadas mostraram a sua elevada eficácia e intransigência.

Em 2006, a Procuradora Adjunta do IPC, Fatou Bensouda, iniciou a sua guerra de anos contra os Estados Unidos, lançando uma primeira investigação sobre alegados crimes de guerra cometidos pelos Taliban e pelas forças dos EUA no Afeganistão. Devido à pressão política e diplomática dos EUA, a investigação foi adiada por 11 anos. De acordo com o antigo conselheiro de segurança nacional dos EUA, John Bolton, o Tribunal Penal Internacional ameaça inaceitavelmente a soberania dos EUA e os interesses de segurança nacional dos EUA. A elite americana temia que surgissem fatos confirmados de tortura e execução por agentes da CIA e pelos militares norte-americanos.

Em 2017, Bensouda, já como procuradora-geral do TPI, tentou novamente abrir uma investigação contra os Estados Unidos. Um ano depois, os EUA entraram na guerra diplomática com o TPI, ameaçando com sanções e detenções os juízes que processarem soldados norte-americanos e membros da CIA por alegados crimes cometidos no Afeganistão. Os EUA deram vida às suas ameaças e, em 5 de abril de 2019, retiraram o visto norte-americano da procuradora-geral do Tribunal. Após sete dias (12 de abril), os magistrados do Tribunal rejeitaram por unanimidade o pedido de abertura de uma investigação contra os Estados Unidos. Segundo a liderança do TPI, abrir uma investigação contra os EUA “não servirá os interesses da justiça”. Fatou Bensouda perdeu sua segunda batalha contra os Washington.

A paz entre inimigos não existiu por muito tempo. Em 5 de março de 2020, o Tribunal autorizou a retomada da referida investigação. No início de 2020, o agora deposto governo afegão pediu ao TPI que suspendesse a sua investigação para dar a Cabul a oportunidade de conduzir a sua própria. O TPI aprovou essa proposta, mas o regresso dos talibãs ao poder em agosto de 2021 pôs fim a este movimento. Todos esperavam uma nova iniciativa de Fatou Bensouda, mas em 2021 ela saiu de seu posto, após 15 anos de luta pela verdade. Assim, Bensouda perdeu a guerra de anos contra os Estados Unidos. O criminologista britânico Karim Khan juntou-se à luta contra os EUA e o Talibã. Khan conseguiu abrir uma investigação ampla e bem verificada. Mas voltou a investigação apenas contra o Talibã. Khan declarou que deveria “despriorizar” o elemento americano devido à falta de recursos e concentrar as suas forças na investigação contra os talibãs. Assim, os EUA venceram a sua guerra de longa data contra o TPI. A ativista afegã dos direitos humanos, Horia Mosadig, classificou o anúncio de Khan como “um insulto a milhares de outras vítimas de crimes cometidos pelas forças do governo afegão e pelas forças dos EUA e da Otan”.

A história da luta entre o TPI e os EUA comprova a incapacidade do Tribunal de investigar poderosos actores políticos. A elite americana conseguiu ditar as suas condições de jogo ao órgão independente.

Opacidade dos recursos, Líbia e armas nucleares

Outro elemento que comprova a dependência do TPI são as fontes de financiamento. Segundo os documentos da organização, o Tribunal é financiado por contribuições dos estados-partes, contribuições voluntárias de governos, organizações internacionais, empresas e doações. A frase chave e corrupta é contribuições voluntárias. Significa que de forma não oficial existe a possibilidade de fazer lobby e promover os interesses nacionais de um determinado país através de doações. Utilizando empresas falsas e doações anônimas, intervenientes poderosos podem promover os seus interesses na arena internacional, violando todas as regras da democracia.

Outro motivo de estranheza baseia-se em decisões do TPI com motivação política. Em 2011, em cumprimento à Resolução 1970 da ONU (de 26 de fevereiro de 2011), o Tribunal emitiu mandados de prisão contra o ex-líder líbio, Muammar Gaddafi, acusado de cometer crimes contra a humanidade. Antes disso, a Otan decidiu realizar uma intervenção militar contra o governo líbio no âmbito da “defesa dos direitos humanos”. Nem todos concordaram com esta decisão, criticando a atividade militar da Otan na Líbia. Neste contexto, parece que as ordens do TPI foram enviezadas e tinham como objetivo justificar a intervenção e minimizar as críticas da sociedade civil.

Também vale a pena mencionar que a maioria dos Estados nucleares não são membros do Tribunal (EUA, China, Israel, Índia, Rússia, Turquia). É mais um fator mais criticado pela sociedade civil, que comprova a falta de poder real deste órgão jurídico. Além disso, o Tribunal não dispõe de forças policiais, o que dificulta a captura e detenção de elementos criminosos.

A baixa qualidade do trabalho do TPI é confirmada também com base nas estatísticas, . A maioria dos processos criminais está ligada a países africanos que não possuem os instrumentos de lobby e pressão em comparação com os EUA. Uma exceção é o mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, pela alegada deportação ilegal de crianças ucranianas para a Rússia. Esta exceção tenta marcar pontos políticos tirando partido da questão da guerra na Ucrânia.

Exemplo latino-americano

Vale atentar ao caso venezuelano em que o Tribunal se envolveu parcialmente. Desde 2018, o TPI investiga a situação dos direitos humanos na Venezuela e alegados crimes cometidos por agentes da polícia durante protestos antigovernamentais. Os manifestantes exigiram a renúncia do governo Maduro, reformas económicas e reaproximação política com os Estados Unidos. As manifestações mais extensas aconteceram em 2019, quando o líder da oposição, Juan Guaidó, tinha a reputação de herói nacional. Apesar disso, as tentativas de golpe de estado no âmbito da Operação Gedeón falharam, o exército venezuelano mostrou a sua lealdade ao governo Maduro.

Em 2021 os protestos não foram tão massivos, a situação interna se acalmou. As declarações políticas foram transformadas em declarações sociais, econômicas e médicas. Sob tais condições, Washington precisou recorrer a instrumentos adicionais de pressão diplomática e política contra o governo venezuelano. O TPI entrou em cena. Em novembro de 2021, a corte concluiu a investigação preliminar contra a Venezuela e abriu a oficial. Antes do início da guerra na Ucrânia, a Venezuela era alvo de críticas do TPI. A guerra na Ucrânia mudou os planos da Casa Branca em relação à Venezuela. Tentando resolver a crise energética internacional, Washington procurou cooperação com a Venezuela petrolífera, oferecendo a suspensão parcial das sanções dos EUA impostas contra o Estado latino-americano.

A discreta política de amizade americana levou ao Memorando de Entendimento assinado em 9 de junho de 2023 entre a Venezuela e a TPI. Ao organizar a aproximação entre a Venezuela e o Tribunal, a Casa Branca quis persuadir o governo venezuelano a mudar o seu rumo político e privar a Rússia do seu principal parceiro na América Latina. Maduro desmentiu as esperanças americanas ao recusar negociar com os Estados Unidos antes da suspensão total das sanções. O que o TPI fez? Em 27 de junho, autorizou retomar a investigação sobre a suposta prática de crimes contra a humanidade na Venezuela, considerando que “os processos penais internos em Caracas não refletem suficientemente o alcance do caso e há períodos de inatividade inexplicável”. É assim que funcionam os instrumentos “independentes”.

Perspectivas

Concluindo, pode-se dizer que com o tempo o ambicioso projeto denominado CIP tornou-se o instrumento de promoção de interesses coloniais.

Atualmente o TPI é um órgão inútil de poder legal e ao mesmo tempo um instrumento eficaz para promover interesses políticos na arena internacional. O mundo moderno precisa de um órgão independente que possa julgar no interesse dos valores humanos.

O primeiro passo para um TPI independente de fato é a transparência de todas as receitas. Isto tornará o lobby quase impossível. Uma desvantagem desta medida é o risco de crescimento da corrupção. Isso exige fortalecer o comitê anticorrupção.

O segundo passo é mostrar parcialidade para com todos os países e garantir a defesa dos juízes contra pressões políticas e diplomáticas.

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