Kennedy Jr.: o papel de um azarão nas eleições nos EUA

Presidenciável terá como vice uma advogada próxima às Big Techs — que ele promete enquadrar. Que efeitos terá sua candidatura: oferecer alternativa à dupla Biden-Trump? Ou tirar votos do atual presidente, favorecendo a volta da ultradireita?

Kennedy Jr. e sua vice, Nicole Shanahan, no anúncio oficial da chapa (Reprodução/YouTube)
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Nesta terça-feira (26), o candidato independente à presidência dos Estados Unidos Robert F. Jennedy Jr. anunciou sua candidata a vice. Trata-se da advogada Nicole Shanahan, presidenta e idealizadora da Fundação Bia-Echo, organização que destina recursos para questões que incluem a ciência reprodutiva das mulheres, a reforma da justiça criminal e causas ambientais. Foi também fundadora e CEO da empresa ClearAccessIP, de Palo Alto, uma empresa de tecnologia do Vale do Silício especializada em análise de patentes e gerenciamento de ativos. A companhia foi vendida em 2020.

“Eu queria um vice-presidente, que compartilhasse minha indignação com a participação das Big Techs como parceiras na censura, na vigilância e na guerra de informação que nosso governo está travando atualmente contra o povo americano. Com um conhecimento profundo sobre como as Big Techs usam a Inteligência Artificial para manipular o público. Quero fazer uma parceria com ideias fortes sobre como reverter essas terríveis ameaças à democracia e às nossas liberdades”, disse Kennedy em seu discurso.

Com 38 anos, ela pode representar não só um apelo a camadas do eleitorado que desejam uma renovação política, como seu lugar na chapa traduz, objetivamente, a possibilidade de obtenção de dinheiro, algo que será necessário para Kennedy viabilizar seu nome em todos os estados. Shanahan já foi responsável sozinha pela doação de US$ 4 milhões para um anúncio do candidato no Superbowl, espaço mais caro da TV estadunidense.

A decisão de definir uma vice desde já se dá também pelo fato de metade dos estados exigir, para candidaturas independentes, uma chapa completa já formada para assegurar a inscrição nas cédulas.

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Além do aporte que Shanahan como vice pode significar em termos financeiros, reportagem do Politico mostra que aproximadamente 21 mil doadores deram à campanha de Kennedy ao menos 200 dólares desde que ele se lançou como candidato independente em outubro. E uma análise da publicação aponta que 74% deles não fizeram doações a políticos durante o ciclo eleitoral de 2020. Um indício de que sua candidatura está atraindo pessoas que estavam afastadas do debate eleitoral.

Nenhum candidato independente tinha conseguido arrecadar tanto anteriormente. Um total de quase 28 milhões de dólares até o final do mês passado.

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O possível eleitorado de Kennedy pode retratar um cansaço em relação ao bipartidarismo estadunidense e, de acordo com as pesquisas, uma fadiga ainda maior em encarar uma revanche entre Trump e Biden. Mas ele também tem buscado cativar um público específico: os homens jovens.

Antes de definir sua vice, ele cogitou publicamente que o quarterback da NFL Aaron Rodgers e o ex-governador de Minnesota, Jesse Ventura, poderiam ocupar o cargo. Em comum, ambos promovem visões antivacina em conversas com populares podcasters esportivos, além de propagarem visões políticas por vezes conspiratórias.

Os balões de ensaio miravam um público específico: homens jovens. E uma estratégia que é muito utilizada em especial pela extrema direita, a exploração do ressentimento.

“Os jovens millennials e os membros da Geração Z de todos os gêneros foram criados no meio de uma guerra em curso, do aumento da desigualdade e de uma catástrofe climática iminente. O isolamento social forçado da covid-19 ocorreu justamente quando eles estariam explorando o mundo de forma independente”, dizem a colunista da MSNBC Natalia Mehlman Petrzela e o pesquisador sênior da New America Ilyse Hogue, neste artigo. “Os jovens do sexo masculino parecem estar passando especialmente mal no meio deste tumulto, como muitos notaram.”

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Para atingir esse público, Kennedy tem feito uma peregrinação em podcasts esportivos e naqueles que tratam de estilo de vida e temas não relacionados à política necessariamente.

Em uma entrevista concedida a Jordan Peterson em 2023, o independente afirmou crer que “este ano a campanha política será decidida por podcasts”. “Acho que os podcasts têm a capacidade nesta eleição de alcançar as pessoas e permitir, você sabe, que candidatos dissidentes e insurgentes como eu consigam romper o monopólio da mídia corporativa.”

Estar junto a ídolos do esporte e em programas da área ajudam na imagem cultivada por Kennedy, que já protagonizou vídeos nas redes sociais fazendo flexões sem camisa, além de aparecer em eventos com Aubrey Marcus, um influenciador fitness e palestrante motivacional.

“A principal marca de Kennedy é o idealismo cruzado – foi a sua campanha para livrar o Rio Hudson dos poluentes que foi a base da sua carreira. O Men’s Journal o apelidou de ‘herói’ por processar gigantes corporativos por envenenar a vida selvagem e os habitantes locais. O dano real causado pelo seu ativismo antivacina eclipsou, com razão, estes aplausos anteriores, mas mesmo os seus detratores reconhecem que os seus mais recentes esforços antipoluição contra os microplásticos são singularmente corretos“, pontuam Petrzela e Hogue. Para eles, o foco do candidato no condicionamento físico estaria em sintonia com uma espécie de saúde “natural” que ele busca defender.

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No segmento jovem reside uma das principais preocupações da campanha de Biden, já que foi ali um dos principais segmentos que garantiram a vitória do atual presidente sobre Donald Trump em 2020. Na ocasião, não só a participação deste grupo cresceu em relação a 2016, como o democrata obteve uma vitória por 25 pontos sobre o republicano. As sondagens agora mostram que essa vantagem evaporou.

Entre os jovens progressistas, a postura de Biden diante do massacre de Gaza afeta a disposição de ir votar. Entre os que não são, Kennedy pode roubar votos importantes, principalmente nos estados que não têm uma preferência evidente por democratas ou republicanos.

O Wisconsin é um destes estados, e causou um trauma na legenda de Biden em 2016, com a derrota de Hillary Clinton por uma diferença parecida com os 31 mil recebidos por Jill Stein, candidata do Partido Verde naquele ano. E ela estará nas urnas novamente em 2024.

Atualmente, a luta do Partido Democrata é contra Trump, mas também contra os chamados terceiros candidatos. Embora Trump também possa ser desidratado eleitoralmente por candidaturas como a de Kennedy Jr., é Biden quem pode perder mais nesse embate.

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