O Ocidente declara guerra à Rússia

Washington forma aliança militar de dezenas de países para enviar armas pesadas à Ucrânia, internacionalizar conflito e esgotar Moscou – o único adversário militar à sua altura. Celso Amorim analisa novo tabuleiro geopolítico

.

Por Antonio Martins

UCRÂNIA: PORTA PARA A III GUERRA MUNDIAL?
Como os EUA articulam uma coalizão internacional contra a Rússia. Quais os riscos de uma conflagração ampliada. O que muda no cenário global. Que papéis um Brasil democrático poderia desempenhar. Na entrevista acima, as opiniões do embaixador Celso Amorim

Duas narrativas, opostas entre si, buscavam até agora interpretar a invasão da Ucrânia por tropas russas, iniciada em 24 de fevereiro. Segundo os governos do Ocidente e a mídia associada a eles, trata-se de um ato brutal do regime de Vladimir Putin para projetar sua força sobre uma nação mais débil, recorrendo a meios violentos e buscando desviar as atenções da opinião pública sobre suas dificuldades internas. Os que buscam compreender a posição de Moscou argumentavam, no entanto, que o país foi forçado à guerra pela expansão incessante da OTAN, pelo cerco a seu território por bases militares inimigas e pela opressão das populações russas majoritárias no leste da Ucrânia.

Ambas as visões, contudo, podem ter se tornado obsoletas esta semana. Uma série de fatos novos deu à guerra um caráter inteiramente novo e a transformou num conflito que opõe à Rússia, agora sem disfarces, uma coalizão de mais de trinta países alinhados a Washington. O objetivo, também anunciado abertamente, é minar as forças da único Estado hoje capaz de se opor militarmente às pretensões norte-americanas. Se isso ocorrer, os EUA estarão de mãos livres para tentar resolver por meios bélicos o declínio de seu poder econômico e o desgaste de sua hegemonia geopolítica.

O acontecimento mais importante se deu terça-feira (26/4), na base militar de Ramstein, que Washington mantém desde 1948 no sudoeste da Alemanha. O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin III, reuniu-se com autoridades militares de 33 países, mais a União Europeia e a OTAN. Como resultado, formou-se um Grupo Consultivo sobre a Segurança da Ucrânia, que se reunirá todos os meses. As declarações de Austin sobre os objetivos da coalizão são reveladoras: “vencer a luta atual e as que virão”, garantindo de imediato o envio do maior volume possível de armamento a Kiev. Mas houve antecedentes. No fim de semana, o próprio Austin, chefe do Pentágono, havia visitado a capital ucraniana na companhia do secretário de Estado, Anthony Blinken, em viagem mantida em sigilo até o último momento. Lá, encontraram-se com o presidente Zelensky, e mantiveram conversações cujo teor não foi revelado. De Kiev, ambos rumaram para Berlin, onde obtiveram da ministra da Defesa alemã, Christine Lambrecht, o compromisso de abastecer a Ucrânia com material bélico pesado – ao menos 50 tanques.

Nos dias seguintes, outros países cujos governos estavam presentes à base de Ramstein (entre os quais pesos-pesados militares, como a Inglaterra e a França) também anunciaram o envio de armas. Fala-se inclusive em aviões, segundo a revista The Economist. O movimento teve seu ápice nesta quinta-feira (28/4) quando o presidente Joe Biden pediu ao Congresso novo crédito, de US$ 33 bilhões (além dos US$ 13,6 bi já despachados), para armar Kiev. E não foram apenas palavras. Em 26/4, num sinal de que o armamento ocidental sofisticado faz diferença no front de guerra, mísseis de longo alcance disparados da Ucrânia destruíram instalações militares de Moscouem território russo, próximo à fronteira entre os dois países.

O propósito por trás dos fatos desta semana vai bem além do conflito na Ucrânia. “Queremos ver a Rússia enfraquecida”, afirmou o secretário Austin em Kiev, no domingo. A estratégia militar vislumbrada para chegar a este fim – agora está nítido – é prolongar e internacionalizar a guerra, para evitar que Moscou obtenha até mesmo uma vitória parcial. Nas últimas semanas, o Kremlin concentrou suas operações militares no leste e sul da Ucrânia – a região do Donbas, onde as repúblicas de Luhansk e Donetsk lutam pela independência. Ocupá-las e assegurar a autonomia da maioria russa que as habita e encerrar o conflito parecia até há pouco um objetivo factível.

Mas e se, depois disso, não puder haver retirada? E se o Donbas continuar a ser fustigado por um exército ucraniano turbinado pelo armamento pesado fornecido por mais de 30 países, alguns dos quais têm poder econômico muito superior ao da Rússia? Isso não conduziria a um esgotamento das capacidades militares de Moscou e – sonha Washington – à anulação de seu atual poder geopolítico? Não estariam certos, então, aqueles que viram na guerra, desde o início, o resultado de uma provocação dos governos ocidentais?

A aposta de Washington e seus parceiros, porém, é de extremo risco – por dois motivos. Na arena militar, Moscou também pode optar por uma escalada. Nesta quinta (28/4), a porta-voz do ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, advertiu as potências ocidentais, afirmando que “novos apelos à Ucrânia, para atingir instalações russas, levarão certamente a uma resposta dura da Rússia”. Até onde irão os que tentam acirrar a guerra contra uma potência nuclear?

Já no terreno econômico, onde os EUA pensavam emparedar Moscou, há sinais de que o tiro pode sair pela culatra. Há uma semana, um editorial do próprio New York Times ponderava que, apesar de muito duras, as sanções de Washington e seus aliados contra a Rússia não estão sendo capazes de desorganizar a economia do país. O contrário é possível. Em 27/4, a Gazpron, estatal russa de combustíveis fósseis, anunciou o corte do fornecimento de gás aos dois primeiros países europeus – Polônia e Bulgária – que se recusaram a pagá-lo em rublos. Se a mesma medida se estender à Alemanha, teme o banco central alemão, o resultado pode ser um impacto em até 5% do PIB. Além disso, em 28/4 um dado inesperado arranhou a autoconfiança dos governos ocidentais. O Departamento de Comércio dos Estados Unidos revelou que o PIB do país caiu 1,4% no primeiro trimestre do ano, em comparação ao mesmo período do ano passado.

As narrativas da mídia ocidental sugerem que se trava, na Ucrânia, uma guerra de mocinhos contra bandidos. A vida real parece estar prestes a esfarelar este discurso.

Leia Também:

6 comentários para "O Ocidente declara guerra à Rússia"

  1. Julio Fornazier disse:

    O Ocidente não declarou guerra contra a Russia, foram ALGUNS PAISES!

  2. José Mario Ferraz disse:

    Se pior não ficar o mundo, que se acabe com ele de uma vez.

  3. Eu sempre soube que o estopim dessa guerra foi armado pelo sacro império judeu-anglo-estadunidense, usando a pobre Ucrânia como testa-de-ferro para, primeiro, enfraquecer a Rússia e, depois, para poder atacar a China (usando Taiwan como está usando a Ucrânia) com a Rússia fora de combate. É a mesma estratégia usada para salvar o sacro império judeu-anglo-estadunidense tanto na primeira guerra mundial, como na segunda e, agora, na terceira já em execução. Só que tem um dilema: quem vai disparar armas nucleares primeiro para acabar com este hospício?

  4. Ricardo Cavalcanti-Schiel disse:

    Parece bastante evidente que o Antonio Martins está bem pouco informado sobre a situação operacional e os movimentos estratégicos na Ucrânia.

    Desde o começo das operações, sempre foi muito óbvio que a intenção dos Estados Unidos era produzir “um novo Afeganistão” para a Rússia, enquanto tentava quebrar as pernas da sua economia. A segunda pretensão não está funcionando (fica o consolo de quebrar as pernas da economia europeia). Resta apostar tudo na primeira, mas isso agora está assumindo uma dimensão desesperada (para se ter ideia, um terço do estoque de munição convencional antiblindagem norte-americana já foram “gastos” com a Ucrânia, e a reposição está cada vez mais difícil).

    Além disso, não se pode ignorar uma caracterização intrínseca singular desse teatro inicial de operações (inicial porque o que os Estados Unidos mais querem é fazer guerra por procuração contra a Rússia usando a Polônia, a Romênia e possivelmente também a Moldávia): a Ucrânia que “interessa” estrategicamente à Rússia é uma Ucrânia fragmentada em definitivo.

    De um lado a Ucrânia russa, incorporada à Rússia, que se conquista evitando mortes civis, com programas humanitários e fazendo circular rublos (que é o que já está praticamente conquistado, sem possibilidade logística de reversão, não importa por conta de que quantidade de armamentos ocidentais sejam despejados… só falta o oblast de Odessa).

    Do outro lado, a Ucrânia historicamente antirrussa, onde não se evitarão as mortes civis, do mesmo modo como elas não serão evitadas na Polônia, na Romênia e na Moldávia (se essa última se atrever a tocar na Transnístria).

    Como o Antonio Martins não parece saber muita coisa de assuntos militares, seria razoável que ele desse uma buscadinha na net de termos como: Sarmat, Iskander (vetores), TOS-1 Buratino (lançador) e TBG-7V (munição). Nota: contra os vetores indicados não há nenhuma arma na OTAN que permita interceptação. E por aí começamos a ver o tamanho da brincadeira, antes de chegarmos ao argumento nuclear.

    E, claro, tem muito mais implicação geopolítica nisso tudo, e ela poder ser resumida na possibilidade do começo do fim da globalização liberal. E, bom, os “mocinhos” são aqueles que farão isso acontecer, é óbvio. Rsrsrsrs.

    Sim, não há confusão nenhuma. As coisas sempre estiveram muito claras.

  5. A russia devia de se preocupar com o seu territorio e não com o tertitorio.vizinho. deve existir respeito mutuo respeitando. A autonomia territoral de ambos paises. Lembrando.que. o.mal por si se destroem

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *